quarta-feira, 19 de outubro de 2011

"O Circo Chegou... e chegou para ficar", por Paulo Roberto Baqueiro Brandão

No último dia 17 de outubro de 2011, chegou à cidade um circo estranho. Fincou estacas e levantou lona nas imediações da primeira rotatória da BR-242, sentido Salvador-Brasília, no trecho conhecido como Av. ACM, onde, de vez em quando, logo em frente, outros circos e parquinhos mais alegres e multicoloridos também costumam entreter a nada feliz população de Barreiras.

Muitas pessoas curiosas foram ver a trupe, que se chama Circo Casa do Povo. Foi tanta gente que uma turma ficou de fora. Mas até quem entrou sofreu apuros com os apertos e a gritaria incessante dos espectadores, que esperavam a cortina descerrar e o espetáculo começar com tudo o que um circão dos bons costuma oferecer.

O circo era muito estranho. Era monocromático, tocava músicas de uma nota só e os artistas conversavam em uma língua estranha, que só quem fazia parte da comitiva circense era capaz de entender. As atrações, verdadeiras misturas de “vade-retro” com “cruz-credo”, estavam mais para bizarras que para divertidas.

Tinha uns quantos leões, nada dóceis, que não saltavam as argolas flamejantes. Ao contrário, faziam a plateia saltar a cada rugido ameaçador, de um inconfundível sotaque pernambucano. Alguns macaquinhos, estranhamente bem posicionados na arquibancada, assoviavam, gritavam e macaqueavam a cada momento de excitação extrema, quando se anunciava a vinda de um circo ainda maior, que logo vai chegar para ficar.

Havia animadoras. Apenas duas, é verdade. Mas causaram retumbante alvoroço quando desceram glamorosamente as escadas de onde saíam as atrações principais, mandando beijinhos para a plateia no melhor estilo das saudosas chacretes.

Com elas também apareceram os mágicos. Ah, os mágicos!! Aqueles senhores sempre bem vestidos que fazem as coisas sumirem diante dos nossos olhos, sejam pombos, moedas, ou mesmo um grande patrimônio público. Sempre quis saber para onde vai tudo isso que os ilusionistas teimam em fazer desaparecer...

A plateia, ensandecida, gritava e gritava. Uns pediam o dinheiro de volta, pois o circo ia se tornando cada vez mais estranho, com as suas atrações bizarras. Outros, que, junto com os macaquinhos, faziam muito barulho, desejavam mais e mais, exigindo um desempenho de gala dos artistas.

Eis que, em um momento de clímax, as luzes se apagaram e uma das animadoras, sem quê nem pra quê, virou a Monga, a Mulher-Macaco. Ao menos foi isso que pareceu quando as suas atitudes ganharam um tom de ferocidade, berrando e apontando os dedos para todos os lados, como quem está prestes a atacar os incautos espectadores. Encenação, claro. Mas não dá para negar que mete um medo danado!

Antes que alguém pergunte pelos palhaços, é melhor contar logo. Esses estavam espalhados por toda a cidade. Tristes e desiludidos, pois lhes negaram o picadeiro, mais pareciam pierrôs traídos por uma nada elegante colombina que fez promessas melodiosas aos pobres coitados.

Artista de mil habilidades, a colombina, que é animadora, Monga, mas também cantora, entoou uma balada que inebriou os ouvidos dos palhaços, um verdadeiro canto da sereia que agora faz os barcos naufragarem na curva de um rio que já foi grande, exatamente onde vão erguer o novo circo.

Obs.: Qualquer ligação com uma certa audiência pública que ocorreu na mesma data é mera coincidência.

por Paulo Baqueiro (Professor da UFBA)

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

"Como se 'Cria' uma Nação", por Paulo Baqueiro


“Nação Oestina”. Este é um termo largamente atribuído à população do Oeste Baiano quando o tema é a criação do estado do (Rio) São Francisco. Prenhe de um inconcebível ufanismo, a concepção de “nação” é empregada com muito pouca acuidade conceitual, o que pode gerar interpretações extremamente perigosas. Este termo, aliás, nem sequer deveria estar na pauta de discussão sobre a criação da nova unidade federativa, tal é o disparate da sua apropriação como argumento separatista.

Nós, que habitamos a porção do território baiano à esquerda do majestoso “Rio da Integração Nacional”, independente de termos nascido aqui ou acolá, não formamos uma nação distinta do restante dos brasileiros, como sugerem aqueles que fazem uso de tal termo. Dito de outra forma, a tal “Nação Oestina” simplesmente não existe.

O historiador Eric Hobsbawn, na magistral obra Nações e nacionalismo desde 1780, afirma que uma nação corresponde a um quantitativo considerável de pessoas em cujos membros se consideram como membros de uma “nação”. Em outras palavras, para constituir uma nação, um grupo deve ter consciência de tal condição. Assim, é necessário que “os de dentro do grupo”, ou seja, os membros conscientes da sua condição de nação, enxerguem uma dada homogeneidade que os façam se tratarem como iguais e, ao mesmo tempo, os diferencie “dos de fora do grupo”, aqueles que são os demais membros da sociedade da qual fazem parte.

A identificação com elementos materiais e simbólicos que promovem aquilo que Milton Santos chamou de “solidariedade orgânica” é também territorial, pois gera laços entre o grupo e o espaço em que o primeiro se reproduz socialmente.

Para exemplificar, pensemos no Euskadi (País Vasco ou Vasconia, ambos os termos em espanhol), que constitui uma Comunidade Autônoma do Reino da Espanha, mas cujos laços histórico-culturais transbordam para outras comunidades e mesmo para além da fronteira com a França, constituindo um território em dois Estados distintos. O elemento de unidade (que dá sentido à ideia de nação) é o idioma, o euskera (mais conhecido como língua basca). Neste caso, o habitante do Euskadi, pelos valores histórico-culturais que possui, não se vê como espanhol, já que não usa o idioma castelhano. O mesmo ocorre na Catalunha e na Galícia, outras das comunidades autônomas espanholas.

Os palestinos, por sua vez, possuem, além da religião, o idioma e o alfabeto como elementos que os diferenciam dos judeus. Porém, sua ascendência genética – que define a etnia – os aproxima daqueles que expropriam o seu território (os mesmos judeus anteriormente citados). Trago este segundo exemplo para mostrar que, ao contrário do que fazem parecer por meio da propalação do termo em questão nos discursos separatistas do Oeste Baiano, a formação de um sentimento nacionalista é extremamente complexa.

Em outra perspectiva, pensemos nos torcedores de um clube do futebol. Tomemos a mim a aos milhões de torcedores do Esporte Clube Bahia, que nos autodenominamos “Nação Tricolor” como o caso a ser analisado. Todos somos tricolores, é verdade. Mas, antes disto, somos brasileiros, lusófonos, adeptos (ou não) das mais diversas matrizes religiosas existente no Brasil, possuímos identidades territoriais ligadas a bairros ou cidades as mais diversas. Ou seja, não nos distinguimos em nada dos torcedores do Vitória – ou de qualquer outra torcida brasileira – naquilo que importa quando se fala em uma nação.

Portanto, empregar o termo “Nação Tricolor” como um elemento de identificação dos torcedores do glorioso Esporte Clube Bahia serve tão somente para demonstrar a existência de uma coesão que é parcial e momentânea, pois se torna real apenas quando o assunto é futebol.

No caso do Oeste Baiano, que elementos partilhamos, como pretensos formadores da nação, para nos fazermos sentir diferentes dos demais grupos que nos rodeiam? Empregamos um idioma diferente dos demais (gírias e sotaque não contam, por favor!)? Temos uma história regional que se distancia da formação territorial das demais regiões do Brasil Interior? Temos uma formação étnica que nos singulariza diante dos demais brasileiros (e olha que nem deveríamos confundir etnia com nação)? Professamos uma mesma religião? E, por fim, como indivíduos, temos vínculos de unidade, partilhamos os mesmos interesses, nos vemos como iguais?

Não possuímos nenhum dessas especificidades, pois:
  • usamos a mesma língua que os demais brasileiros, com as diversas nuances de sotaque e gírias construídos do contato entre baianos e demais nordestinos, goianos, mineiros e sulistas, bem como da força da mídia, sediada no eixo Rio-São Paulo. Mas, ainda assim, nos comunicamos no bom e velho português;
  • a constituição territorial do Oeste Baiano é parte de um movimento maior da nossa formação geográfico-histórica, resultante da paulatina apropriação econômica do interior do país, iniciada ainda no período colonial;
  • do ponto de vista étnico, somos o resultado eternamente inacabado de diversas misturas, que ocorrem de modo similar em outras partes do Brasil;
  • professamos o catolicismo, o protestantismo, o budismo, o candomblé, qualquer outra religião ou nenhuma delas, do mesmo modo que outras pessoas o fazem pelo restante do país;
  • somos muito diversos nos interesses, desejos, aspirações, classes.


Por tudo isso, somos diversos, heterogêneos, não possuindo o tal elemento de coesão histórico-cultural e territorial que faria de nós, habitantes do Oeste Baiano, uma nação. Assim, ao tratarmos o tema do nacionalismo com seriedade, buscando enquadrá-lo às premissas científicas que o termo merece, a “Nação Oestina” tem tanta validade quanto a “Nação Tricolor”.

A utilização do termo “nação” para designar a população que habita o Oeste Baiano poderá, em um limite extremo, criar cisões que suscitariam extremismos entre os que querem e os que não querem a separação da Bahia. Insistir no uso de tal palavra é, portanto, uma irresponsabilidade. O que sugiro é que, ao invés de celebrarmos a sandice do tal nacionalismo oestino, que nos orgulhemos da diversidade que possuímos, independente destas terras virem a se tornar (ou não, como diria Caetano Veloso) uma nova unidade federativa.

por Paulo Roberto Baqueiro Brandão
Professor de Geografia do ICADS/UFBA

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

“Do Crescimento Econômico ao Desenvolvimento Econômico e Humano: um caminho a ser construído!”, por Márcia De Liberal

Entre os dias 15 a 20 de agosto, aconteceu no ICADS/UFBA o Fórum sobre Desenvolvimento Humano e Econômico em Barreiras organizado pelo PET Humanidades – Programa de Educação Tutorial, durante o qual foram abordados temas de extrema relevância para o futuro da nossa região, tais como: Crescimento Econômico, Políticas Públicas em Saúde, Políticas Públicas em Educação, Políticas Públicas em Habitação, Políticas Públicas em Saneamento Básico e Desenvolvimento Humano, discutidos entre professores especialistas nas áreas e gestores públicos da cidade.

Na palestra intitulada O Crescimento Econômico em Barreiras, buscou-se esclarecer a diferença existente entre os conceitos de Crescimento Econômico e Desenvolvimento Econômico, mostrando que o primeiro é mais restrito, pois está centrado no aumento quantitativo da capacidade produtiva e, principalmente, na renda. Já o segundo conceito, baseado na transformação qualitativa da estrutura da economia, abrange todas as formas possíveis de melhorias na qualidade de vida advindas do crescimento da economia, incluindo a diminuição na taxa de analfabetismo, o aumento na expectativa de vida, as melhorias na qualidade da educação e da saúde, o aumento da oferta de emprego, o saneamento, a preservação do meio ambiente, entre outras.

Dessa forma, o objetivo central era expor que uma realidade social pode ser modificada com a colaboração ativa de todos os integrantes da sociedade envolvidos no processo. Sendo assim, é necessário compreender que o desenvolvimento econômico é sempre uma consequência do crescimento econômico, relação esta que nunca se dá de forma contrária. Portanto, sabemos se um país teve ou não Crescimento Econômico observando a taxa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto: é o valor monetário total de todos os bens e serviços finais produzidos na economia de um país durante o período de um ano); e, se teve ou não Desenvolvimento Econômico observando os diferentes indicadores do Desenvolvimento Humano.

Analisando esta visão da conjuntura macroeconômica sobre o potencial de Barreiras, sem excluir todos os impasses dos conflitos ambientais gerados pelo agronegócio, é importante ressaltar que um dos pontos fortes da região está justamente neste segmento da economia e os seus possíveis desdobramentos. Isso inclui a implantação de um parque industrial, implica no aumento da oferta de empregos, agrega valor aos produtos e aos serviços, além de promover a chegada de novas universidades que devem funcionar como centros de conhecimento teórico e prático, tendo em vista a elaboração de propostas voltadas para tratar das questões locais e que apresentem condições viáveis de transformar a vida da cidade e dos seus habitantes. Para isso acontecer, é preciso entender que só é possível ultrapassar e vencer a fronteira da pobreza com oportunidades capazes de gerar melhorias em todos os aspectos da vida social.

Vale lembrar ainda que, apesar do reconhecimento dos malefícios de um trabalho executado sem planejamento e sem equilíbrio no setor primário da economia, em especial a desigualdade no acesso aos alimentos por parte da população em nível mundial e o desmatamento de florestas que deveriam ser preservadas para manter o ecossistema, o agronegócio praticado sob a orientação de profissionais qualificados e ambientalistas pode ajudar o mundo a ser um lugar onde todos possuam chances de viver com dignidade e comprometimento com as futuras gerações. O célebre poeta inglês, William Blake, que deixou para a posteridade a frase “Onde o homem não está, a natureza é estéril”, leva-nos a refletir melhor sobre a importância da consciência humana no trabalho sustentável com a terra.

Para finalizar, são importantes os seguintes questionamentos: Almejamos ver a cidade de Barreiras inserida em um programa de crescimento econômico e sustentável permanente com conquistas no campo sócio-econômico? E, por que não toda a região oeste da Bahia? Se assim for, não basta apenas pensar em realizações do ponto de vista individual ou meramente mercadológicas. Somos responsáveis pela promoção de uma visão ampliada de sociedade, uma vez que, cada cidadão pode dar a sua contribuição inserindo-a em um contexto mais abrangente capaz de traduzir a ideia e o sentido de coletividade.

Este caminho almejado pode ser construído!

por Márcia Mello Costa De Liberal
Professora Adjunto do Curso de Administração
ICADS/UFBA

terça-feira, 23 de agosto de 2011

" 'Sou agro'. Cuidado!", por Martin Mayr

O agro-empresariado brasileiro anda preocupado com a sua imagem. Recentemente, o setor lançou a campanha “Sou agro”. Gente da popularidade de Lima Duarte e da lindeza de Giovana Antonelli fica encarregada a confidenciar ao povo brasileiro como seja legal virar agro. Na cantada, ouve-se muito de “campeões de tecnologia”, “provedores de divisas”, “ambientalistas natas”, “patriotas de verdade”, etc. Entretanto, a tecla mais batida pela campanha é a seguinte: “Somos nós que alimentamos o mundo”.

Este afirmação contém umas verdades e esconde muitos problemas. Sem dúvidas, Brasil dispõe sobre condições privilegiadas para produzir grãos, fibras, óleos, leite e carne em altas escalas, o que acaba favorecendo toda comunidade dos consumidores com um abastecimento constante a preços (cada vez menos) pautados pela grande oferta.

Mas, os manejos industriais de tirar alimentos, fibras e energia causam enormes problemas ambientais, uma crescente concentração fundiária e o esvaziamento populacional da zona rural. Os “agros” consideram tais conseqüências como secundárias, toleráveis em vista do seu papel como fiadores da segurança alimentar e energética global. A sociedade, assombrada com o fantasma de uma superpopulação faminta, tende a conformar-se com a sobreposição do agronegócio grande. Por conseguinte, o governo, pouco questionado pela sociedade, continua subsidiando fortemente o setor, com políticas ao gosto do agro-lobby.

A onda marqueteira do agronegócio brasileiro promete alimentar o mundo graças a excelência da sua tecnologia e do aproveitamento racional do espaço. Na realidade, porém, tal compromisso é cheio de ambiguidades e parcialidades. Seguem umas considerações que não fazem parte do discurso dos “agros”, mas precisam ser levadas em conta, sob ameaça de caríssimos enganos.

1. Pelos levantamentos da “Organização das Nações Unidas pela Agricultura e Alimentação – FAO”, 64 % dos alimentos plantados no Brasil acabam no lixo, perdidos nos campos, nos transportes, nos armazéns, nas indústrias, nos pratos. O bom senso conclui que antes de produzir mais, devemos desperdiçar menos. Isto é possível. A própria FAO recomenda medidas que permitem reduzir as percas mela metade, disponibilizando enormes quantidades de comida sem que alguém precise consumir menos. Entretanto, economizar mais e desperdiçar menos significará uma redução na demanda de sementes, adubos, defensivos, máquinas, etc. E isto é justamente o contrário ao que interessa os “agros”.

2. Os “agros” costumam desperceber que uns comem em excesso enquanto outros passam fome. Ignoram que a crise de alimentação anda associada a uma crise nutricional que espelha a crise civilizacional do mundo industrializado. Parece que os “agros” acham desejável que todo mundo se aproprie do mesmo padrão alimentar e nutricional das sociedades ricas. Nas mesmas, as pessoas engolem – para citar um exemplo – em média 90 kg de carne por ano; o que não lhes faz nada bem, mais ocupa cerca de 70 % das terras agriculturáveis com a produção de ração animal para alimentar os bichos. A maior parte da soja não é convertida em alimento humano, e sim em ração animal, principalmente para criar gado, porcos e frangos. Pelo “Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas”, a demasiadamente aumentada criação de gado no mundo é considerado como uma “bomba climática”, já que os puns e arrotos dos animais provocam uma constante emissão de metano, um gás bem mais nocivo ao clima do que o carbono dióxido. Constrange que ao menos oito de dez “agros” acham isto ridículo.

3. A expansão agropecuária desejada pelos “agros” significa pressões ambientais muito além das razoavelmente conhecidas conseqüências de desmatamento, esgotamento de água doce e eliminação da biodiversidade. Muitas pressões não acontecem necessariamente na região da exploração agropecuária. Seguem dois exemplos. A exorbitante maioria dos solos brasileiros depende de fertilizantes. Tais demandas vêm provocando uma crescente onda de minas para suprir a dependência do exterior (p.ex. 90% do potássio é importado). Hoje, a agricultura intensiva acaba sendo uma das mais fortes incentivadoras da expansão dos empreendimentos de minério, particularmente em regiões ecologicamente muito sensíveis como a Amazônia. – Muito menos visível ainda é a passagem dos agro-defensivos pelo organismo dos consumidores. Olhando para Giovana Antonelli, quem é que repara que a mesma é sujeita de digerir anualmente 3,6 litros de agrotóxicos, o que é a média consumida pelos/as compatriotas brasileiros/as? Brasil é campeão mundial na aplicação de agro-tóxicos. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) mostram que 15% dos alimentos consumidos pelos brasileiros apresentam taxa de resíduos de veneno num nível prejudicial à saúde. Não há nada de conforto no fato que os “agros” engolem o mesmo tanto de veneno quanto a tremenda maioria dos demais brasileiros/as.

4. Amartya Sen, economista indiano laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1998, demonstrou no seu livro “Poverty and famines” que as crises de fome, com raras exceções, não existem por falta de alimentos e sim por falta de acesso a tais. O arroz existe, mais o faminto carece do tostãozinho para adquiri-lo. Portanto, há um pressuposto precipitado no lado dos “agros” quando alegam que a sua capacidade produtiva salvará as pessoas da fome. Quem diz que futuramente os pobres terão mais facilidade de comprar a produção dos “agros” do que hoje? Os índices de preços apontam para o lado oposto: Convivemos com um encarecimento assustador dos alimentos básicos. Se os “agros” fossem realmente preocupados com o abastecimento alimentar do mundo, perseguiriam, antes de tudo, as metas de rebaixamento dos preços, e subsidiariam massivamente campanhas que combatem a pobreza. (Aliás, a história mostra que o combate à pobreza é a medida mais eficiente para combater o crescimento populacional – o inverso, além de ser autoritário, surte menos efeito.) Pelo visto, não tem nada disto na sua campanha.

5. Lembrando o famoso ditado de Ivan Illich: “A sede virou Coca Cola”, pode-se constatar que na lógica dos “agros” a fome vem virando “Monsanto”, “Nestlé”, “Kraft Foods”, etc. São mega-grupos que conseguem transformar seus produtos em necessidades. No entanto, olham muito antes para o valor das suas ações do que para a fome do mundo. Parece até tragicômico como a maioria dos “agros” menores se joga nos braços dos “meta-agros”, os quais impõem nem somente as regras de jogo em toda cadeia agro-industrial, como também prescrevem cada vez mais a fixação dos preços nas bolsas internacionais onde os alimentos viram meros ativos financeiros. Cada vez menos, os preços dos alimentos respondem à real oferta e procura, e sim, refletem os caprichos especulativos em torno de safras nunca colhidas, percas nunca materializadas, transações nunca efetuadas. São os super-capitalizados “Monsanto”, “Nestlé”, “Kraft Foods”, etc. que lucram com isto. No outro lado, os que mais necessitam de reais alimentos são os que pagam mais caro neste sistema perverso. Queriam distância dele, almejam “soberania alimentar” – um termo, contudo, que não consta no vocabulário dos “agros”.

Diante da promessa dos “agros” de alimentar o mundo, vale citar o ditado de um povo africano muito experimentado com a fome: “As asas maiores não garantem o vôo mais alto”. É o que os “agros” negam na sua campanha triunfalista, como banalizam os impactos nocivos das suas atividades. Cuidado, então, com as cantadas de Duarte e Antonelli.

por Martin Mayr
Agência 10envolvimento – Barreiras – BA
Agosto de 2011

quinta-feira, 28 de julho de 2011

"Demagogia atuante", por Márcio Lima

Comecei a escrever um comentário ao último e excelente texto de Márcio de Carvalho, mas como me estendia demais, achei melhor publicar em forma de um novo post. As reflexões políticas em torno da democracia são quase tão antigas quanto o próprio regime. Talvez pela natureza do embate de ideias que ela permite e da qual depende, a democracia tenha sido mesmo o solo fértil de onde floresceu todo o nosso pensamento político ocidental. Como quase sempre, foi Platão quem nos forneceu as bases para uma reflexão mais profunda.

Mestre e personagem de quase todos os Diálogos escritos por Platão, Sócrates, como todos sabem, foi condenado à morte após um processo que trazia em si duas acusações centrais: impiedade diante dos deuses e corrupção da juventude. O que muitos desconhecem é que o filósofo foi condenado por um regime democrático. Sabe-se que a democracia é invenção grega; sabe-se que Sócrates foi condenado à morte. Nem sempre se sabe, porém, que os dois fatos estão intimamente ligados.

Na verdade, o processo contra Sócrates foi o coroamento das disputas políticas e das inimizades que o filósofo atraiu em anos de prática discursiva nas ruas de Atenas. Crítico mordaz da democracia, foi ele quem primeiro apontou a natureza problemática desse regime. E dois problemas por ele questionados foram precisamente o da forma como se dava a participação e a necessidade de conhecimento técnico na hora da tomada de decisões. Aquilo, portanto, que Márcio Carvalho discutia e seu texto. O decisivo nos textos de Platão é que a argumentação filosófica se alia à experiência existencial. Assim, as reflexões socráticas em torno das duas questões podem ser realçadas com a atuação do próprio Sócrates na vida democrática de Atenas.

Em um evento histórico, a batalha de Arginusas, aconteceu de generais atenienses regressaram de uma batalha sem recolher os corpos dos mortos em combate. Como mandava a lei, todo ateniense tinha direito às honras fúnebres. Os generais, deixando os corpos para trás, negaram aos mortos um direito sagrado. Foram, por isso, levados a julgamento. Justamente nesse processo, Sócrates foi sorteado para ser o juiz máximo do tribunal. A lei dizia que cada general deveria ser julgado separadamente, mas o povo decidiu julgá-los em bloco e condená-los à morte. O filósofo viu a fissura básica da democracia, pois o povo não conhecia as leis e julgava como se estivesse acima delas; a essa primeira inconsistência, somava-se outra: a atuação dos retóricos e demagogos. Aquele que mais estivesse em condições de convencer o “demos” seria condutor de suas decisões.

Ao longo de seus Diálogos, Platão expõe inúmeras vezes a polêmica de Sócrates contra os sofistas e as fragilidades da democracia. Numa passagem bastante dramática, quando ameaçado por um de seus interlocutores, Sócrates afirma que ele e o demagogo diante do povo são como um médico e um cozinheiro ante uma criança. Sócrates é o médico e propõe um tipo de alimentação que não agrada a criança, mas lhe faz bem; o demagogo é o cozinheiro que, para aliciá-la, oferece pratos saborosos, mas que sabidamente vão lhe fazer mal. Desde então, é inevitável dissociar da democracia a figura do demagogo. Tanto é assim que em seu clássico texto, A política como vocação, Max Weber o elege como um tipo característico da política ocidental.

Embora nossa democracia seja em essência diferente da ateniense de Sócrates, talvez seja impossível anular a atuação do demagogo na hora da participação do povo. Daí Márcio Carvalho ter lembrado que uma das formas de resguardar a integridade do regime seja reservar muitas decisões àqueles que têm conhecimento técnico. A rigor, em Atenas já era assim, pois o povo deveria no mínimo conhecer as leis, mas na prática as coisas se passavam de outra forma. Isso talvez explique por que deixamos de lado a democracia direta, como a ateniense, e adotamos uma forma representativa. As democracias modernas não dão ao povo o poder de decidir tudo o tempo todo. As raras exceções são os plebiscitos. Usando o exemplo dado por Márcio Carvalho, seria impossível submeter à apreciação universal qual taxa de juro adotar porque o povo não tem conhecimento técnico para decidir e certamente haveria um demagogo a defender em nome do povo uma taxa que supostamente lhe beneficiasse. Seria o típico caso da disputa desleal entre o médico e o cozinheiro. É possível, então, ao povo, furtar-se a atuação dos demagogos? Parece que não.

Diferente da tradição clássica que se inicia com Platão, Maquiavel vai ditar novos rumos para a teoria política. Tomando os homens como são, em vez de refletir sobre regimes que nunca existiram e que jamais existirão, o pensador florentino pensa uma atuação política do Príncipe a partir da verdade efetiva das coisas. E ninguém na história jamais foi tão vilipendiado por dizer tanta verdade. Numa Itália dividida em várias cidades enfraquecidas, Maquiavel considerava urgente que um príncipe não apenas as reunisse, mas que mantivesse o poder. Para tanto, seria necessário considerar a natureza pérfida dos homens e o preceito de que o povo quer ser enganado. É preciso ser bom, mas sobretudo entrar no mal, pois em poucas oportunidades o príncipe teria de ser bondoso, mas constantemente agir de acordo com o maldade. Ora, para cada conselho que dá, Maquiavel arrola uma gama de exemplos tirados da história, mostrando-nos, com eles, que as ações bem sucedidas são efeitos de ações que, via de regra, todos consideram más.

Meu amigo Pedro, professor da engenharia, em conversas que tivemos outro dia, lembrava-me do assassinato de César em pleno Senado. Participaram do conluio vários de seus antigos aliados, sendo o cabeça do golpe seu grande amigo Brutus. Daí a famosa frase que reflete o espanto de um César já ensangüentado: até tu Brutus? Brutus é sempre descrito como um tipo ponderado e parcimonioso, mas que olha sempre de soslaio. Talvez o mais perigoso tipo de demagogo. A ação de Brutus antecipa em vinte séculos a política defendida pelo presidente Americano Roosevelt, conhecida como Big Stick (Grande porrete). Seu lema era: "fale com suavidade e tenha à mão um grande porrete" (Speak softly and carry a big stick). Na frente, seja doce, sorridente, suave, agrade a todos; tenha, porém, sempre à mão o porrete para bater quando o outro virar as costas.

Mas o que Pedro lembrava é que, em nome do suposto perigo que representava César, os conspiradores o assassinam em pleno Senado, o lugar mais significativo da República Romana. Tal como no caso de Sócrates, são aqueles que mais falam em defesa dos direitos e da democracia os que agem de forma tirânica e ditatorial. De fato, é de desconfiar quando, em pleno regime democrático, alguém ou um grupo comece a invocar os valores da democracia e os perigos que ela corre. Na história recente do Brasil, tal como os acusadores de Sócrates e os assassinos de César, tivemos um golpe de Estado que engendrou uma ditadura de 21 anos, cujos arautos diziam temer pelo estado democrático, daí a tomada do poder. Essa, aliás, é uma acusação que o próprio Sócrates já fazia quando alertava que a democracia corria sempre o risco de tornar-se uma ditadura porque o povo se deixa iludir pelo discurso de quem se diz ser a única salvação para o regime da liberdade. Assim é que não raro surgem ao longo da história os caudilhos, ditadores e tiranos de toda sorte. Quando assumem o poder, some a fala suave e resta apenas o porrete.

Antes de me encaminhar para a conclusão, queria lembrar a interpretação genial que Rousseau fez de Maquiavel. Para o filósofo francês, O Príncipe não é um livro escrito para o soberano. Toda a maquinaria do poder que Maquiavel expõe seria justamente para que o povo pudesse ter conhecimento das estratégias políticas e assim poder se defender delas. Pelo menos num ponto Rousseau tem razão, pois se é certo que Maquiavel é o instrumento eficaz para a atuação política, não é menos verdade que ele nos ajuda a proteger-nos dessa mesma atuação. Ganhamos com O Príncipe não apenas regras para conquistar e manter o poder, mas um poderoso instrumento de análise que nos permite desconfiar das táticas para sua aquisição. Quando virmos um político sorridente, com fala suave, tentando agradar a todos, devemos ter o cuidado de olhar se ele não traz um porrete escondido. E todo demagogo de agora já foi posto diante de nossos olhos nas análises e exemplos que Maquiavel nos deixou em. Daí o outro preceito do filósofo de que a história é a mestra da vida.

Acredito que, em termos nacionais, o Brasil tem feitos avanços políticos. Temos hoje instituições mais sólidas, eleições asseguradas, mandatos presidenciais concluídos, o que sempre foi raro em nossa jovem República. Na mesma escala nacional, o que continua podre é um congresso formado por políticos eleitos em seus currais eleitorais, onde ainda temos uma política efetiva que expressa a velha e bolorenta noção de um país atrasado, com compras de votos, desmandos, ineficiências as mais esdrúxulas, enfim, o palco onde o mais das vezes atuam só os demagogos. Como o povo jamais vai ler Maquiavel, é preciso encontrar outra solução para atenuar os efeitos da demagogia. Wagner Teles começou a fazer o trabalho, denunciando a apropriação do trabalho alheio que sido feito nos últimos tempos por estas paragens.

por Márcio Lima

sexta-feira, 22 de julho de 2011

"Democracia Omissa", por Márcio Carvalho

Alexis de Tocqueville foi um grande pensador político francês do Século XIX. Em seu livro Democracia na América, repleto de análises que continuam pertinentes e atuais, o autor externa a preocupação a respeito da ausência do povo nos negócios do governo. O maior receio futuro de Tocqueville é a omissão dos cidadãos em favor de um poder tutelar – e o fato de que os representantes deste poder sejam eleitos não altera coisa nenhuma...

Das cidades nas quais morei, Barreiras é aquela na qual mais se fala sobre política nas ruas; entretanto, posso afirmar que é aquela na qual o povo é menos politizado. Paradoxo? Não. Fala-se muito sobre política, mas se age pouco em termos políticos concretos.

Quando uma rua é asfaltada (raro!) foi "a" prefeita. "Jaques Wagner" não apóia a região oeste. O asfalto da rodovia é responsabilidade de "Dilma". Nunca se fala nas instituições, apenas nas pessoas. E a personalização das questões retira delas seu conteúdo político, uma vez que passa a se tratar de questões pessoais; desta maneira, inviabiliza-se a ação política coletiva, visando influenciar o processo de tomada de decisões destas instâncias, para que levem em consideração os interesses de importantes setores da sociedade civil.

Isto significa que deveríamos ter como horizonte uma democracia totalmente direta, em que todas as decisões são tomadas em assembléia? Poderíamos imaginar que, desta forma, os interesses majoritários da comunidade seriam atendidos. Minha resposta é: nem sempre. Vou me apoiar em outro filósofo para prosseguir o argumento, Bertrand Russell (no livro Poder: Uma nova análise social): "A Democracia como método de governo está sujeita a algumas limitações que são essenciais... [as quais] surgem principalmente de duas fontes: algumas decisões têm que ser rápidas e outras exigem conhecimento especializado"

Comecemos com a velocidade: não é possível chamar uma assembléia ou plebiscito a cada decisão a ser tomada em sua instituição, universidade, município, estado ou país. Algumas questões precisam ser abordadas de imediato; o planejamento de qualquer ato de gestão se torna impraticável sem que haja um direcionamento central que possa resolver divergências entre os diferentes interesses que se apresentam em qualquer comunidade.

Quanto à especialização, há questões que devem ser decididas tecnicamente. Não seria prudente realizarmos um plebiscito a cada mês para saber se a população acredita ser melhor aumentar ou diminuir a taxa de juros, pelo simples motivo que a maioria de nós não tem capacidade técnica para analisar a economia nacional e tomar esta decisão. Uma assembléia não deveria ter o poder de desconsiderar um parecer técnico expedido por especialistas numa determinada área (deveria poder, sim, pedir a opinião de outros especialistas).

Quando não se leva estes fatores em consideração, temos uma forma degenerada de democracia, uma democracia "de fachada", um assembleísmo que tende a desorganizar o planejamento e as atividades necessários para gestão. Diga-se de passagem, assembleísmo populista, pois o povo fica feliz achando que participa das decisões, sem perceber que está, na verdade, partilhando a responsabilidade pela ineficiência.

Voltando a Russell, "devido a estas limitações essenciais, muitos dos assuntos mais importantes têm que ser confiados ao governo, pelo eleitorado". Institui-se, assim, uma instância executiva, que precisa lidar com o funcionamento cotidiano, a gestão mesma de uma organização, e uma instância "legislativa", que pode realizar planejamentos de mais longo prazo. Cabe lembrar que esta última pode funcionar como assembléia (participação efetiva de todos) ou ser representativa.

Qualquer que seja o caso e com respeito a ambas as instâncias, voltamos àquela preocupação inicial de Tocqueville: não basta votar em alguém e se retirar do cenário. Isto não vai contra a afirmação de Russell que abre o parágrafo anterior, pois mesmo naqueles assuntos em que a decisão deve ser tomada sem consulta à população, gestores e governos devem prestar contas por assumir tal ou qual postura.

A solução necessária é a "liberdade política", definida por Gerard Lebrun (em O Que É Poder) como "a participação efetiva dos cidadãos nos negócios públicos. Só ela pode impedir a atomização do tecido social que favorece o despotismo". Esta participação se dá pela ocupação efetiva de espaços políticos e públicos. Não basta ficar nas mesas de bar, calçadas e corredores reclamando dos gestores (personalismo): temos que nos mobilizar e reivindicar nossos interesses, quando não for possível atingi-los por nós mesmos. Foi o que a comunidade UFBA fez no ano passado (vejam post de Wagner Teles sobre o caso).

Um interesse importante em nossa cidade é que as instâncias descritas acima sejam efetivamente independentes, de forma a que uma possa fiscalizar o funcionamento da outra; em outras palavras, a Câmara dos Vereadores não deveria ser mero apêndice do Executivo Municipal. Este espaço pode ser ocupado pela população, seja individualmente cobrando seus Vereadores, seja organizando movimentos para mobilizar a Câmara como um todo, ou ainda participando em todas instâncias em que tem representação e voz.

Lembrem-se, apenas, que estes espaços não são dados: precisam ser conquistados.

por Márcio Carvalho

quinta-feira, 14 de julho de 2011

"As Orelhas do Agrofúndio Brasileiro", por José Antonio Lobo

Com uma postura crítica sobre as contradições e controvérsias da questão agrária no Brasil o professor da USP, José de Souza Martins, vai nos dizer que duas questões ainda estão muito mal resolvidas no país. A primeira é a escravidão, a qual permanece no campo tendo a modalidade da dívida e do isolamento de trabalhadores como estratégias. A segunda é a permanência da estrutura latifundiária no campo, a qual nasce na semeadura das capitanias hereditárias, nas sesmarias e na Lei de Terras de 1850, porém, como nos diz Martins, são apenas sementes, pois o que vai consolidar de fato o agrofúndio brasileiro é o desenvolvimento de um padrão capitalista fortemente atrelado aos interesses de agentes classistas que Karl Marx vai chamar de proprietários fundiários.

Com base na idéia da permanência da escravidão e do latifúndio no Brasil como categorias de norteamento da exploração do trabalho é que vamos refletir um pouco sobre a velha cultura coronelista de decidir sobre a morte e a vida de trabalhadores rurais e urbanos que resolvem enfrentar o agrofúndio para manter a posse de suas terras e a dignidade do trabalho familiar. As últimas 4 mortes de camponeses registradas na região norte do país refletem a contraditória e conivente relação entre o Estado, o capital e o uso da terra como instrumento de poder.

Um fato que chama bastante a nossa atenção é que os covardes assassinatos estão acontecendo de forma paralela aos recordes de produção de grãos no Brasil e ao possível crescimento da participação do agrofúndio no PIB nacional. Somando-se a isso, também registramos o crescimento da bancada ruralista no Congresso Nacional e a modificação do código florestal. É muito coincidente registrar uma onda de assassinatos de camponeses justamente num momento em que o agrofúndio ganha espaço e se “territorializa” tanto nos estados, a exemplo, de Mato Grosso, Pará e oeste da Bahia quanto no Congresso Nacional.

O que fica claro é que para parte dos grileiros, madeireiros, sojicultores, criadores de gado e outros não basta assassinar uma família camponesa também tem que arrancar e trazer a orelha, essa orelha, certamente vai servir de recado para outras lideranças e famílias camponesas como também vai servir para alimentar e perpetuar a cultura do poder da terra de negócio e a conivência histórica do Estado Brasileiro diante dessas questões. Um Estado Nacional que se formou no seio do agrofúndio desde a colônia, passando pelo império até chegar na dita república atual.

Hanna Arendt vai nos trazer uma discussão muito fértil e atual sobre as formas terroristas de intimidação cujo uso é sempre voltado para os interesses dos agentes que querem controlar a terra, a água, a liberdade política e até mesmo as orelhas das pessoas. Atos terroristas, a exemplo, dos assassinatos de camponeses e a retirada das orelhas não acontecem somente para eliminar um representante popular, mais sim para espalhar o medo e o terror com o perverso objetivo de matar a ação política daqueles que não se curvam aos desmandos do agrofúndio. Atitudes arcaicas e coronelistas como essas mostram o quanto o nosso Brasil está mergulhado numa modernidade arraigada na exclusão e na perversidade social.

A resistência histórica dos camponeses que lutam para simplesmente poderem sobreviver na terra de trabalho é uma marca de vida que não será maculado muito menos apagada pela sede de orelhas do agrofúndio brasileiro, mesmo com a “territorialização” dos covardes atos totalitaristas materializados nos assassinatos e nas perseguições que a mais de 500 anos acontecem no Brasil.

É bom lembrar que as orelhas cortadas que servem como instrumento de poder para determinados agentes do agrofúndio também são as orelhas que captam os sons da vida e transformam isso em perseverança, luta e resistência na terra de cultura e de trabalho. Para os que pensam que vão sufocar os movimentos de luta pela terra de trabalho com práticas totalitárias e terroristas recomendo ter cautela porque quando se luta pela vida e a vida é a própria luta os limites desaparecem, e a resistência revolucionária emerge como elemento de construção de nossa própria história.

Camponeses na luta com enxada, facão e mãos calejadas resistindo e com suas orelhas ouvindo os sons da vida na construção de uma nova nação.

por José Antonio Lobo dos Santos
Professor assistente do Curso de Geografia do
Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável/UFBA.

"Era uma cidade muito engraçada", por Márcio Lima

Estou em casa um dia pela manhã, quando escuto a campainha. Eram umas senhoras com uniformes da prefeitura, questionando-me o nome da rua. “Depende”, respondi-lhes. “Para a prefeitura, não há nome. Apenas a designação do lote. Para a embasa, é um, mas para a Coelba, outro, que foi dado pelo carteiro. É o mesmo da rua transversal. Para facilitar seu trabalho, o rapaz resolveu fazer desta rua uma continuação da outra, de modo que hoje há duas ruas, reunidas pelo mesmo nome, em formato de L”.

As senhoras pareciam contratadas pela prefeitura para entregar a cobrança do IPTU. Belo avanço. Todas as vezes em que paguei esse imposto, tive de ir eu mesmo buscar a fatura. O problema é que, pelo menos no bairro onde moro, a missão não terá muito êxito. A pedida delas, lá fui eu então procurar meu nome em meio aos carnês. Eu não estava lá, mas elas me asseguraram que ali só havia uma parte das cobranças. Acabei encontrando nomes conhecidos, e até tentei ensiná-las a chegar à casa deles; devido, porém, à disposição das ruas bairro, elas ficaram mais perdidas do que antes. Se as ruas tivessem nomes, talvez só o GPS pudesse encontrar sem antes ter de sofrer um bocado dando voltas e mais voltas

As nossas ruas não têm saneamento, não têm esgoto. Isso falta em muitas cidades brasileiras, embora a realidade de Barreiras seja pior que a da maioria, mesmo daqueles onde a economia vive do fundo de participação dos municípios. Todavia, ainda mais elementar do que isso é que o lugar da cidade onde a pessoa se identifica de imediato, ou seja, sua rua, tenha um nome, e um número de identidade: o CEP. Esse é o melhor exemplo da administração pública de Barreiras. Mais ainda: é a expressão perfeita de como é a vida pública da cidade. A própria prefeitura não consegue cobrar impostos porque ela não fez seu trabalho mais essencial.

Onde está a câmara de vereadores nessa hora? Distribuindo títulos de honra para as pessoas se tornarem cidadãs barreirenses. Fernando Machado chamou a atenção para um desses grandes feitos. A honraria concedida ao grande benfeitor da pátria, o ex-ministro do trabalho Alfredo Nascimento. Este senhor aparecia, em 2008, na campanha da candidata de seu partido à prefeitura de Barreiras, Jusmari Oliveira. Dizia que a obra do anel viário resultava na atuação da então deputada federal. Fazia parte do jogo político. De outro lado estava o então ministro da Integração Nacional Geddel Vieira Lima, garantido que a obra era de seu Ministério, querendo com isso obter votos para seu candidato, Antonio Henrique. Alfredo Nascimento acabou de cair, mergulhado em mais um escândalo de corrupção no Brasil. Geddel deixou o posto que ocupava, Antônio Henrique perdeu a eleição e Jusmari levou o pleito. Como no poema Quadrilha de Drummond, vemos os nomes em pleno movimento. O que ficou parado foi o anel viário, que continua lá, sem dar o ar da graça. Enquanto isso, as carretas continuam tumultuando o trânsito na única via da cidade, além de deformar o asfalto, também único, mas obra federal, já que asfalto foge de Barreiras, igual o diabo da cruz. Nossas ruas, por seu turno, continuam entregues aos buracos, à poeira (até virem as chuvas), ao esgoto, um bocado sem nome, a maioria sem CEP.

Não devemos, contudo, desanimar, pois já “estão falando altos pelos botecos” onde será construída a futura capital do novo estado, cujas ruas deverão ser asfaltadas com verbas do Ministério dos Transportes, já que a administração local terá muito o que fazer: conceder títulos de cidadão para a cidade que precisará de muitos herdeiros. À espera dos naturais, muitos filhos ilustres terão de ser adotados.

por Márcio Lima

"Nobre Parlamentar", por Wagner Teles

Talvez seja inadequado o título, afinal não é bem sob o regime de parlamento que funciona o que nos habituamos a denominar de Câmara Parlamentar. Diz-se que, por arrogância característica da classe política, os deputados batizam os seus pares com o nome de parlamentar. Como a linguagem é o que nos define, seja por arrogância ou não, a verdade é que os indivíduos que representam o povo da Bahia na assembléia legislativa tanto merecem o título que não se trata de um elogio tratá-los como parlamentares, mas antes a palavra “parlamentar” é que tem a sua dignidade elevada ao ser empregada para um fim tão nobre. Se as coisas se passam assim com os parlamentares da triste e dessemelhante Bahia, o que dizer da parcela parlamentar mais competente do estado, aquela que representa o povo do Oeste? Louvores, louvores, louvores. É pelo nome de vossa diligência que eles atendem.

A título de ilustração, todos sabem que o Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável da UFBA, há pouco tempo, ficou cerca de três meses em greve em virtude das precárias condições de acesso aos seus novos prédios. Meses com as atividades de ensino paralisadas, professores, alunos e técnicos engajados em torno de uma causa comum, manifestações nas ruas da cidade; várias assembléias, diversas reuniões com a Prefeitura Municipal de Barreiras, audiências com o Governo do Estado, com a Reitoria da UFBA, com a Presidência da Assembléia Legislativa do Estado. Por fim, tantas e tão variadas ações para simplesmente dar com os burros n’água...

Como “a união faz a força, mas nem por isso se deve por tanta água no leite”, as aulas voltaram ao normal. Porém, há algumas semanas, para surpresa de todos, publicou-se que a ordem de serviço para execução do acesso ao campus seria imediatamente expedida pelo Estado por força da intervenção de uma jovem parlamentar. Preservemos a identidade da notável parlamentar, ao tempo que nos resguardamos da acusação de apologia partidária, batizando-a com um codinome qualquer – Kelly.

Ora bem, noticiou-se que a tal Kelly conseguira num átimo, com algumas poucas palavras, aquilo que uma unidade universitária não havia conseguido em meses de desmesurado esforço. “No mais tardar, na próxima semana, os trabalhadores estarão no local a executar a obra”, vaticinara a nobre parlamentar. Houve quem caísse em prantos com a notícia que parecia não passar de mais um sinal dos tempos.

“Descompostura!” Bradavam alguns por ignorar que “Deus só dá os dentes a quem não tem nozes.” “Oportunista!” Acusavam-na injustamente outros tantos. Que mal há em resolver um problema, com uma fotografia ao lado de autoridades do Governo, para o qual meses de militância política não foram capazes de sequer reivindicar claramente a solução? Não compreendo a indignação e revolta, afinal não era asfalto o que queriam? Faça-se o asfalto, disse a parlamentar, e o asfalto fez-se. E que culpa tem a parlamentar se professores, alunos e técnicos de uma Universidade ignoram completamente a lição mais elementar em matéria de política? Tudo pode ser resolvido com uma fotografia.

Todo sábio político sabe que para ser bom político, antes de tudo, é necessário ter coragem para dizer a verdade e jamais transigir. E sabe também que “palavra demais só custa dinheiro em telegrama.” Afinal, o que diria um político diante de um eleitorado sedento de verdade? A mentira? Não resta dúvida de que o eleitorado em pleno acesso de cólera e justa indignação lhe deporia de sua função a pedrada. E por mais que o bom profissional em política tivesse elaborado habilmente a sua mentira, por mais cuidadosamente que a tivesse ensaiado, o menos inteligente dos eleitores lhe flagraria mentindo. Assim, desacreditado e desmoralizado, o pobre diabo abandonaria a carreira política e talvez, com a ajuda dos astros, conseguisse um emprego qualquer.

Dizem ainda, os mais céticos, que fora feito o asfaltamento, mas falta a ponte. É que eles, por terem pouca fé, não crêem ser verdade o que me contou um amigo. Ele suspeita que a tal parlamentar seja capaz de, uma vez posta abaixo a ponte de madeira, reerguer uma de cimento, ferro e brita em três dias.

Quanto a mim, suspeito que esse feito não passaria de algo a realizar-se ordinariamente nas mãos de uma política tão esmerada em servir aos seus eleitores que segue à risca o lema “do povo, pelo povo, para o povo”. Quanto ao dístico “Mateus, primeiro os teus”, isto é coisa de mau político, coisa rara em nosso vasto estado. Ademais, não se trata de uma parlamentar, mas de um parlamento inteiro, essa tal jovem.

Infelizmente, somente depois de ter enviado este texto para publicação, fui informado por fontes confiáveis que a estrada continua sem asfaltamento e a ponte pior do que antes. Que seja verdade, que nada de ponte e nada de asfalto, mas é verdade também que, como diria o Barão, “quem passou o inverno nu, passa o verão que é mais quente”.

por Wagner Teles

quarta-feira, 13 de julho de 2011

"Quem quer arriscar a vida por 100 reais? Ano que vem tem mais promoção do TEXAS BEER by TABERNA UNIVERSITÁRIA", por Marcelo de Paula

Eu fico imaginando o que ainda falta eu ver aqui na cidade de Barreiras.
Nessa última semana houve a tradicional EXPO BARREIRAS. Nessa feira de exposição foi implantado um BAR chamado TEXAS BEER, um local fechado de músicas sertanejas que, pasmem, cobravam 100 reais (no sábado dia 9 foi 140 reais) para entrar àqueles que não haviam comprado o ingresso adiantado. Esse bar é da empresa TABERNA UNIVERSITÁRIA.

Quando entrei no local, fiquei assustado com o que eu vi!

Como num espaço tão pequeno eles colocavam centenas de pessoas (talvez mais de mil) sem a menor condição de segurança?

NÃO havia saídas de emergência!

NÃO havia sistemas de ventilação!

NÃO havia extintores de incêndio!

Lotação acima da máxima permitida por LEI !

E o mais revoltante, NÃO HAVIA BANHEIROS !!! Sim caro leitor, você leu certo, NÃO havia sanitários ! Quem precisasse ir ao banheiro tinha que sair do local e ir ao banheiro da feira (com a quantidade de gente no local, isso demorava cerca de 50 minutos até chegar lá).

Como eu tinha os números comerciais de celular dos proprietários (os próprios me deram o cartão quando certa vez fui no taberna universitária) então entrei em contato com eles por meio de mensagem de texto, me identificando e questionando se pelo menos os extintores e os banheiros não seria PRUDENTE instalar no bar .... Segue abaixo a resposta da proprietária:

"É simples querido, não vá mais. Lá é lugar de elite, acho que você não está nesse padrão, PROFESSOR"

O que ainda falta eu ver nessa cidade? Será que a população considera normal pagar 100 reais para arriscar a vida? Será que os proprietários, que se dizem empresários do entretenimento, são tão letárgicos (pra não dizer outra coisa) a ponto de arriscar a vida de centenas de pessoas sem que haja consequências legais para isso?

A população reclama tanto dos buracos das ruas, mas será que pagar 100 reais para arriscar a vida não seria aceitar passivamente os “buracos” do comportamento inadmissível de “empresários” e “comerciantes” que se consideram os donos da cidade?

por Marcelo de Paula
Professor Assistente de Estatística
Universidade Federal da Bahia – UFBA
Barreiras - BA

terça-feira, 12 de julho de 2011

"Somos mais Gaúchos que Baianos?", por Paulo Roberto Baqueiro Brandão

O orgulho pela sua história é um dos importantes traços identitários de uma sociedade. Mas este orgulho não é inato. Ao contrário, resulta de um processo de construção coletiva que envolve, entre outras coisas, a lembrança dos fatos históricos importantes para o grupo por meio das comemorações anuais, o que, em geral, se dá através dos feriados e dos festejos públicos. Isto contribui para conectar indivíduos, que passam a perceber traços comuns, e para a coletividade que daí se constitui.

No caminho inverso, quando se quer desconstruir determinados laços identitários, tal processo passa necessariamente pela ação deliberada de um grupo visando relegar ao esquecimento alguns dos fatos importantes da história de uma sociedade. Assim, ao não comemorar um feito pretérito, abandona-se o passado, o que incide no orgulho da sociedade e, em última instância, no próprio sentido de coletividade.

No caso de Barreiras, dois fatos podem ser exemplares para entendermos como se dá a (des)construção de laços identitários através da História: os festejos da Independência da Bahia e da Semana Farroupilha.

***

A Independência da Bahia é considerada a data magna do estado. Comemorado no dia 2 de Julho, o festejo representa a consolidação da autodeterminação do Brasil, já que o propalado “Grito do Ipiranga” parece não ter chegado aos ouvidos das elites portuguesas que viviam no Nordeste. Uma história constituída por fatos de sangue e sofrimento, de luta e dor, mas que serviram para garantir a unidade nacional.

Em Barreiras, embora o feriado seja respeitado, afinal as empresas e repartições públicas não funcionam na data citada, não há qualquer tipo de festejo ou celebração à data magna estadual. Nenhuma lembrança sequer. Não há desfile cívico, bandas marciais ou hasteamento das nossas bandeiras oficiais, algo tão comum em outros municípios baianos.

Esta falta de interesse pela Independência da Bahia é até compreensível, já que, ao que tudo indica, Barreiras sequer existia naquele ano de 1823. Outros dirão ainda (e com alguma dose de razão) que as repercussões das lutas pela autodeterminação demoraram a chegar no Oeste Baiano e que, por isso mesmo, parecem mais legítimas as comemorações nos municípios do lado de lá do Rio São Francisco do que neste nosso vasto cerrado.

É preciso considerar, porém, que, se hoje todos nós, baianos do Leste e do Oeste, podemos nos identificar como brasileiros, isto é possível também por causa dos muitos índios, negros e brancos que tombaram sob a bandeira da liberdade. Devemos a eles, portanto, todas as homenagens, honrarias e lembranças.

A quem interessa esquecer... ?

***

A Semana Farroupilha é o período máximo de expressão do orgulho gaúcho. Celebrados entre os dias 14 e 20 de setembro, os festejos e desfiles homenageiam os líderes da revolução mais duradoura do Brasil, que se estendeu de 1835 a 1845, e tinha como objetivo transformar a então província imperial de São Pedro do Rio Grande do Sul em uma república. O projeto político era, portanto, de caráter separatista.

Em sessão ordinária ocorrida no dia 18 de maio de 2010, a Câmara de Vereadores de Barreiras aprovou, por unanimidade, o projeto de lei n. 003/2010, de autoria do vereador Geovani Souza, no qual se propunha a oficialização da data magna dos gaúchos no calendário cívico do município.

Em outras palavras, graças à força da migração sulista, fatos históricos que ocorreram em terras gaúchas e que tiveram repercussões decisivas apenas naquele estado passarão a ser guardados, comemorados e festejados por todos os moradores de Barreiras, tenham eles nascido no Sul do país, no próprio município, no Ceará ou em qualquer outra localidade de onde afluíram os muitos indivíduos que constituem a população local.

A quem interessa lembrar... ?

***

O propósito deste escrito não é debater o nível de importância desta ou daquela data comemorativa ou a primazia de uma sobre a outra como elemento da construção da identidade barreirense. Mas é fato que uma delas vem sendo valorizada por setores específicos da sociedade local em detrimento da outra. Isto impõe uma reflexão.

O discurso simplista e ufanista da distância geográfica e identitária que nos separa da Bahia que tem cara, cor e cheiro de Recôncavo não pode ser evocado como reflexo do desinteresse barreirense pelo 2 de Julho. Se assim o fosse, tal ideologia teria ainda mais validade como contra-argumentação a um suposto interesse da sociedade local pela História gaúcha.

A (des)construção deliberada da História já foi evocada como elemento fundamental da implantação de ideologias falaciosas e que contribuíram apenas para gerar atraso nos corações e mentes de quem disseminou e absorveu tais ideias. É fundamental, portanto, que atos desse tipo não ganhem força, seja aqui ou em qualquer outro lugar.

por Paulo Baqueiro

segunda-feira, 11 de julho de 2011

"Cidade de Barreiras - BA: Terras especulativas, buracos, esgoto e a gasolina mais cara do Brasil", por José Antonio Lobo dos Santos

A cidade de Barreiras está entre as mais importantes do estado da Bahia, a diversidade dos seus mais de 137 mil habitantes somada à posição estratégica do município como produtor e corredor logístico de deslocamento de grãos faz desse aglomerado urbano um ponto importante dentro da hierarquia das cidades baianas, o que coloca Barreiras entre as dez cidades mais importantes do estado da Bahia. Não podemos esquecer também que além da força na produção de grãos, há também o papel marcante da agricultura familiar produzindo o alimento que abastece as feiras livres e os sacolões da região. Destacamos também o forte comércio e oferecimento de serviços que dominam o mercado consumidor da região oeste. Até ai a coisa vai relativamente caminhando, a saga incompreensível de descasos, incompetências e ganância começa quando nos debruçamos para analisar as formas de ocupação da terra urbana, a existência de intermináveis buracos na cidade e a revenda de gasolina com preços exorbitantes e absurdos.

Terras especulativas
O monopólio especulativo dos muitos terrenos baldios existentes na cidade de Barreiras funciona diretamente para seus proprietários e indiretamente a outros setores da economia, como instrumento de obtenção de renda capitalizada. Ao tempo em que gera uma grande bolha especulativa no setor imobiliário, o que contribui decisivamente para aumentar o preço dos aluguéis e dos imóveis. Essa estratégia faz com que o acesso ao imóvel próprio, principalmente para a classe trabalhadora com menor renda, se torne praticamente impossível.

Os intermináveis buracos
A estrutura urbana é totalmente comprometida, a pesar da cidade de Barreiras ser dinâmica e estar entre as mais importantes da Bahia. Falta de drenagem, pavimentação, e rede de esgotamento sanitário, ter esgoto correndo a céu aberto nos bairros e no próprio centro da cidade é muito comum. A materialização mais perceptível dessa pitoresca realidade são os buracos, os muitos buracos que pipocam por todos os cantos da cidade. Verdadeiras crateras por todas as ruas, realidade que de certa forma delimita o grau de descompromisso dos governantes com o bem estar da população, principalmente com a parcela de menor renda da cidade. Bairros populares como a Vila Rica, a Cascalheira, o Parque Novo Horizonte e a Morada da Lua estão totalmente esburacados, digo isso da pouca pavimentação que existe nessas localidades, pois nessas áreas a grande maioria das ruas é desprovida de qualquer pavimentação, é triste a realidade dos milhares de moradores desses bairros os quais, além de conviver com a fedentina e todas as doenças causadas pelo contato direto com o esgoto ainda tem que enfiar o pé na lama para poderem sair de casa e simplesmente viver suas vidas.

A gasolina mais cara do Brasil
Outro título de “peso” que a cidade de Barreiras ostenta no Brasil é a de ter a gasolina mais cara do país, um título vergonhoso, e que ao mesmo tempo demonstra o desequilíbrio e os desatinos existentes nesse pedacinho de chão que parte da elite regional insiste em separar do estado da Bahia. O preço da gasolina varia entre três reais (R$ 3,00) e três reais e dez centavos (R$ 3, 20), sendo que muito antes do último aumento liberado pelo governo a gasolina já era comercializada em média por dois reais e noventa e cinco centavos (R$ 2,95). A desculpa esfarrapada é com relação ao custo de transporte da gasolina entre o centro produtor na região metropolitana de Salvador e a cidade de Barreiras. Desculpa que não cola, pois o acréscimo colocado em cada litro de combustível é muito alto. Na verdade o que norteia esse valor absurdo da gasolina na cidade é a ganância e o espírito empreendedor da exploração, onde muitos empresários do setor com conivência dos poderes públicos e de órgãos de fiscalização se aproveitam da vulnerabilidade dos motoristas e de um certo isolamento da cidade para explorar, tirar o couro dos clientes e de forma indireta se apropriarem das rendas universais de toda a sociedade barreirense. Além disso, essa prática absurda de preços para os combustíveis contribui diretamente para a criação de uma bolha inflacionaria em toda a região.

Considerações
Ao contrário dos discursos ideológicos essa realidade nos mostra que não há nenhuma consideração com a população e muito menos com o desenvolvimento da região, pois entendemos o desenvolvimento como um processo de criação de possibilidades para a emancipação social, porém, a buraqueira, o esgoto, os terrenos especulativos e a vergonha nacional do preço da gasolina estão totalmente na contramão desse processo. O que fazer para combater essa triste realidade de descaso e descompromisso com as pessoas? Os caminhos são muitos, vamos buscá-los para poder enfrentar essa excludente e desrespeitosa realidade.

por José Antonio Lobo dos Santos
Professor assistente do curso de Geografia
do Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável/UFBA.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

"Quantos pais para uma criança que ainda não nasceu”, por Marcos Mondardo

Nas últimas semanas, no lastro da votação para aprovação de abertura de plebiscito para criação dos Estados de Tapajós e dos Carajás, no Pará, os debates em torno da criação do Estado do São Francisco voltaram à cena de forma acalorada, especialmente, na elite política e também econômica regional. Ao mesmo tempo em que um grupo político da região liberado pelo deputado Hebert Barbosa viajou nesse último mês para o Estado do Tocantins para se reunir com o governador Siqueira Campos e “se informar” ou ganhar apoio político na criação do novo estado no Oeste da Bahia, outro grupo se articulava para, semanas depois, lançar, alterando pela primeira vez o projeto de emancipação política do Oeste Baiano do deputado Gonzaga Patriota que fora escrito no ano de 1998 e que agora, na sua “nova roupagem”, passa a ter como idealizador, além do deputado mencionado, o deputado federal Oziel de Oliveira.

Em meio a mobilizações em Barreiras realizadas pelo grupo de Hebert Barbosa que se reuniu com a elite econômica, principalmente, os comerciantes, outro grupo fazia o maior estardalhaço tornando, a fala do deputado Oziel de Oliveira, transmitida ao vivo da TV Câmara “direito” para a parte da população barreirense, no dia “D” da defesa de criação do Estado do Rio São Francisco, com a reestruturação do projeto. Mas, para além da elite econômica convidada para fazer parte da “festa” e de meia dúzia de populares ligados ao poder público, o grosso da população, como na maioria das vezes, só foi convidada para ler os jornais ou ver, quando viram, o discurso em defesa do novo estado na TV.

Lendo o “novo” discurso em defesa da criação do Estado, vemos os velhos argumentos sendo colocados a favor do desmembramento: a pujança econômica desenvolvida na região nas últimas décadas, o crescimento populacional e o descaso do poder público do Estado da Bahia são os principais. O que chama atenção, por outro lado, o lado menos falado, é que não se tem nenhuma menção às efetivas melhorias das condições de vida das pessoas que o projeto de criação trará, e como trará? O que se tem, e muito, passa pelo forte desenvolvimento trazido pelo agronegócio, pelas grandes empresas agroindustriais – que geram emprego, é claro, não podemos esquecer – mas com que qualidade de emprego, pois o desenvolvimento que queremos, para com e além do desenvolvimento econômico, é o desenvolvimento humano, aquele que melhora as condições de vida das pessoas: na educação, na saúde, no transporte, que torna o dia-a-dia do trabalhador menos sofrido. Mas parece utopia, sonho, devaneio pensar assim, não é?

Na “balada” da agitação por parte das elites políticas e econômicas da região, alguns meios de comunicação afirmavam, “pregavam” que a população “clama(va) pela criação do Estado do Rio São Francisco”. Mas, será que é assim mesmo? Parece, vendo as notícias de alguns discursos e de alguns meios de comunicação, que existe uma “colonização da memória” se instalando, difundida por esses grupos políticos e econômicos, pois tudo só passará a “prestar”, a funcionar, a ter quando o Oeste Baiano se tornar independente. No discurso do “pior não fica”, recebemos de “goela a baixo” o projeto de criação de um novo estado, pronto, acabado, como se a população, maior interessada na melhoria de suas vidas, não fosse importante ser consultada para as reuniões, para ter poder de participação popular, para fazer, efetivamente, e não somente – se um dia sair um plebiscito – para votar a favor ou contra, na construção de uma nova unidade da federação.

Por isso, gostaríamos de ser convidados também para a “festa” da construção do novo estado, para também “comer o bolo”, e não apenas, para depois de realizado o projeto, limparmos o salão. Parece-nos que nesse entremeio de reuniões e organizações de grupos que buscam mobilizar contingentes populacionais, o que está verdadeiramente em jogo, é a disputa pelo exercício do poder, pelo poder político regional da principal cidade da região. Eis o que provoca a próxima campanha política: “surgem vários pais para uma criança que ainda não nasceu”.

por Marcos Mondardo
Morador de Barreiras, Geógrafo e
professor do Curso de Geografia ICADS/UFBA.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

"Águia ou galinha: 5 desejos ao PT de Barreiras - mais 1", por Martin Mayr

Caras companheiras, prezados companheiros,

Lembram da "Carta a Dona Lindú”? Frei Betto escreveu-a depois da vitória de Lula, filho de Dona Lindú, nas eleições de 2002. Quantos e quantas se emocionaram e orgulharam com a seguinte passagem:

“Seu filho venceu, dona Lindú. Não porque tirou diploma, ficou rico e famoso. Mas porque construiu o mais combativo e ético partido político do Brasil”.

No entanto, olhando para o Partido dos Trabalhadores de hoje, o citado provoca certo embaraço. Capaz que Dona Lindú virasse no caixão, caso precisasse ouvi-la de novo. O que o filho dela ajudou a construir, apresenta-se hoje como uma agregação altamente arbitrária de figuras e interesses – dos mais nobres até os mais vulgares, sem que o PT os tachasse como tais.

Esta PMDB-zação do PT acontece porque o Partido dos Trabalhadores, com aval do filho de Dona Lindú, vem negligenciar a combatividade e a ética, em prol da excessivamente invocada governabilidade.

Qualquer constrangimento, qualquer contradição em relação ao histórico e aos princípios programáticos do partido recebe respostas do tipo “Nós somos governo”, “Estamos costurando apoios”, “Precisamos ampliar a base”, “Cedemos para somar”, etc.

Sem dúvida, há muitos petistas que vão muito bem assim. Entretanto, o Brasil perdeu. O Brasil perdeu aquela “águia” de combatividade e ética, sobre a qual Frei Betto diz:

“Cortaram as asas da águia, para ela acostumar-se que agora é galinha”.

Reza o Artigo 1º do Estatuto do Partido dos Trabalhadores:

“O Partido dos Trabalhadores (PT) é uma associação voluntária de cidadãs e cidadãos que se propõem a lutar por democracia, pluralidade, solidariedade, transformações políticas, sociais, institucionais, econômicas, jurídicas e culturais, destinadas a eliminar a exploração, a dominação, a opressão, a desigualdade, a injustiça e a miséria, com o objetivo de construir o socialismo democrático.”

Portanto, a razão da existência do PT não é a de governar o Brasil. A razão do ser, pensar e agir do PT é propor um projeto socialista de desenvolvimento que prima pela inclusão social, participação popular, responsabilidade ambiental e solidariedade internacional. Na medida de que o povo aprova a coerência da proposta do PT e enxerga a competência de pô-la em prática, colocará o governo nas mãos do Partido dos Trabalhadores. Governar, portanto, é conseqüência de posições e atitudes - e não preposto delas.

Há vinte anos venho participando das lutas populares na região de Barreiras. Até o ano de 2003, sempre procurei apoiar o PT e ser apoiado por ele. Ser considerado como petista (sem que fosse filiado) me enchia de satisfação. A partir de 2005, comecei a sentir incômodos. Hoje, apesar do meu profundo carinho e apreço por muitos e muitas dos/as filiados/as do PT, temo que a ONG por mim coordenada possa sofrer problemas de reputação caso interaja muito com as ações do Partido dos Trabalhadores.

Contudo, não me conformo com esta situação.

Continuo mantendo a esperança que o Partido dos Trabalhadores - sendo um partido de massa, plural e destituído de espírito sectário - possa achar-se de novo como força combativa e ética.

Diante disto, venho manifestar, com sinceridade e respeito à bandeira petista, cinco desejos (mais um) ao Partido dos Trabalhadores de Barreiras:

1. Volte a ser um partido combativo, posicionando-se diante do crime organizado de Barreiras, denunciando os abusos de autoridade e a desvirtuação de poderes, desmascarando as manipulações e falcatruas com diplomas, habilitações e benefícios sociais, reforçando os clamores nos bairros por condições salutares de vida e convivência, enfileirando-se às marchas contra violência e homofobia, solidarizando-se publicamente com greves de legítimos objetivos, apontando a acumulação desproporcional de riquezas, encarando o debate sobre a criação de um novo estado, reprovando a predominância dos interesses agro-empresariais na região, ...

2. Volte a ser um partido ético que tenha moral a denunciar abusos e desvios, afastando ou ate expulsando filiados/as em funções públicas caso cometerem ilegalidades ou acobertarem as mesmas, primando pela transparência e objetividade na declaração de bens e patrimônio, observando os princípios de objetividade e transparência em processos licitatórios e concursos públicos, recusando amparo partidário para entidades ou movimentos que comprovadamente desobedecem a estes princípios, desautorizando o favorecimento econômico para amigos do partido, expulsando filiados/as que comprovadamente ofendem interesses comuns da comunidade, reprovando prestações de contas de forças aliadas caso constarem irregularidades, rompendo com alianças políticas caso ofenderem os princípios de objetividade e transparência na gestão dos recursos públicos, ...

3. Volte a ser um partido mais modesto, refutando auto-elogios descabidos, ouvindo as opiniões diversas em espaços de aprendizagem, primando por autenticidade no lugar de modismo, buscando o contato pessoal com o povo no lugar de concentrações de massa, marcando presença nos ônibus coletivos, estádios, salas de aula, auditórios de universidades, campos de futebol, romarias, passeatas, forrós nos bairros, evitar o pagamento de taxas para ser estampado/a na mídia, ...

4. Volte a ser um partido mais unido, mantendo uma freqüência regular de reuniões, proporcionando um bom fluxo de comunicação aos/as filiados/as, ampliando a representação partidária em eventos estaduais e nacionais, levando dúvidas e discordâncias para os fóruns internos do partido, evitando fofocas, demonstrando lealdade com a direção do partido, rejeitando a imposição de interesses estratégicos externos sem prévia discussão e aprovação pelo partido local, socorrendo companheiros/as de luta em casos de emergência, prestando solidariedade aos/as companheiros/as em situações de aflição ou luto, ...

5. Volte a ser um partido mais trabalhador(a), enfrentando o pó da estrada, visitando as obras em andamento, vistoriando programas sociais nos bairros e comunidades, agüentando o abafo de auditórios e audiências, pegando a ferramenta para apoiar um mutirão na comunidade, pegando a caneta para escrever uma carta à redação ou um artigo na mídia regional, criando um jornal que seja digna de artigos e comentários sérios sobre o desenvolvimento no Oeste, empenhando-se nas políticas de desenvolvimento regional (Território, Comitê da Bacia Hidrográfica, ...), organizando eventos de distração e lazer sadio para o povo humilde nos bairros e comunidades (forrós nos bairros, “PT Lazer”, serestas tradicionais, ...), mantendo um site atualizado, ...

Avisei que teria mais um desejo. É o mais simples:

Seja um partido menos auto-suficiente. É ridículo gloriar-se a si mesmo e insistir na miserabilidade das demais forças políticas. Bem melhor reconhecer as falhas próprias e procurar consertá-las. Arrogância não combina nem um pouco com o socialismo.

É isso. Nunca é tarde. Pois a luta continua.

Com um abraço forte,
Martin Mayr

quarta-feira, 1 de junho de 2011

"Território brasileiro entregue à dilapidação do capital", por Valney Dias Rigonato

Historicamente o território brasileiro foi explorado, usurpado e, por último, entregue aos interesses do capital globalizado. Há vários agentes agindo em nome desses interesses em nosso país. Esses agentes são: Estado-Nações, Grupos Financeiros, Multinacionais e as ONGs internacionais.

A política administrativa brasileira pouco valoriza as contribuições da ciência e da tecnologia. Há muito conhecimento produzido e desvalorizado pelo poder executivo e legislativo no território brasileiro. No entanto, ainda falta produção científica de ponta a respeito da biodiversidade brasileira. Resultado, inclusive da falta de investimento em pesquisas na educação brasileira básica e superior. Assim, entregamos as nossas potencialidades minerais, a água e a própria biodiversidade do território brasileiro para ser governado “pelos de fora” como já frisou o geógrafo Milton Santos.

Será que é falta de vontade política? Produção de conhecimento? Anemia política? Ou, interesses particulares inseridos nos ministérios, no congresso, no senado, nas assembléias legislativas estaduais e nas câmeras de vereadores? O que os impossibilitam de desenvolver políticas contra a correnteza do capital neoliberal? Com certeza, há uma confluência desses fatores. Afinal, vivemos num país que ignora o conhecimento científico já produzido e que abre concessões para explorar todas as nossas potencialidades territoriais.

Um típico exemplo é a reformulação do código florestal. Nas últimas semanas assistimos um teatro político no qual o que encontra na cena principal da comédia é o nosso meio ambiente. Vários atores representando os interesses de agentes específicos do capital. Por um lado, a banca ruralista faz esforços ímpares para isentar a responsabilidade de alguns proprietários de terras. Por outro, esquecem que o próprio agronegócio motivou várias ebulições no espaço urbano brasileiro e, mormente, crescimento desordenados e impactos ambientais urbanos. Tais impactos aparecem na nova proposta do código florestal enquanto apenas coadjuvantes da grande comédia: o futuro do meio ambiente brasileiro.

Esses atores são dirigidos pela mídia mundial em nome das potências mundiais as quais a tempo elegeram uma máxima: “Os brasileiros não têm competência para gerenciar a Amazônia, o Cerrado, a Mata Atlântica, a Caatinga e outros”. O geógrafo Aziz Ab’Saber em entrevista em 2005 afirmou: há um risco de entregar Amazônia às ONGs internacionais.

Desse modo, é preciso repensar rapidamente de que maneira o Brasil vai enfrentar as novas políticas globalizadas sobre o meio ambiente diante da pressão do capital internacional, do “aquecimento global” e das catástrofes naturais. Além da reforma do código ambiental há também novas concepções de biodiversidade (ALMEIDA, 2008), de natureza e novos interesses em nosso “bio-espaço”, Moreira (2010).

Diante dessa possível agregação de novos valores e concepções ao meio ambiente há várias indagações: a reforma do código florestal atende esses interesses? O Brasil ultrapassará o título de celeiro produtivo de grãos para o novo celeiro de seqüestro de Carbono?

Enfim, o território brasileiro precisa de outro modelo de gestão geopolítico. O Brasil precisa utilizar a ciência e a tecnologia para garantir o manejo integrado dos biomas brasileiros com geração de emprego e renda para sua população. Ou será, que iremos novamente aceitar o modelo de conservação e preservação dos países desenvolvidos? E, mais recentemente do terceiro setor e do chamado capital verde? Há inúmeras estratégias geopolíticas, ou melhor, do raciocínio espacial aplicado à gestão e planejamento político do território brasileiro para (re)constituir a sua autonomia e o controle do mesmo diante das demandas internacionais.

Em síntese, (re) pensar e buscar novas estratégias neste início de século XXI é uma tarefa e uma responsabilidade para a comunidade científica e para a população brasileira diante do ínfimo papel reservado por esse modelo. Contudo, é preciso romper com essa lógica colonialista de governar para entregar. O conhecimento científico e popular podem conquistar novos papéis na sociedade “técnico-científico-informacional”. Para isso, um dos papéis da população brasileira é denunciar e ao governo cabe repensar suas políticas, seu planejamento, sua gestão e seus projetos.

Oxalá, que as riquezas minerais, a biodiversidade e a população brasileira não seja dilapidados pelo capital.

por Valney Dias Rigonato
Professor do curso de Geografia ICADS/UFBA, Campus Barreiras-BA.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

"Revisitando o Tema: Verticalização e Desenvolvimento Urbano", por Paulo Baqueiro

No último dia 30 de março de 2011, um leitor anônimo fez um comentário, motivado pela leitura do post publicado em três partes no OesteMaquia por mim e pelo Prof. Marcelo Latuf sob o título “O que significam as atuais alterações no Plano Diretor de Barreiras” (postadas entre junho e julho de 2010). Naquela sequência de textos, buscamos analisar crítica e tecnicamente a aprovação, pela Câmara de Vereadores, de um projeto segundo o qual a altura máxima das edificações construídas em Barreiras passaria de sete para até 30 andares, ao passo que os lotes teriam reduzidas as suas dimensões mínimas para 125m2, ou seja, menos da metade do padrão anterior, que era de 360m2.

No seu comentário, o leitor afirma não entender a nossa argumentação, mas, ainda assim, se sente à vontade para esboçar algumas opiniões. Além de apresentar uma abordagem extremamente simplista e ter uma interpretação muito particular do conteúdo do texto, o Sr. Anônimo demonstra possuir uma visão equivocada do conceito de Progresso e, portanto, do ideal de Desenvolvimento a ser buscado.

Ao que me parece, a opinião do leitor não passa de um coro ditado por muitas vozes dos que aqui vivem. Não de hoje, percebo que existe um certo “fetiche da verticalização”, tanto em Barreiras, quanto em Luís Eduardo Magalhães, pois o arranha-céus é identificado no imaginário coletivo como um exemplo de pujança econômica, praticamente um símbolo fálico, diriam os estudiosos da mente humana.

Por conta de todas estas questões, pareceu-me adequado revisitar o tema do Desenvolvimento Urbano – motivo das postagens em debate – tomando como base, para tal, as próprias indagações do leitor. Necessário pontuar que, ao contrário do que fez o Sr. Anônimo ao comentar a sequência de textos, buscarei por foco no assunto sem incorrer em ironias nem tampouco em maniqueísmo.

Sobre o conceito de Progresso e a sua aplicação ao tema do Desenvolvimento Urbano, é importante observar que o seu uso é constantemente afetado pelo senso comum do mesmo modo que o de Desenvolvimento: confunde-se a idéia de que o crescimento econômico experimentado por uma cidade, região ou país deva ser encarado como Progresso/Desenvolvimento.

Progredir (ou desenvolver-se) é, na verdade, participar de um processo de acréscimos qualitativos. Um aluno, por exemplo, progride quando aprende (acepção qualitativa), mas não necessariamente quando tem boas notas (acepção quantitativa). No caso da cidade, o Progresso deve ser tomado como uma ampla evolução que se dá em âmbito social, econômico, político, cultural e tecnológico. Nisto, aliás, Barreiras se mostra muito pouco progressista, pois o vertiginoso crescimento da economia local não se transforma em melhorias qualitativas para uma grande parcela da população.

Assim, quando se afirma algo a respeito do Progresso de uma cidade (a partir daqui, tomarei este termo como sinônimo de Desenvolvimento Urbano), é muito mais importante atentar para as condições de vida da população, as contradições do crescimento desordenado (tanto para os lados, quanto para cima), o acesso aos bens, equipamentos e espaços públicos e, tão fundamental quanto os demais, a participação dos seus moradores nas decisões sobre tudo que lhes diga respeito. Se uma cidade não oferece nada disto, não adianta possuir um mar de edifícios altos, envidraçados e abarrotados de alta tecnologia, pois todo esse aparato só revelará uma grande e vergonhosa concentração de renda e, consequentemente, uma estúpida fragmentação socioespacial.

Aliás, é bastante curioso observar o seguinte fato: entre os dez maiores edifícios do mundo, apenas dois estão localizados em um dos dez países com os maiores níveis de IDH do mundo. Coincidência? Não! Apenas a confirmação do que afirmei acima: a pujança econômica recentemente experimentada por países como Emirados Árabes, Taiwan, China ou Malásia não garantiram a mesma medida de acréscimos qualitativos para as suas populações.

Importante frisar, ainda, que, ao contrário do que afirma o leitor anônimo, não é o Progresso que força a verticalização, mas a especulação imobiliária. Esta, por sua vez, não é “filha” do Progresso, mas da usura de quem a pratica. O solo urbano possui uma função social, que deve estar acima da sua valoração econômica. Ao menos assim concebe a Lei n. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). Se esta função social não é cumprida e, ao mesmo tempo, existem terrenos baldios aos montes em espaços privilegiados da cidade, o construtor é levado (mas sem reclamar, pois também se beneficia disto) a edificar moradias ou estabelecimentos comerciais um sobre o outro. Isto significa, enfim, maximização de lucros.

No que se refere à poluição urbana, concordo com o leitor quando afirma que este mal está presente na maioria das cidades. Mas não deveria ser assim. Mais do que isto: aceitar – como propõe o Sr. Anônimo – que tenhamos que tornar precária a nossa convivência com o Meio Ambiente em favor do avanço do Capitalismo é contrário a um instinto básico de todo ser vivo: o de sobrevivência.

Quanto à premissa apresentada pelo leitor segundo a qual um centro urbano só poderá ser considerado como tal se possuir edificações do tipo arranha-céus, abrirei mão de debater este tema à luz dos conceitos de cidade e de urbano para apresentar alguns exemplos que podem clarificar bastante a questão. Importante advertir que não há aqui qualquer pretensão em comparar as cidades a serem citadas com Barreiras. Pretendo apenas ilustrar os meus argumentos.

O primeiro exemplo: em Barcelona, segunda maior cidade espanhola, com cerca de dois milhões de habitantes, e um dos ícones europeus da beleza e dinâmica urbanas, as edificações, na sua grande maioria, não possuem altura superior a dez andares (inferiores, portanto, aos agora permitidos em Barreiras). Isto a partir de um projeto concebido e executado no século XIX, a famosa Ensanche de Ildefons Cerdà!! Naquela cidade quase desprovida de vertiginosas edificações, o sistema de coleta de lixo por encanamentos subterrâneos é considerado como um dos mais importantes avanços recentes em termos de gestão urbana.

O segundo exemplo: a capital da Islândia, uma cidade chamada Reykjavik, com cerca de 195 mil habitantes, possui uma população pouco superior à de Barreiras. Por outro lado, é uma das urbes mais bem saneadas e com níveis de segurança, escolaridade e qualidade de vida mais expressivos do mundo. Isto sem possuir uma quantidade grande de arranha-céus. Assim, como afirmado pelo próprio leitor, seria um exemplo de cidade formada por “casas de um pavimento” e uns “prediozinhos”.

Desta forma, se partisse do princípio esboçado pelo Sr. Anônimo, segundo o qual um centro urbano só mereça ser assim chamado se possuir arranha-céus em profusão, teria que admitir que, apesar de promoverem o Progresso de modo muitíssimo mais adequado que a forma como o fazemos, tanto Barcelona quanto Reykjavik seriam tão somente “roças”, para usar um termo empregado pelo próprio leitor.

Por outro lado, nós, os autores dos textos comentados pelo leitor, estamos cientes (mas não comungamos com a idéia) que, dentro do Capitalismo, o ideal a ser perseguido é a maximização dos lucros, custe o que custar (especulação imobiliária, passivos ambientais, fragmentação socioespacial, etc.). Mas somos veementemente contrários ao fato do Estado (Câmara de Vereadores e Prefeitura Municipal de Barreiras) propor e sancionar medidas que beneficiem setores econômicos em detrimento da grande maioria da população, que pagará o ônus da ilusória verticalização da cidade.

Por fim, saliento ao leitor a necessidade de abordar o tema despido da visão maniqueísta com a qual emitiu sua opiniões, afinal, é absolutamente equivocado pensar que ou temos arranha-céus ou vivemos na “roça”. Em cada um dos extremos (na cidade grande e no campo) e mesmo entre um e outro (nos espaços rururbanos), existem inúmeras possibilidades de reprodução social, múltiplas formas de vida e de interação. Isto sim é salutar e desejável. Quanto aos arranha-céus, tenho cá as minhas dúvidas.

Por Paulo Baqueiro (Professor da UFBA)