terça-feira, 29 de março de 2011

"Em Brasília, dezenove horas", por Márcio Lima

Na semana passada, viria a Barreiras uma comissão da UFBA de Salvador para dar andamento ao processo de implantação do curso de medicina no ICADS. A visita, no entanto, acabou não acontecendo. Mas o fato é que isso se tornou notícia e movimentou o noticiário local. O evento é bem ilustrativo do funcionamento da política do Oeste Baiano.

O jornal Nova Fronteira, por exemplo, noticiou que o deputado federal Oziel Oliveira (PDT-BA), em encontro com o ministro da saúde Alexandre Padilha, engrossou o coro para que o curso venha. E assim foi durante os dias seguintes, com a classe política assanhada, todos querendo dar sua contribuição. Se de fato vir a existir um curso de medicina no ICADS, obviamente que todos vão querer colher os frutos, reivindicando seu quinhão de contribuição. Já sabemos à exaustão como isso funciona. O mais curioso é que dos vários nomes mencionados, não vi o nome do diretor da Faculdade de Medicina, José Tavares Neto, que é o verdadeiro autor e defensor primeiro do projeto. Seu piparote inicial, como diria Machado de Assis, é o responsável por colocar em marcha todo o andamento das negociações ora em curso.

Nem mesmo o ICADS, que sempre é responsável por sugerir a criação de seus cursos, tem mérito na proposta, pelo menos até o momento. Ouso dizer que se o curso vier, será um presente que nos foi dado, que nos cai no colo, como se diz por aí. No entanto, os políticos já se articularam para colher os frutos do trabalho alheio. Conhecemos a expressividade de nossos políticos locais para saber que eles têm um peso quase nulo na hora de influenciar qualquer decisão superior.

Mais uma vez, estamos diante do que há mais atrasado na política do Brasil, atraso que se sedimentou de tal forma por essas bandas que nem um abalo sísmico parece capaz de afetar. Quando o deputado Oziel Oliveira planta na imprensa a notícia de que pediu ao ministro da saúde para implantar o curso de medicina em sua região de atuação, ele nada mais está fazendo do que a política da voz do Brasil. Em tempos de internet, a tirania do famoso noticiário político oficial é bastante reduzida. Antes, quem dependia das rádios para ouvir música se aborrecia quando, às dezenove horas, tocava a abertura da ópera O Guarani de Carlos Gomes e uma voz anunciava a hora na capital federal. Era o momento de desligar o aparelho.

Mas é um erro acreditar que ninguém ouvia a voz do Brasil. Nos rincões do gigante adormecido, ela funcionava muito bem, e era um dos principais canais de comunicação dos parlamentares com sua base eleitoral. Nesse aspecto, quando o locutor anunciava que fulano de tal pronunciou um discurso em favor da criação de um açude em sua região, seu eleitor, do outro lado, acreditava que seu representante o estava representando.

Se a internet nos deu autonomia para escutarmos música como quisermos sem ter de ouvir a abertura de Carlos Gomes, por outro lado ela tornou-se o meio pelo qual os políticos geram notícias para dar a impressão de que estão trabalhando. No inconsciente coletivo de muitos (para dizer o mínimo) dos que leram a notícia, já está plantada a ideia de que Oziel Oliveira contribuiu – se não pensarem outra coisa – para que houvesse um curso gratuito de medicina em Barreiras. Depois do curso implantado, é só completar o trabalho e colher os resultados, dentre os quais uma solene homenagem da primeira turma de formandos.

Por Márcio Lima

quinta-feira, 24 de março de 2011

"Os (Ver)dadeiros Buracos de Barreiras", por Marcos Mondardo

Na véspera do início do carnaval em Barreiras e na Bahia, como é que vamos pensar, escrever e falar sobre buracos, nos buracos de uma das principais cidades do Oeste baiano. Inevitavelmente, vemos, faça sol e principalmente faça chuva, brotarem e se espalharem pelas ruas, buracos e mais buracos, o que leva alguns ainda revoltados com essa situação a afirmarem que “a cidade tá destruída”, “a cidade tá abandonada”, “a cidade não tem mais jeito”, “aqui quem lucra são os mecânicos”, ou, aqueles mais acomodados falarem “isso é Barreiras mesmo”, “você está em Barreiras”, “aqui é assim, desse jeito, cheio de buracos mesmo”, e que leva a qualquer recém-chegado a cidade a comentar: “aqui não tem prefeito?”.

Para se ter noção do descaso, com aquele velho empurra-empurra e do jeitinho brasileiro do poder público local, surgiu até nos bairros periféricos de Barreiras, a TV Buraco, uma versão bem humorada da crítica popular e do desabafo da população efetivamente abandonada dos bairros periféricos. Todos os dias moradores dos bairros Cascalheira e Vila Rica, por exemplo, sofrem com a “desgraça do buraco”, um povo que tem sua mobilidade limitada e precária com as chuvas que abrem e enchem de água e lama os buracos. Mas o problema “gigante” dos buracos das ruas é apenas a “ponta do iceberg”. É preciso ir além, muito além dos buracos. Em muitas ruas os problemas não são simplesmente os buracos, mas a falta de asfalto, rede de esgoto e, em alguns casos, água potável e energia elétrica. A universalização radical de serviços básicos tem tanto o papel de distribuição indireta de renda como, por outro lado, provocar a necessária diminuição do poder imobiliário privado (em articulação com o público) sobre o acesso e permanência à moradia, uma das questões centrais e que parece ser “esquecida” em meio aos buracos de Barreiras.

Mas é interessante perceber, que esse mesmo recém-chegado irá notar que se não desse uma volta pelos bairros periféricos, iria ver e produzir uma imagem de uma cidade pela conservada BR que corta Barreiras. É impressionante, como a principal rua da cidade sempre está mais ou menos arrumada para os fluxos de caminhões de soja, milho, algodão, de máquinas do agronegócio, de mercadorias do comércio, de carros e motos, de ônibus e pedestres. Entretanto, ao rodar pelas ruas ao lado dessa BR, a realidade emerge, vem a superfície com muito vigor e saúde, são os buracos que surgem pipocando na frente de carros, motos e pedestres, quase ganhando vida na cidade pois é fácil criarmos amizade com o buraco da rua tal de tanto que o já conhecemos, que já sofremos com ele, faça chuva ou faça sol. Conhecer Barreiras é, portanto, conhecer seus buracos. E, quantos buracos, trechos de ruas praticamente intransitáveis em que é inacreditável como os carros, motos e o “coitado” do pedestre conseguem passar, adaptando-se as condições precárias de trânsito, de mobilidade e de acessibilidade. Apenas quem tem uma caminhonete se dá bem, mas, como eu, como você, não temos uma S10 e muito menos uma Land Rover, a maioria se dá muito mal. A cidade, por esses buracos e muito outros, parece um queijo, toda furada, toda roída e corroída por ratos, e quantos ratos...

Se no período da construção de Brasília governar significava abrir estradas, em Barreiras governar parece ter como função principal abrir buracos. Mas, a função do governo municipal não era fechá-los? E que dificuldade em enxergarmos um simples (nada simples em Barreiras) tapa buracos. Enquanto as estruturas do carnaval começam a ser levantadas pelo mesmo poder público no centro da cidade, os buracos se avolumam, “se afundam”, ou afundam pela precariedade das vias cada vez o principal município do Oeste Baiano. Mas, como podem surgir na cidade “berço” do agronegócio mundial e das belezas naturais, tantos buracos? De onde vêm tantos buracos? Da chuva, do sol... E quantos buracos existem, já existem estimativas, ainda não facilmente comprovadas, que exista um buraco para cada habitante em Barreiras! Que belo argumento para a próxima campanha eleitoral, a campanha dos “tapa buracos”. Parece unânime, o problema são os buracos!

Mas, de onde vem o problema e de onde virá à solução é que os habitantes se perguntam. Aqueles moradores dos bairros periféricos onde transitar já não é mais um direito de ir e vir, mas, sim, um desafio constante, mais um desafio na vida dessas pessoas que lutam diariamente pela sobrevivência e que, agora, lutam, também, para conseguir sair de casa, para o simples deslocamento e acesso ao local de trabalho, seja pulando, seja se contorcendo, seja batendo o motor ou amortecedor do carro, seja colocando o pé na lama nos inúmeros, superficiais, profundos e intermináveis buracos.

Quantos, como eu, como você, já não pensaram, já não se cansaram de pensar, mas porque, porque os buracos em Barreiras não são arrumados, tampados, fechados, parece ser tão fácil. Então qual é o verdadeiro “buraco”: falta de vontade política, falta de recursos, falta de pressão popular, falta de respeito do poder público pela população dos bairros periféricos... Ou, Barreiras é só para o agronegócio transitar pela BR que corta a cidade? Só transitamos pela BR? Parece que são outros os verdadeiros “buracos” que precisam ser estancados para que os buracos das ruas realmente venham a ser fechados. Fechar outros buracos, estancar outros veios de “água” que surgem não só nas ruas, nos buracos, é uma prioridade fundamental que só ocorrerá com mudança política, com mudança de “buraco”. Mas, afinal, de que “buraco” falamos. De vários, são tantos os buracos em Barreiras que às vezes até nos confundimos, não sabemos mais qual rua tomarmos, qual rua escolhemos para ver se temos a sorte de encontrarmos menos buracos. Por isso, temos que pensar realmente, qual o principal “buraco”, qual a verdadeira força da “chuva” ou do “sol” que está causando esses tantos outros buracos em Barreiras.

Por isso tudo e muito mais, em Barreiras a regra é escancarar para camuflar, é escancarar o problema para torná-lo natural, é escancarar para negar a solução, para torná-lo comum e como parte do dia-a-dia dos pobres, mas, por isso, como parte do dia-a-dia dos pobres esses mesmos buracos permitem ver outros buracos, mais profundos, e que precisam ser destampados, desenterrados, para que, vendo o verdadeiro tamanho do buraco, começamos a encontrar os meios para tapá-lo. E é em nós, eu, tu, ela, ele, vós e eles, seja da indignação às proposições, que as possibilidades precisam emergir. Como temos que colocar o pé na lama diariamente para passar pelos buracos de nossas ruas, teremos que por o pé na “lama” para fecharmos outros buracos, pois, em Barreiras, “o buraco é sempre mais embaixo!”.

Por Marcos Mondardo
Morador de Barreiras, Geógrafo e professor do Curso de Geografia ICADS/UFBA

quinta-feira, 10 de março de 2011

"Será Que a Prefeita Sai de Casa Quando Chove?", por Paulo Baqueiro

Hoje pela manhã (16 de fevereiro de 2011), ao tentar sair da minha residência para trabalhar, fui surpreendido com a visão da enxurrada na minha porta, um espetáculo digno de toda a exuberância hidrográfica das cachoeiras do Acaba-Vida e do Redondo. Enquanto tentava atravessar o volumoso curso d’água, me veio à mente a imagem da Prefeita tentando fazer o mesmo que eu naquele momento de chuvas intensas.

Caso tomasse a decisão de caminhar ou trafegar em bicicleta da sua residência à sede do Executivo municipal, as consequências poderiam ser graves, pois, convenhamos, com o corpo diminuto que possui, certamente pereceria diante da força das águas (não sei por que, mas me lembrei do post que o Prof. Sandro escreveu sobre o 2 de fevereiro...). Porém, na hipótese de ter conseguido escapar de tão furiosa ação da Natureza (sempre culpada, oras!), teria que enfrentar o dilema de andar/pedalar nas calçadas – com água até a altura dos tornozelos – ou em meios aos carros, onde a profundidade é, por assim dizer, tolerável. Seria desesperador!

Como não ficaria bem à figura de tamanha importância chegar em frangalhos no escritório oficial, passei a cogitar a possibilidade da Chefe do Executivo municipal seguir em direção ao trabalho em transporte coletivo. Teria que enfrentar a triste situação de proteger-se da chuva em uma parada de ônibus lotada, cheia de goteiras e com lixo boiando em torno dos pés. Pensando bem, apesar de constrangedora, a espera pelo transporte até teria uma finalidade didática, já que seria uma verdadeira prévia do que viria após ingressar no veículo. Não duvido que a Prefeita aprenderia as “manhas” de ser usuária dos ônibus coletivos de Barreiras.

Por outro lado, toda prefeitura, por mais ineficiente que seja, possui carros oficiais para o deslocamento das suas autoridades. Assim, refiz meus devaneios e imaginei a mandatária do município em um belíssimo “chapa branca”, tentando se desvencilhar dos buracos que se multiplicam no que já foi a pavimentação asfáltica de Barreiras. Mais fantasioso ainda é pensar em quem ela culparia, quando, ludibriada pelas águas pluviais não escoadas, a nossa incauta personagem caísse em uma daquelas valas existentes na interseção das vias.

Pobre destino o da nossa Chefe do Executivo: viver em uma cidade onde nada se fez para lidar com a destinação das águas pluviais, onde o transporte público se deteriora a cada dia e, enfim, onde não se teve a menor preocupação em promover acessibilidade, nem em dias de chuva, nem em dias de sol. Por outro lado, como diriam os mais velhos, “dos males, o menor”: já pensou se a Prefeita morasse na Vila Rica, Vila Brasil, Morada da Lua ou Cascalheira?! Aí sim, ela estaria – perdoem o trocadilho – “com os burros n’água”!!

Na verdade, toda esta “saga” que idealizei, tendo a Prefeita como personagem, é realidade na vida de milhares de barreirenses que lidam com problemas semelhantes aos relatados sempre que precisam sair de suas moradias em dias de chuva. Tais problemas resultam, pura e simplesmente, de gestões equivocadas naquilo que é atributo fundamental de toda municipalidade: promover política de infraestruturação urbana e oferta de serviços públicos de qualidade.

Diante de tudo isto, começo a pensar na inadequação da frase-título deste texto em relação àquilo que pretendi expressar como indignação diante da realidade que vigora em Barreiras. Ao que tudo indica, seria mais apropriado perguntar: Será que a Prefeita dorme em paz quando chove?

Por Paulo Baqueiro (Professor da UFBA)