sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

"Nota de Pesar pela Morte do Aluno Eliano Bezerra", por Sandro Ferreira


Assim como aconteceu há cerca de um ano quando o bombeiro Paulo César foi assassinado, muitos estão querendo simplificar a morte cruel do aluno da UFBA Eliano Bezerra, como algo determinado apenas pelas drogas. É incrível como Barreiras tem essa capacidade de jogar tudo pra debaixo do tapete: As centenas de famílias que perderam suas terras pela grilagem, as dezenas de jovens que “desaparecem” em abordagens policiais, as várias famílias que moram embaixo das marquises e que nossa “invisibilidade social” nos impede de ver. Tudo é muito simples por aqui, e todos, inclusive a Universidade, fecham os olhos, e exercitam o esquecimento como forma de viverem “felizes” e em “paz”, nessa cidade “grande e medíocre” que é Barreiras.

Desde ontem, logo após a notícia do desaparecimento, uma pedra de crack já servira de argumento simples pra ignorar a complexidade da existência de uma figura como Eliano, numa cidade como Barreiras. Ele representava muito mais, sabia muito mais... não é à toa que, em cada esquina de Barreiras, ontem tanto se comentava sobre a sua morte.


Hoje já li e ouvi várias vezes frases do tipo “esse povo chato, tudo querem associar a racismo, a homofobia. O problema da nossa sociedade é econômico!”. E o que é o econômico senão um campo onde o cultural, o ideológico e o político transitam?

Precisamos fazer um esforço para entender melhor, cuidadosamente, os melindres, as tramas do “ser humano”. Como o racismo se processa em nossa mente, em nossos atos, de todos nós, que até lutamos pra não sermos racistas, mas que, por resultado da nossa socialização, reproduzimos o tempo todo pensamentos e atos racistas, sem, às vezes, sequer perceber. O mesmo digo sobre a Homofobia: não é porque assistimos Big Brother ou novelas da Globo que aprendemos a conviver com os homossexuais. Só quem é gay sabe o quão difícil é “amar”, sentimento e experiência que todos nós desejamos em sua forma plena. Se uma relação heterossexual, que é normatizada positivamente pela nossa sociedade, já é supercomplexa e difícil de se estabelecer com completude, imagine o quanto é uma relação homoafetiva?

As pessoas precisam entender as formas em que as relações homoafetivas ocorrem. O preconceito faz com que os homossexuais em busca de uma companhia, seja por amor ou apenas sexo, muitas vezes tenham que "comprar" parceiros jovens e viris em troca de presentes, e hoje muito comumente, em troca de drogas. Este parceiro não o ama, muitas vezes sequer tem prazer físico no ato sexual. Assim o ódio se amplia, dada a sensação de quebra da pureza "natural" deste parceiro. A linha entre este ódio mental, esse nojo pessoal, e um ato brutal de violência é muito tênue. Isso é HOMOFOBIA, e é muito comum casos assim em grandes cidades. A droga, a loucura do seu efeito, é só um estopim pra isso. Na sequência, esses criminosos buscam roubar tudo que puderem do parceiro gay, como forma de justificar a verdadeira motivação de um "michê" (como é chamado) em se envolver com um gay: obter algum ganho com isso.

Se a nossa sociedade não considerasse a homossexualidade uma doença, uma coisa inaceitável, os gays não precisariam buscar pessoas assim "na pista". Haveria mais homossexuais e bissexuais assumidos, que se permitiriam tranquilamente ser cortejados por um homem, ter uma relação normal, afetiva, com um gay. O "michê" não é um homossexual, ao menos no sentido próprio do termo,  ele vende seu corpo, e muitas vezes faz isso por uma vida de miséria.


Eliano era um corajoso, não se importava com o que a sociedade (a hipócrita Barreiras) pensava. Certamente esse não foi o primeiro, nem o segundo "monstro" com quem ele se envolveu e que poderia num momento de loucura (causado pela droga, por exemplo) matá-lo brutalmente, exercitando todo o ódio e crueldade que muitos desses "michês" carregam por seus "clientes".

Não vou ignorar os erros que ele cometeu na vida (já ouvi algumas histórias), mas como me disse ontem um colega "ele não era uma pessoal do mal". Sua malandragem era o seu "modo de navegação social", e assim como a Virgem Maria perdoou e acolheu João Grilo em "O Auto da Compadecida", certamente teria feito o mesmo por ele.


Digo, sem nenhum medo daqueles que hoje o execram, que Eliano está fazendo falta e que Barreiras fica mais cinza (e obscura) sem a presença dele.

- por Sandro Ferreira