terça-feira, 19 de outubro de 2010

"Barreirenses: Estrangeiros em sua Própria Terra", por Evanildo Cardoso

A cultura está sujeita a muitas interpretações e manipulações no decorrer da história. Fala-se atualmente, em hibridização cultural, em multiculturalismo e outros termos que tentam caracterizar povos que não estão presos a um local e sim passíveis de mudanças, adaptações, e, não menos, por conflitos. Vivemos em uma cidade historicamente híbrida, influenciada por várias culturas desde sua formação. Vieram para cá, gaúchos, catarinenses, paulistas, cearenses, pernambucanos, paraibanos e tantos outros, inclusive de outros países. As influências foram positivas, pois é assim que o homem habita, vive e constrói lugares e paisagens imprimindo neles a sua cultura. Conflitos, naturalmente existiram e sempre existirão, como ensina Ecléa Bosi, quando duas culturas se defrontam, não como predador e presa, mas com diferentes formas de existir, uma é para outra revelação. Então como compreender que, em pleno século XXI quando se pretende aproximar culturas diferentes, se vê a hostilidade sendo praticada por alguns “representantes” de determinada cultura em Barreiras? Para uma cidade que se diz mãe, alguns de seus filhos, de certa forma, imprimem nas paisagens olhares preconceituosos e de rejeição ao outro, às diferenças. Haverá somente uma história para contar? “Aquela do vencedor?” O barreirense e aqueles que vieram de outros estados são cidadãos de um mesmo mundo globalizado pelas inovações técnicas, pelas partilhas de conhecimentos, pelo desejo criativo em querer mudar, e construir uma cidade para todos, sem discriminação. Se não entendemos que a cidade tem que ser democrática, seremos eternamente presas de nós mesmos, reafirmando nossas deficiências de aceitação, e estabelecendo uma hierarquia na cultura com forte domínio econômico de um grupo sobre outros, do sul sobre o norte, dos “vencedores” sobre os “vencidos”, dos cultos sobre os aculturados.

Por Evanildo Santos Cardoso

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

"Creative Commons e o OesteMaquia", por Márcio Carvalho

Duas semanas atrás, um texto de Márcio Lima, publicado neste Blog OesteMaquia, foi republicado por um jornal local (ver post anterior), sem citação de fonte e utilizando comentários dos leitores do blog. Não há maiores problemas em publicar nossos textos, mas há duas questões a serem tocadas. Primeiro, o jornal publicou também comentários de vários leitores do blog; porém, juntou comentários que se referiam a várias postagens, como se fossem referentes ao texto de Márcio Lima, o que resulta numa alteração de conteúdo.

Mais grave, entretanto, foi o fato de não dar o endereço deste blog, o que dá a entender que o texto havia sido escrito diretamente no blog do jornal. Mais que isso, a não-indicação de fonte permite ao jornalista dizer, em editorial, que os autores do blog são "jusmarinianos"; ora, a simples leitura deste blog faz transparecer a mentira que tem como único objetivo nos desmoralizar.

Por este motivo, estamos licenciando o conteúdo do OesteMaquia sob uma licença Creative Commons.

Como funciona esta licença? Bem, primeiro é necessário saber como funcionam os direitos autorais. No Brasil, a Lei 9.610/98 divide os direitos autorais em duas categorias: direitos morais e direitos patrimoniais. Direitos morais dizem respeito à autoria de uma obra: este direito é irrenunciável, você sempre será o autor de suas obras. Já os direitos patrimoniais dizem respeito ao modo como você deseja utilizar sua obra: reprodução, licenciamento, permissão de modificação, etc. A lei é rígida, pois mesmo a reprodução (parcial que seja) de sua obra depende de sua autorização prévia.

Aqui entram as licenças Creative Commons (CC): ao contrário do CopyRight ©, que afirma serem "Todos os direitos reservados ao autor", nas licenças CC você define previamente quais direitos deseja manter reservados, e de quais direitos você abre mão (ou quais tipos de uso você autoriza, antecipadamente, que sejam efetuados); em outras palavras, a licença CC afirma serem "Alguns direitos reservados ao autor", e você pode definir quais são estes direitos.

As licenças CC funcionam com algumas modalidades de direitos. Por exemplo, você pode usar uma licença "BY" (atribuição) que permite a reprodução de seu texto, mas exige que você seja citado como o autor. Perceba que caso não use uma licença "BY", você permite a reprodução de seu texto sem indicação de autor, mas você ainda é o autor - o direito moral da autoria não é alienável.

Outra modalidade diz respeito ao uso comercial de sua obra. Uma licença "NC" indica uso não-comercial. Isto significa que qualquer pessoa pode reproduzir sua obra, mas apenas se não for ganhar dinheiro com ela. Se eu especificar esta modalidade, terceiros não poderão utilizar minha obra para vender um produto (por exemplo, ninguém pode pegar um conto meu, quadrinizá-lo e vender sua Graphic Novel para uma editora; ou, ainda, ninguém pode pegar um texto de meu blog e publicar num jornal, que é uma publicação comercial).

Se você não especificar, o conteúdo de sua obra pode ser alterado; caso não deseje isto, você pode escolher a modalidade "ND", que impede alterações. Esta modalidade pode ser útil, por exemplo, para uma obra literária que você deseje manter íntegra, ou um texto de blog que você deseja manter sem alterações, incluindo os comentários.

As modalidades são utilizadas em conjunto. Veja no primeiro quadro à direita desta página a licença utilizada agora por este blog: BY-NC-ND (Atribuição, Uso Não-Comercial, Vedada a criação de obras derivadas). Isto significa que você pode reproduzir qualquer texto deste blog, desde que indique o autor do original e a fonte ("Blog OesteMaquia em http://oestemaquia.blogspot.com"), não o modifique e não publique em qualquer meio pago (por exemplo, em jornais).

Agora, você pode perguntar, e se você quiser pegar um texto meu, do blog, e utilizá-lo num jornal (ou seja, ganhar dinheiro com isso)? A licença não permite; é possível, ainda assim, fazê-lo? Bem, aí caímos num caso que não foi antecipadamente autorizado. Caímos no escopo da Lei 9.610/98 e, portanto, você deve agir como agiria no caso de um CopyRight: entre em contato comigo e podemos negociar; eu posso acabar nem cobrando nada de você, ou podemos fazer algum tipo de contrato. Em outras palavras, as licenças CC não "quebram" a lei, elas caem em seu artigo 29, que afirma a necessidade de "autorização prévia e expressa do autor" para determinados usos.

- Por Márcio Carvalho

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

"Do Útil e do Honesto", por Márcio Lima

Gosto muitíssimo da seguinte passagem do filósofo francês Michel de Montaigne: “Todos estão sujeitos a dizer tolices; o mal está em as enunciar com pretensão: ‘Este homem provavelmente vai expor-nos, com ênfase, algumas enormidades (Terêncio)’. Este segundo ponto não me diz respeito, porque não dou maior atenção às bobagens que me escapam. Felizmente para elas, pois as negaria imediatamente se devessem prejudicar-me, ainda que mui ligeiramente. Nada compro ou vendo por preço mais alto do que vale. Escrevo como falo ao primeiro indivíduo que encontro, contentando-me com dizer a verdade” (MONTAIGNE, Michel. Ensaios. “Do útil e do honesto” Tradução de Sérgio Milliet. Col. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1972).

Lembrei-me dela depois de ler as “enormidades” que foram expostas na última edição do Jornal do Estado do São Francisco (Ano I – Edição n. 4, de 25 de setembro de 2010, distribuído junto ao Jornal do São Francisco, Ano V, n. 81). Refiro-me especificamente ao editorial e à apropriação feita de nosso blog. Antes de falar daquele, comento esta. Em tempos de guerra contra a concepção autoral, desconheço as regras para que os meios de comunicação apropriar-se de ideias alheias. Mas o caso é que o Jornal reproduziu um texto meu sem pedir nenhuma permissão. Até aí, tudo bem. O problema é que o periódico não apenas escondeu a fonte, como dá a entender para os leitores que se tratam de reflexões oriundas de um espaço ligado ao Jornal. Está lá estampado no início do texto: “Do Blog”. De qual blog? Assim, o leitor é induzido a pensar que se trata do blog do jornal. Não satisfeito, os comentários deixados no oestemaquia ao longo de seus posts são pescados e lá expostos. Qual a intenção do Jornal em não revelar a fonte de onde ele está tirando o texto? E, mais irônico ainda, as minhas palavras que eles reproduzem contêm justamente uma citação do Jornal do Francisco, que, quando escritas, indicavam a fonte para quem quisesse consultar na íntegra.

Quanto ao editorial, nem sei se posso chamá-lo assim, uma vez que está assinado. Até onde sei, o editorial expressa a opinião do jornal, e não a de um ou outro jornalista particular de seu quadro. Não obstante isso, o texto trata da famigerada criação do Estado do Rio São Francisco. Poucos dias antes, o jornalista João Alfredo participou de um debate sobre o tema, promovido pelos estudantes dos Bacharelados Interdisciplinares da UFBA. E é contra a reflexão de alguns professores – dentre os quais eu – que o Jornal se posiciona em seu editorial. Fato perfeitamente compreensível. São as regras do jogo democrático. Por que as regras do jogo democrático sempre precisam ser lembradas “neste país”? O primeiro ato inconcebível é o nome do professor citado. Eu, Márcio Lima, e Márcio Carvalho temos escrito no blog; ele, além disso, tem participado dos debates sobre a santificação da terra. No entanto, o jornal, referindo-se aos professores da UFBA, menciona um certo Márcio Pinto. Todos os textos escritos e ideias são apresentadas em público, como não poderia ser diferente para quem está num ambiente acadêmico, e se amparam em argumentos, dados, fontes etc. O jornal, no entanto, pretende rebater sem argumento algum. Se o espaço do jornal não é propício à exposição mais rigorosa de ideias, a falta completa delas é um agravante sério. Mas, pior que isso são as afirmações capciosas do editorial para justificar porque, supostamente, somos contra os milagres que São Francisco está disposto a fazer pelo Oeste baiano. Antes de tudo, porque somos forasteiros. Demonstrando o quanto esse forasteiro está imerso nos problemas locais, há pouco tempo aqui, Márcio Carvalho, por exemplo,tem dados sobre a região que os devotos desconhecem, ou fingem desconhecer. Na verdade, milagre não anda bem mesmo com a realidade. Afinal, só é possível esperar pelo milagre se ao mesmo tempo esperar que as leis do real sejam modificadas.

Mas o melhor está por vir. No fim do texto, ficamos sabendo que somos contrários ao novo Estado porque somos aliados do velho carlismo e de seus representantes na região, a saber: Jusmari e Oziel. Aqui, todas as regras do decoro podem ser procuradas no esgoto a céu aberto de Barreiras, pois provavelmente foram jogadas lá. Entende-se também por que o jornal não quis mencionar o endereço do blog. Qualquer um que lesse os textos poderia constatar de imediato a impostura da afirmação. Além do mais, a prefeita e seu marido engrossam o coro dos favoráveis à criação. Se ela está aliada ao governador da Bahia, que é contra, é por mero oportunismo político. Oportunismo, aliás, que está na essência da motivação da maioria que aí está para defender a ideia de criação do Estado. Do ponto de vista político, essa foi a principal hipótese levantada pelo Blog, ou seja, de que a criação do estado serve, em primeiro lugar, para um oportunismo político, e depois para justificar décadas de incompetência administrativa das cidades da região por seus políticos locais. Todavia, o que era hipótese já teve sua primeira comprovação, dessa vez não por parte dos políticos, mas do Jornal do Estado do São Francisco, que de modo oportunista tenta conquistar a simpatia de seus leitores, tentando fazer dos professores os novos vilões da história. Para isso, esconde fonte e distorce ideias.

Se é útil esconder a verdade em prol de uma causa, ainda prefiro estar na companhia de Montaigne. E para que a utilidade não se sobreponha à honestidade, é preciso que a verdade seja dita.

Por Márcio Lima