quarta-feira, 6 de julho de 2011

"Quantos pais para uma criança que ainda não nasceu”, por Marcos Mondardo

Nas últimas semanas, no lastro da votação para aprovação de abertura de plebiscito para criação dos Estados de Tapajós e dos Carajás, no Pará, os debates em torno da criação do Estado do São Francisco voltaram à cena de forma acalorada, especialmente, na elite política e também econômica regional. Ao mesmo tempo em que um grupo político da região liberado pelo deputado Hebert Barbosa viajou nesse último mês para o Estado do Tocantins para se reunir com o governador Siqueira Campos e “se informar” ou ganhar apoio político na criação do novo estado no Oeste da Bahia, outro grupo se articulava para, semanas depois, lançar, alterando pela primeira vez o projeto de emancipação política do Oeste Baiano do deputado Gonzaga Patriota que fora escrito no ano de 1998 e que agora, na sua “nova roupagem”, passa a ter como idealizador, além do deputado mencionado, o deputado federal Oziel de Oliveira.

Em meio a mobilizações em Barreiras realizadas pelo grupo de Hebert Barbosa que se reuniu com a elite econômica, principalmente, os comerciantes, outro grupo fazia o maior estardalhaço tornando, a fala do deputado Oziel de Oliveira, transmitida ao vivo da TV Câmara “direito” para a parte da população barreirense, no dia “D” da defesa de criação do Estado do Rio São Francisco, com a reestruturação do projeto. Mas, para além da elite econômica convidada para fazer parte da “festa” e de meia dúzia de populares ligados ao poder público, o grosso da população, como na maioria das vezes, só foi convidada para ler os jornais ou ver, quando viram, o discurso em defesa do novo estado na TV.

Lendo o “novo” discurso em defesa da criação do Estado, vemos os velhos argumentos sendo colocados a favor do desmembramento: a pujança econômica desenvolvida na região nas últimas décadas, o crescimento populacional e o descaso do poder público do Estado da Bahia são os principais. O que chama atenção, por outro lado, o lado menos falado, é que não se tem nenhuma menção às efetivas melhorias das condições de vida das pessoas que o projeto de criação trará, e como trará? O que se tem, e muito, passa pelo forte desenvolvimento trazido pelo agronegócio, pelas grandes empresas agroindustriais – que geram emprego, é claro, não podemos esquecer – mas com que qualidade de emprego, pois o desenvolvimento que queremos, para com e além do desenvolvimento econômico, é o desenvolvimento humano, aquele que melhora as condições de vida das pessoas: na educação, na saúde, no transporte, que torna o dia-a-dia do trabalhador menos sofrido. Mas parece utopia, sonho, devaneio pensar assim, não é?

Na “balada” da agitação por parte das elites políticas e econômicas da região, alguns meios de comunicação afirmavam, “pregavam” que a população “clama(va) pela criação do Estado do Rio São Francisco”. Mas, será que é assim mesmo? Parece, vendo as notícias de alguns discursos e de alguns meios de comunicação, que existe uma “colonização da memória” se instalando, difundida por esses grupos políticos e econômicos, pois tudo só passará a “prestar”, a funcionar, a ter quando o Oeste Baiano se tornar independente. No discurso do “pior não fica”, recebemos de “goela a baixo” o projeto de criação de um novo estado, pronto, acabado, como se a população, maior interessada na melhoria de suas vidas, não fosse importante ser consultada para as reuniões, para ter poder de participação popular, para fazer, efetivamente, e não somente – se um dia sair um plebiscito – para votar a favor ou contra, na construção de uma nova unidade da federação.

Por isso, gostaríamos de ser convidados também para a “festa” da construção do novo estado, para também “comer o bolo”, e não apenas, para depois de realizado o projeto, limparmos o salão. Parece-nos que nesse entremeio de reuniões e organizações de grupos que buscam mobilizar contingentes populacionais, o que está verdadeiramente em jogo, é a disputa pelo exercício do poder, pelo poder político regional da principal cidade da região. Eis o que provoca a próxima campanha política: “surgem vários pais para uma criança que ainda não nasceu”.

por Marcos Mondardo
Morador de Barreiras, Geógrafo e
professor do Curso de Geografia ICADS/UFBA.

6 comentários:

  1. A edição 994, de 15/06/2011, da Revista Exame, afirma que Barreiras teve crescimento de 109% do PIB, relativo 2002/2007, e crescimento de IDM- indice de desenvolvimento municipal de 15%, com pouca melhoria de desenvolvimento humano. Lógico, quem sairá lucrando com esta emancipação? O povo ou os politicos??? Não seja o otario que eles querem!!!

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  2. Professor Marcos,

    O texto traz uma reflexão muito importante e que deveria ser estendida a toda população que, realmente, tem recebido a ideia verticalmente, sem analisar os dados e as possibilidades reais.

    Logicamente que essa elite política e econômica possui a seu serviço diversos veículos de comunicação, que fazem muito bem seu papel de massificar a criação do novo estado como "salvação" da situação caótica em que vivemos. E desenhar melhorias na miséria total, qualquer que seja, ilude de que "não pode ficar pior" e sempre pode!

    Que tal a organização de debates nos municípios? Que tal sistematizar e distribuir a à população os diversos textos e estudos que tem sido feitos por professores e estudantes do ICADS?

    Fica a proposta e a contribuição para efetivá-la! ;)

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  3. É isso que precisamos, Paula e Paulo. O problema é que os interessados na separação do estado tem grande voz na mídia, enquanto as nossas discussões estão presas na internet e nas paredes das academias. Deve-se fazer discussões sobre isso nas escolas, nas comunidades, com as mães e os pais de estudantes, com trabalhadores (principalmente os municipais). Mas como faremos isso?

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  4. concordando com a janara... o povo aí do icads poderia começar um movimento esclarecendo a população acerca das implicações de se criar o estado do são francisco... organizar uma equipe e ir até os bairros, escolas e tbm na própria universidade para promover um debate horizontal e transparente, e tbm convidar os políticos que encabeçam o projeto de desmembramento para participar do debate... a sociedade não é apenas a elite... vamo lá pesquisadores, professores, estudantes, vamos organizar um projeto que discuta a criação do estado do são francisco, a ufba encabeçando as ações penso que será totalmente viável... não podemos deixar o povo votar no escuro e deixar as discussões restrita só à academia.

    Fabiane Marques graduanda história FAED/UDESC

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  5. Concordo com boa parte das colocações, porém observo que o movimento não pode ficar restrito às discussões acadêmicas na UFBA, deve expandir-se para as demais IES e também para as escolas, associações de bairros e sociedade civil em geral. Igualmente não se pode perder de vista que a direção do movimento iniciado recentemente envolve entidades da sociedade civil tais como OAB, CDL, Fundações, Associações Populares, etc., que revelam uma certa participação popular. Ainda que se entenda o movimento como iniciado pela elite, não devemos ser puristas ao ponto de nos recusarmos a somar quando todas as iniciativas são positivas para ampliarmos o debate sobre o tema.

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