segunda-feira, 29 de março de 2010

"Universidade e Política", por Márcio Lima

Desculpem-me a insistência na questão, mas tenho escrito que o discurso e projeto da criação do estado do Rio São Francisco acaba por encobrir os problemas reais de Barreiras e, provavelmente, de todo Oeste da Bahia. Certamente os grandes problemas da cidade existem por um histórico de administrações ruins, embora se crie o discurso de que o estado baiano é o responsável por eles, na medida em que não investe aqui. Daí a necessidade de criação do novo estado.

A recente manifestação da UFBA desencadeou uma série de reações que evidencia com muita força esse fato. O site ZDA (que, aliás, está fora do ar há vários dias no momento em que escrevo) destacou-se como organizador do debate, uma vez que nele muitas visões sobre o ocorrido foram expostas.

O ex-prefeito Saulo Pedrosa escreveu um texto condenando a atual gestão, fazendo duras críticas ao descaso com que vem sendo tratada a UFBA, bem como ao posicionamento da prefeita durante o acontecimento. A presidenta da câmara de vereadores, Kelly Magalhães, saiu em defesa da atual administração. Em post do dia 17 de março em seu blog, pôs em xeque, em primeiro lugar, os méritos do antigo prefeito na vinda da Universidade Federal para Barreiras. Tal fato deve-se a um projeto do governo federal, do MEC e do governo da Bahia. Saulo Pedrosa, portanto, beneficiou-se de ações dos governos do PT, partido ao qual o seu (PSDB), é bom lembrar, faz oposição. A vereadora lembra também como fora tratada a educação superior pública quando FHC esteve na presidência. Mas a réplica não se restringe a esse argumento, pois as “obras” que o ex-prefeito listou em sua conta, Kelly tratou de lembrar que elas eram, na verdade, programas das esferas mais altas, ou seja, dos governos estadual e federal. Além do mais, Saulo ainda se dera ao luxo de perder 69 milhões destinados ao saneamento básico, verba que ele poderia ter recebido do governo federal, mas da qual Barreiras não se beneficiou devido à questão com a Embasa.

Saindo das diatribes contra Saulo para os encômios à atual prefeita Jusmari, Kelly Magalhães, porém, muda radicalmente o critério de sua análise, pois aquilo que assume um caráter de discurso desmistificador quando avalia a gestão de Saulo é motivo agora de elogios. Assim, Kelly louva as realizações da cidade mãe, quando na verdade são o vovô e o bisavô os responsáveis pelos melhoramentos que ela lista – num post anterior, do dia 07 de janeiro de 2010. Lamentando que o povo tenha memória curta, ela diz que as principais ruas da cidade antes estavam intransitáveis. Além de melhorá-las, a atual gestão deixou a cidade florida, a saúde está a olhos vistos (sic) e há um trabalho para atrair indústrias e fábricas. De tudo isso, só mesmo as flores podem ser vistas, e há mesmo um trabalho exaustivo para molhá-las com caminhão-pipa, e para substituí-las, pois mesmo regando-as, elas não resistem por muito tempo. Quanto às ruas, não sei por onde a vereadora transita, mas não vejo diferença entre o que era e como está. Saindo, então, da avaliação do governo municipal para o estadual, Kelly diz que Wagner muito tem feito pelo Oeste. Todos podem conferir as benesses listadas em seu blog. A meu ver, o mesmo argumento que ela utilizou contra Saulo vale para a atual gestão, ou seja, aquilo que compete ao município vai mal, e o que supostamente tem sido feito vem de cima. O que joga por terra o discurso de que Barreiras e o Oeste são abandonados, pois o problema maior é mesmo com as administrações locais. Afinal de contas, não é isso que a vereadora sustenta quando analisa a gestão Saulo e que se esquece de dizer quando tergiversa sobre a atual?

Ora, basta lembrar que Barreiras tem hoje uma universidade estadual (UNEB), uma federal (UFBA) e um instituto federal (IFBA). Ademais, é possível citar outros órgãos, como EBDA, CODEVASF etc. As cidades que supostamente não são abandonadas pela Bahia certamente gostariam de receber tratamento igual.

Em termos de educação, afora Salvador, apenas Vitória da Conquista está servida com esse mesmo aporte de instituições de ensino público. Vale citar que aquele município é governado pelo PT desde 1997 (já é o quarto governo seguido), portanto, parece natural que no projeto de interiorização da UFBA, seu nome tenha sido o primeiro a ser lembrado. Mas, se pensarmos bem, essa conta talvez não deva ser invocada, pois o tratamento que a UFBA (tanto em termos físico como humano) vem recebendo denota que o município não faz questão de Universidades. Se é educação que os governos estadual e federal querem dar ao Oeste, esqueçam. O que se deseja é um estado novo, com uma profusão de cargos novos a serem preenchidos. Senão vejamos.

O site da UFBA em Vitória da Conquista noticiou a pavimentação do acesso ao campus de lá. Uma parceria do município com o estado para realizar as obras, que custarão em torno de 700 mil reais. Embora seja um valor menor que o necessário para pavimentar o acesso à Prainha, a obra em Vitória da Conquista revela que lá a prefeitura foi buscar junto ao governo estadual recursos. Aqui, ouve-se o tempo todo que não há dinheiro, mas que Wagner prometeu realizar também a obra. Será que nosso executivo foi buscar esse investimento ou está à espera do dinheiro? Quando se olha a foto da rua que será pavimentada em Vitória da Conquista, mesmo sendo de terra, nota-se que ela é muito mais transitável do que as principais ruas de Barreiras. Já nem é possível comparar com a rua lateral que conduz à entrada principal do Padre Vieira, que é uma das ruas mais podres do centro. Invocar o trajeto para chegar à Prainha seria insanidade.

Mas em meio a todas as questões que a manifestação da UFBA provocou, bem como às mazelas que fez vir à tona, a prefeita Jusmari bradou que o problema foi terem construído a Universidade do outro lado do rio. Além disso, disse que ela era a prefeita mais democrática que esta cidade já teve, pois embora seja evangélica, realizou o maior carnaval de Barreiras. E não achando pouca a confusão entre religião e política, disparou que sua meta é converter 90% por cento da população à sua religião. Parece até fala daqueles personagens políticos de Chico Anísio ou da antiga série O Bem Amado.

Seria cômico, se não fosse trágico.

Por Márcio Lima

quarta-feira, 17 de março de 2010

"Universidade e Responsabilidade Social versus Responsabilidade Social e Universidade", por Joana Luz

A Universidade Federal da Bahia chegou à região oeste do estado há cerca de 3 anos e meio, começando timidamente com pouco mais de 30 professores e cerca de 200 estudantes. Este tempo é pouco para a consolidação de uma universidade, mas muito para que esta já pudesse ter recebido a devida atenção dos poderes públicos tanto da região quanto do estado da Bahia. Não sou daqueles que acham que deveríamos esperar que tivéssemos todas as condições estabelecidas para apenas então iniciarmos nossas atividades; entretanto, creio que o construir de uma instituição como uma universidade deva ser um esforço conjunto, tanto daqueles que compõem o quadro de servidores dessa instituição quanto daqueles que se colocam na condição de representantes dos interesses de toda uma sociedade.

Muitos investimentos já foram aplicados na criação do campus da UFBA desde a sua criação em 2006 – cerca de R$ 20 milhões em recursos advindos do programa de expansão do Governo Federal – e atualmente o campus possui numa área 60 hectares com 1 prédio que abriga 32 laboratórios de ensino e pesquisa, 1 pavilhão de aulas concluído e outro em fase de construção, 1 prédio de biblioteca já licitado com previsão imediata de inicio das obras, além do prédio localizado no centro, onde iniciamos nossas Atividades e onde hoje funcionam alguns cursos, incluindo-se cursos noturnos. Contamos hoje com 123 vagas docentes em regime de dedicação exclusiva e 35 de servidores técnicos administrativos. Com o vestibular 2010 temos hoje um quantitativo de cerca de 1200 alunos, distribuídos nos 12 cursos oferecidos pelo campus.

A Universidade tem cumprido seu papel oferecendo vagas para toda a população da região oeste da Bahia, nos seus cursos de graduação e de especialização recentemente abertos e nos diversos cursos de extensão já realizados e em realização. Além disso, temos diversos projetos de pesquisa em andamento, e muitos outros por vir. Em outras palavras, o papel social da universidade está colocado, não apenas para a formação profissional de qualidade, mas de forma não menos importante na participação efetiva nos destinos dessa região e desse país, através da formação crítica e do questionamento das estruturas políticas, econômicas e sociais.

Apesar de tudo o que foi colocado anteriormente, a respeito da importância que uma universidade exerce como pólo de produção de conhecimento, não temos visto um engajamento das forças políticas desta região, e mesmo deste estado, na consolidação e construção desta universidade. Coloco isso baseada em alguns aspectos que considero bastante relevantes. O primeiro diz respeito à criação da Universidade Federal do Oeste da Bahia. Apesar da implantação da Universidade Federal do Recôncavo Baiano em 2005, a Bahia apresenta ainda um número bastante reduzido de Universidades Federais em relação à sua população, com 1.630 habitantes por vaga, enquanto que a média nacional era de 1080 habitantes por vaga oferecida no ano de 2009; o estado ocupa atualmente o 26o lugar na distribuição de vagas e o 25o lugar entre os 27 estados brasileiros na distribuição de recursos para as Universidades Federais, que é de R$ 51,28/habitante (ante uma média nacional de R$ 139,07/habitante). Mesmo considerando-se o déficit educacional do estado, não vemos um movimento significativo em defesa da criação da Universidade Federal do Oeste da Bahia: temos visto apenas manifestações individualizadas de algumas lideranças do estado.

O segundo ponto diz respeito a aspectos de infraestrutura do nosso campus. Apesar de todos os investimentos já realizados e do patrimônio acumulado, vemos com muito pesar a possibilidade de termos que parar nossas atividades em função da falta de condição de tráfego para o campus da Prainha, local onde está a maioria dos nossos alunos e professores. Neste período de chuvas já tivemos alguns incidentes, com carros atolando, sem contar a aventura que é atravessar a ponte, colocando em risco a integridade física de todos que passam diariamente pelo local. É lamentável que depois de três anos de instalado o campus da UFBA ainda tenha que brigar por condições de acesso e iluminação pública.

Acredito que, assim como a universidade tem responsabilidades sociais inerentes às suas atividades, a sociedade, representada pelas suas lideranças políticas, deve ter um compromisso para com esta instituição. Instituição que, no caso específico do Campus da UFBA em Barreiras, se constitui num dos maiores ganhos sociais para a região oeste da Bahia, uma universidade pública, gratuita e de qualidade.

Por Joana Luz

terça-feira, 16 de março de 2010

"O mito da terra prometida – Parte III", por Márcio Lima

A região que hoje é o Oeste da Bahia pertencia, no período colonial, à capitania de Pernambuco. Devido a duas tentativas de separação da região de Pernambuco a fim de formar um país independente, o Oeste foi anexado, por ordens reais, primeiro a Minas e depois à Bahia. A anexação definitiva, por decreto de D. Pedro I, é de 15 de outubro de 1827. Haveria, portanto, razões históricas que justificariam o desmembramento destas terras para criar um novo estado. Todavia, conforme escreve Ignez Pitta em seu livro Barreiras, uma história de sucesso, “Consta que, entre os anos 1540 e 1550 Duarte Coelho mandou construir barcos acima da cachoeira de Paulo Afonso, a fim de poder subir o curso do Rio São Francisco, realizando a expedição, em que conheceu e ultrapassou Bom Jesus da Lapa. Os fortes ataques dos índios, porém, residentes às margens do Opara, como chamavam o São Francisco, impediram que Pernambuco pudesse colonizar a região, que era mais próxima da Bahia e foi sendo povoada por baianos. A própria Bahia tem 51% do seu território situado no polígono das secas e por isso os pioneiros iam entrando cada vez mais longe, à procura de terras para plantar e criar gados” (p. 18).

A natureza do argumento é bem clara. Desde muito cedo, embora pertencendo à capitania de Pernambuco, a região Oeste foi povoada por baianos. Por si só, isso, obviamente, não desmerece a reivindicação do desmembramento. O que tal fato mitiga é a crença numa formação histórica da região como se fosse estranha à Bahia, como se o estado tivesse visto cair em seu colo uma região que não lhe pertencia. Tal apelo nos faz às vezes pensar que existia uma região rica, pujante, sólida, que foi retirada de Pernambuco como represália e dada à Bahia. Conferindo de perto os eventos, é possível notar que no século XVI o Oeste estava sendo povoado por baianos. Em 1827 a região foi anexada à Bahia e, para ficar no caso mais paradigmático, Barreiras, sua cidade principal, surgiu quando a região pertencia aos baianos.

Na verdade, não acredito que esse apelo histórico tenha muita relevância para os argumentos (há algum?) que justifiquem a criação do estado do Rio São Francisco. Ele reveste-se, porém, dos mesmos sofismas de outras reivindicações. Basta analisar o tipo de relação que o Oeste mantém com o poder central em Salvador para comprovar isso. Em sua história política e social, o lado à margem esquerda do São Francisco constituiu-se como parte integrante da Bahia; querer justificar as mazelas da região como sendo fruto do descaso do estado é um discurso que serve bem a interesses particulares – mesmo que a muitas particularidades – e não a um projeto coletivo que vise à grandeza política, econômica e cultural da região. Querem ver? Quando emanciparam Mimoso do Oeste, qual nome puseram na nova cidade? A região que quer livrar-se da Bahia retirou o nome que fazia referência a sua vegetação para homenagear a família mais influente do estado por mais de cinquenta anos. E a toponímica da própria Barreiras também é um exemplo disso, com sua Praça Castro Alves, Avenida ACM, Cleriston Andrade e assim por diante. Como contou Ignez Pitta em palestra recente na UFBA, quando quiseram homenagear Geraldo Rocha, ele pediu que a homenagem fosse para seu pai, Antônio Geraldo, cujo nome foi dado a uma importante escola pública de Barreiras. Depois disso, qual homenagem prestaram a Geraldo Rocha? Será que os nomes antes citados são mais importantes para a região que o dele?

Poderão objetar-me que a articulação que resultou na emancipação de Mimoso não representa o Oeste, mas apenas um setor dele. De minha parte, não vejo muita diferença. Mais uma vez, vão se acumulando exemplos que demonstram a forma com que o Oeste se posiciona diante da Bahia, realçando as falácias que envolvem o discurso “criacionista”. O caso de LEM é sintomático porque reflete o fisiologismo com que é conduzida a política nessas paragens, um exemplo do que há de mais retrógrado no Brasil. Até onde sei, o crescimento de Barreiras na primeira metade do século XX está assentada, antes de tudo, no empreendedorismo da região, levado a frente por nomes como o do já mencionado Geraldo Rocha. A história da cidade está imiscuída na história da Bahia, sendo que um barreirense chegou a Governador do estado: Antônio Balbino.

Sobre isso, aliás, Luiz Pamplona relata fatos interessantes em seu livro, Barreiras, Bê-A,...da BARRA pra cá (Cf. p. 173-175). Quando, em 1954, Antônio Balbino tornou-se governador, não fez a maioria na Assembléia, tendo a oposição um deputado a mais. Por alguma razão, o distrito de Brejo Velho, hoje Brejolândia, teve as urnas canceladas, marcando-se novas eleições. Um certo ACM, filho de Magalhães Neto, amigo de Balbino, havia concorrido ao Legislativo e perdido, ficando 300 votos atrás do último colocado eleito. Apesar de ACM ser da UDN, partido de oposição ao seu, Balbino fez arranjos a fim de eleger ACM, atraindo, numa manobra política, a simpatia dos adversários. Vê-se que o jovem ACM iniciou sua vida pública elegendo-se por conta de urnas canceladas e novas eleições marcadas, e por adesão a adversário, cuja interferência viabilizou seu ingresso na Assembléia Legislativa. Pamplona relata ainda que ele pagou depois esse favor a Balbino, intercedendo, depois do golpe de 1964, junto ao presidente Castelo Branco, para que o ex-governador da Bahia não fosse cassado. Tal episódio reforça a relação entre os homens públicos do Oeste e os da Bahia. Gostaria de saber de que modo essa relação se constituiu desde o tempo da ditadura. Será que depois da dupla Balbino/ACM, os homens de Barreiras e do Oeste que conduziram a vida pública mantiveram uma relação crítica e de afastamento do poder central em Salvador? A criação do Estado do São Francisco é uma reivindicação sustentada por um histórico de lutas e oposição locais à Bahia? Ou, antes, o episódio de 1954 é apenas o marco de uma história contínua? Talvez isso explique por que, em vez de referir-se à vegetação regional, a cidade-símbolo do novo Oeste homenagear aliados históricos.

Por Márcio Lima