quinta-feira, 29 de abril de 2010

"O Coelho e a Alface", por Márcio Lima

Em meus textos sobre as questões, por assim dizer, políticas de Barreiras, tenho tentado refletir a partir de dois pressupostos. O primeiro é que a profusão de problemas e o caos em que está mergulhada a cidade resultam de um período longo de administrações ruins; o segundo é que o discurso de criação do estado do Rio São Francisco caiu como uma luva para justificar esse caos. Vou começar pelo segundo ponto, pois terei de ser breve, dada a insistência com que trato da questão. O desmembramento da região Oeste tem como um de seus princípios de justificação a ideia de que não recebemos a atenção devida. Isso, desde logo, serve para encobrir e maquiar toda a incompetência das administrações locais. No fim das contas, o discurso de emancipação causa uma ilusão ótica, pois a visão não consegue perceber as coisas como elas são. Assim, diante de um buraco na rua, o olhar se volta para o governo estadual em busca do culpado. Minha tese, portanto, é a de que os verdadeiros problemas têm origem, antes de tudo, no abandono local, não estadual. Volto, com isso, ao primeiro ponto.

O ICADS está sem aulas desde o dia 12 de março. Logo completaremos dois meses de paralisação. A ação da prefeitura até o momento resumiu-se a fazer um conserto que de nada serviu. Isso porque o CREA emitiu um laudo apontando todos os problemas da ponte, e os reparos feitos, embora fizessem consertos nos problemas apontados pelo Conselho, não tiveram sua eficácia atestada pelos responsáveis da prefeitura. Em outras palavras, a prefeitura agiu da seguinte forma: reparamos os problemas, mas não garantimos a qualidade do trabalho, tampouco a segurança. Diante disso, uma comissão de professores e alunos fez uma peregrinação a Salvador, em 19 e 20 de abril, reunindo-se com o Reitor da UFBA, a secretária do Governador e deputados da Assembléia Legislativa. Ou seja, fizeram o trabalho que competia à prefeitura municipal. Depois dessas reuniões, um novo diálogo teve início, e o DERBA, órgão estadual, a partir de agora vai ajudar na resolução dos problemas, fazendo finalmente um conserto que garanta o que a prefeitura não garantiu. A reunião dos professores e alunos também conseguiu garantir um indicativo de que finalmente a ponte de concreto será construída com verbas estaduais. Estamos ou não estamos diante de um caso de má administração municipal? Se o município de Barreiras não tem recursos para pavimentar o acesso à UFBA, isso só demonstra os problemas locais e a incapacidade das pessoas que estão no comando, pois só isso justifica a falta de recursos para o investimento.

Como é costume local, houve a tentativa de transferir responsabilidades. Com efeito, duas objeções foram feitas para eximir a prefeitura de sua responsabilidade. Mas, por um efeito inverso ao desejado, ambas justamente realçam a incompetência administrativa. Falou-se, primeiramente, que a culpa era de quem havia mandado a UFBA para a Prainha, e, a seguir, que a própria universidade tinha seu quinhão de responsabilidade, pois além de aceitar instalar-se naquela localidade, acabou por levar centenas de estudantes para ter aulas onde não havia condições.

Se tivéssemos um debate político qualificado em Barreiras, essas objeções não precisariam ser levadas a sério. Mas o pior é que elas ainda surtem os efeitos desejados por aqueles que enunciam disparates retóricos e demagógicos como estes. Por isso, é preciso desfazer o nós desse novelo. Quando administradores dizem que não podem responsabilizar-se por problemas que herdaram da gestão anterior, isso significa a pá de cal, o atestado de óbito do município. Numa cidade que agoniza, como é o caso de Barreiras, é o que há de mais catastrófico. Partindo desse raciocínio, quando um morador da periferia, que vive em meio à lama, ao esgoto, aos ratos, ao lixo, à falta de luz, à falta de transporte decente, reclamar por qualquer melhoria, vai ouvir do administrador: não tenho nada a ver com isso, esses problemas existiam antes de eu assumir o poder. E, o que é pior, seguindo as mesmas justificativas que foram arroladas no caso da UFBA, esse possível morador ainda vai ouvir: a culpa é sua, pois quem mandou morar lá.

Analisemos esse último argumento no que ele diz respeito ao caso da UFBA. Atribuir responsabilidade à universidade por ela ter-se instalado na Prainha parte do pressuposto de que, para suas instalações, outro lugar poderia ter sido destinado. Hoje, após quase quatro anos em Barreiras, seria possível que, conhecendo a realidade política local, os professores que aqui estão não aceitassem a área depois do Rio de Ondas para lá construir os novos prédios. Todos já estariam informados o bastante para saber que não se pode confiar que uma ponte seria construída; tampouco que internet, energia, água encanada chegariam lá facilmente. Mas a universidade veio para cá antes de todos os professores que hoje estão aí. E as pessoas que estiveram à frente para instalar a UFBA aqui não sabiam de todos esses problemas e dificuldades. Caímos, portanto, num círculo vicioso, na medida em que só poderíamos ter evitado a Prainha se já conhecêssemos como é a política local, mas só conhecemos a política local, obviamente, depois que chegamos aqui. E a vinda da UFBA para cá já estava condicionada por aquilo que havia sido decidido politicamente.

Ainda assim, uma questão se impõe. Vamos supor que a UFBA tivesse condições de funcionar no Colégio Padre Vieira até o momento, e que só a partir de agora devesse ser escolhido ou negociado uma nova área para a necessária expansão do Campus. Os professores que já conhecem suficientemente a vida política barreirense, após analisar possíveis locais, deixariam de escolher a Prainha por antever todas as dificuldades? Evitar atravessar o rio porque a prefeitura se recusaria a construir uma ponte e oferecer acesso seguro seria a resolução mais correta? Se assim agisse, a Universidade não estaria sendo mesquinha e pequena ao aceitar as regras de tal jogo? Ora, o próprio movimento iniciado em 12 de março comprova precisamente o contrário. Caberia aqui, nessa relação entre Universidade e política local, uma sentença de Jean Piaget: “Quando o coelho come alface, é a alface que vira coelho, não o coelho que vira alface”.

Por Márcio Lima

quarta-feira, 28 de abril de 2010

"Barreiras está acordando!", por Sandro Ferreira

Hoje (28/04) pela manhã, Dia Nacional da Educação, os trabalhadores na educação municipal de nossa cidade (Professores, recreadores, merendeiras, etc.) realizaram uma paralisação em protesto contra a grave crise vivida pelo setor este ano. Várias escolas se encontram em condições precárias, algumas inclusive ameaçando cair (como a nossa ponte da Prainha), muitas sem merenda escolar, ou com um tipo de merenda que não respeita as orientações do Conselho Municipal da Merenda Escolar, e como se já não fossem problemas suficientes, vários dos trabalhadores de educação (professores contratados, pessoal de apoio e merendeiras) estão há mais de 2 meses sem receber salário. Em resumo, o descaso da "cidade mãe" com a educação é completo (vide também a postura adotada em relação as demandas da UFBA).

Destaco também que hoje os professores das Universidades Estaduais, incluindo o campus da UNEB em Barreiras, realizaram paralisação em protesto contra o governo Wagner que tem deixado as universidades estaduais a míngua, e participaram deste ato público.

As 8:30h cerca de 200 trabalhadores da educação estavam reunidos na praça São João Batista vestidos de preto em sinal de luto pela educação e com muita disposição para iniciar uma passeata até a Câmara Municipal e a Prefeitura. Estavam presentes lideranças dos servidores municipais (SINDSEMB) e da ADUNEB, mas, pasmem, a APLB, sindicato que organiza os professores do nível fundamental e médio, não estava presente, e mais, chegou a visitar algumas escolas avisando aos professores que quem não fosse dar aula hoje teria corte no ponto. A razão disso não foi difícil descobrir. A APLB é historicamente controlada pelo partido da presidente da Câmara Municipal que, por sua vez, é uma fiel aliada da prefeita da cidade, inclusive fazendo chapa (branca) para as eleições parlamentares deste ano com o marido da prefeita.

Em resumo, a luta por melhores condições de trabalho na educação está submetida aos conchavos da política eleitoral. As escolas do município e a UFBA ficam em segundo plano quando está em jogo a eleição da chapa oficial (com uma combinação partidária estranha, diga-se de passagem, se levarmos em consideração a noção de esquerda e direita no nosso Brasil pós redemocratização).

Ainda assim fiquei surpreso e feliz em ver a forte mobilização dos professores hoje que, somada a bela demonstração de combatividade de professores, estudantes e técnicos da UFBA, dão claros sinais de que a sociedade barreirense está despertando de uma longa hibernação.

Por Sandro Ferreira

quinta-feira, 22 de abril de 2010

"Ainda sobre responsabilidade, agora versus culpa....de quem?", por Joana Luz

É interessante observar como um movimento reivindicatório como a paralisação da comunidade da UFBA pode nos levar a uma série de reflexões. Muitas delas bastante pertinentes e outras totalmente equivocadas. Um exemplo desses equívocos é a colocação de algumas pessoas que dizem que a culpa pela situação que estamos enfrentando é da UFBA, que colocou o campus naquele “fim de mundo”. Fim de mundo esse que é, nada mais nada menos, um dos vetores de expansão da cidade. Outros dizem que deveríamos ter pensado nisso antes de transferir os alunos para um campus sem acesso, esquecendo-se que é nesse local onde estão investidos cerca de 20 milhões de reais, onde estão nossos laboratórios e onde temos condições de crescer.

Se formos seguir essa linha de raciocínio, tão limitada, diríamos que realmente a culpa é nossa em termos vindo para Barreiras ao invés de procurarmos um local que nos oferecesse melhores condições. Como não temos essa limitação e compreendemos que a expansão do ensino superior, ocorrida nos últimos anos, é algo de fundamental importância para o desenvolvimento educacional, tecnológico, científico, cultural e econômico do Brasil, só podemos chegar a uma conclusão, que foi uma decisão acertada virmos para a região oeste da Bahia.

Seguindo então essa segunda linha de raciocínio (da decisão acertada) e voltando à questão do meu primeiro post, "Universidade e Responsabilidade Social versus Responsabilidade Social e Universidade", que aliás parece não ter sido entendido por algumas pessoas, vou tentar ser mais didática, para ver se consigo me fazer entender. Quando chegamos a Barreiras há cerca de 3 anos e meio, apenas 32 professores, 240 alunos, nenhum funcionário e nenhuma infra-estrutura, tanto interna (UFBA) quanto externa (poder público). Com esse quadro se tivéssemos seguido a primeira linha de raciocínio (a do recuo) teríamos arrumado nossas malas e retornado às nossas cidades de origem e dito que não tínhamos como iniciar nada naquelas condições.

Esses 32 professores “meteram a mão na massa”, trabalhando em condições bastante precárias, sem nunca pensar em desistir. Passados esses 3 anos e meio, creio que cumprimos nossa lição de casa: não que tenhamos as condições ideais, ainda temos muito que fazer, mas podemos dizer que hoje a Universidade Federal da Bahia na região oeste efetivamente existe. Dobramos o número de cursos, incluindo cursos noturnos, quadruplicamos o número de professores, temos mais de mil estudantes, temos servidores técnico-administrativos, que apesar do número ainda pequeno para nossas necessidades, têm trabalhado com bastante eficiência. E continuaremos trabalhando para fazer mais, apesar das dificuldades que se apresentam.

Pois bem, ao iniciarmos nossas atividades contatamos imediatamente governo do estado e prefeitura, solicitando apoio no sentido de criar condições de infraestrutura, uma vez que estávamos iniciando as obras no novo campus (leia-se: Prainha). Tínhamos consciência de que haveria um aumento de demanda de tráfego e que o acesso era algo a ser pensado e planejado. Mudamos para o campus da Prainha dois anos depois e nada de acesso, agora 3 anos e meio depois ainda continuamos sem acesso e a demanda só aumenta pois continuamos a fazer nossa lição de casa.

Diante dessas questões, vale uma reflexão acerca do significado da expansão do ensino superior. Será que as Universidades têm que ficar restritas aos grandes centros, ao litoral, aos municípios que oferecem infraestrutura adequada? Será que devemos condenar as regiões mais distantes a se isolarem cada vez mais, não permitindo que sua população possa ter acesso à educação em todos os níveis? Pensando nisso é que estamos parados há cerca de 40 dias, tentando mostrar para a população que só ela é responsável pela defesa daquilo que é do seu interesse.

Por Joana Luz

quarta-feira, 21 de abril de 2010

"Sobre a Política Formal em Barreiras - Parte I", por Márcio Carvalho

Estava ouvindo a Rádio Barreiras ontem pela manhã, e uma ouvinte ligou para o programa do Fernando Pop para reclamar de uma boca de lobo entupida, há mais de um mês, no bairro de Barreirinhas. A cidadã já havia ligado para a Prefeitura solicitando providências, mas algum funcionário municipal disse que não havia “material” (ele não soube dizer exatamente o quê) para realizar o conserto. Enquanto isso, na semana anterior, alguns professores e alunos da UFBA foram a uma sessão da Câmara dos Vereadores do Município e, de acordo com o relato de Márcio Lima (no post “Ainda universidade e política”) não havia expediente, não havia sobre o que deliberar no “plenário com 190 poltronas confortáveis” (como se lê no site da Câmara Municipal de Barreiras).

Sou só eu, ou vocês também acham que há um descompasso entre a Barreiras em que vivemos e a cidade que a Prefeitura e a Câmara Municipal governam? A ouvinte de Barreirinhas vive na mesma cidade tão arrumadinha que os Vereadores não têm o que fazer?

Com esses casos em mente, fui (em companhia de alguns colegas professores) acompanhar uma sessão de nossa Câmara Municipal. Houve três votações: foram aprovados a alteração da composição do Conselho Municipal de Saúde (não foi explicada qual a alteração), um requerimento da vereadora Beza (que não foi lido em público) e um Projeto de Lei destinado a denominar o bairro que conhecemos como Prainha de... bem, Prainha.

Enquanto a palavra estava aberta aos Vereadores, ouvimos desde parabéns ao Exército por seu dia até uma digressão sobre como a caligrafia dos médicos pode ser prejudical aos pacientes; desde a informação de que 80% dos imóveis cadastrados (que serão quantos por cento do total?) não pagam seu IPTU até a reclamação de que a polícia multa condutores cometendo irregularidades, mas as ruas não têm faixas e placas; desde a opinião de que nunca, nenhuma instância do Executivo (Presidente, Governo Estadual, Prefeito [?], do presente ou do passado) fez nada por esta cidade, até dois elogios à Secretaria Municipal de Infraestrutura que já teria (tempo recorde!) consertado duas das pontes que levam Além-Grande - elogios que foram interrompidos pelo singelo "Não!" da Prof. Deborah, sentada numa das "poltronas confortáveis" do plenário. Parece que foi um dia cheio...

Mas uma fala me chamou a atenção (especialmente porque eu já estava escrevendo esta postagem): Vereador Bispo Daniel afirmou que, infelizmente, as pessoas não conhecem as atribuições da Câmara Municipal, não sabem qual é a função dos Vereadores. Mesmo pessoas graduadas (nas palavras dele) desconhecem e, por este motivo, confundem as funções do Legislativo e do Executivo. O Vereador está coberto de razão. Este é um dos problemas de nossa Democracia: as pessoas não sabem e não vêem como ela funciona (em sua "copa e cozinha", por assim dizer). Se, por exemplo, as sessões da Câmara Municipal fossem à noite, mais cidadãos poderiam acompanhá-las... mas isso é assunto para outro post.

Podemos nos perguntar, nesse ponto, se arrumar uma boca de lobo é atribuição dos Vereadores; mais ainda, podemos nos perguntar quais são as atribuições de uma Câmara Municipal. Para termos a resposta, recorremos ao Capítulo IV da Constituição Federal, que dispõe sobre as atribuições dos Municípios. Ali se lê, no Artigo 31:
Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

Começamos a entender: então, uma das atribuições da Câmara Municipal deve ser a “fiscalização” da atuação da Prefeitura (Poder Executivo). Quando o texto do artigo termina com “na forma da lei”, é sinal de que deve haver alguma legislação complementar à Constituição, e que deverá reger o modo com esta fiscalização se dará. Tal legislação é a Lei Orgânica do Município de Barreiras (algo como uma “Constituição Municipal”) que, em seu Título II - Capítulo II trata das “Competências da Câmara Municipal” e dispõe (entre várias outras atribuições):
Art.38- É de competência exclusiva da Câmara Municipal:

XI- Fiscalizar e controlar, diretamente, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;


Notem as palavras “exclusiva” e “diretamente”: elas significam que a Câmara Municipal é a única responsável pela “fiscalização e controle” da atuação da Prefeitura, e não pode delegar a ninguém esta atribuição. Um dos mecanismos previstos para esta “fiscalização e controle” pode ser visto no Artigo seguinte:
Art.39- A Câmara Municipal, pelo seu Presidente, bem como, qualquer de suas comissões, pode convocar Secretário Municipal para no prazo de oito dias, prestar pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando crime contra à administração pública a ausência sem justificação adequada ou a prestação de informações falsas.

§ 2º- A Mesa da Câmara Municipal pode encaminhar pedidos escritos de informações aos Secretários Municipais, importando crime contra a administração pública a recusa ou o não atendimento no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas.


Ora, então há um mecanismo, previsto em lei (e repetido também no próprio Regimento Interno da Câmara Municipal de Barreiras, logo em seu Artigo 2º), para que a Câmara Municipal cobre do Executivo (Prefeitura) uma atitude com respeito a qualquer assunto de relevância para o município. Isto faz todo sentido, se pensarmos em termos do arranjo institucional que divide os poderes em três (Executivo, Legislativo e Judiciário): cada um destes poderes tem como uma de suas atribuições (dadas pela Constituição Federal), a fiscalização do funcionamento das demais. Sendo o Legislativo composto por representantes da população, nada mais justo que a população, por meio dos Vereadores, fiscalize e controle a atuação do Poder Executivo (como o próprio nome diz, o Poder que “executa”, que "atua", a Prefeitura).

Assim, se a Prefeitura é responsável pela boca de lobo aberta há mais de um mês em Barreirinhas, a Câmara dos Vereadores também é responsável pela situação, uma vez que está se eximindo de sua função de “fiscalização e controle”. do atos do Executivo. Quando professores e alunos da UFBA levam aos Vereadores uma demanda legítima, e ouvem destes uma defesa da Prefeitura e elogios ao Secretário Municipal (ao invés da aplicação da lei), a Câmara Municipal se torna também responsável pela situação.

Devido o equilíbrio de forças políticas no município (envolvendo, é claro, rumores de distribuição de cargos, etc.), a Câmara Municipal de Barreiras se mostra como um “anexo” ao Poder Executivo, um “apêndice” da Prefeitura. Mas isto pode mudar, não precisa ser assim. O Legislativo pode (e deve) ter autonomia diante da Prefeitura. Cada Vereador pode cobrar, pode exigir que a Câmara exerça seu poder de fiscalização. Quando das discussões sobre orçamento, por exemplo, os Vereadores poderiam consultar a população (de verdade!) para fazer um orçamento municipal que reflita as demandas reais do povo.

E por que eles o fariam? Ora, se tudo está funcionando bem (na cidade dos “vereadores”, não na “nossa”), por que eles haveriam de querer dar ouvidos à população?

Nesse ponto entra a questão das manifestações populares. Enquanto a cidade não demonstrar sua insatisfação com o funcionamento das instituições políticas municipais, a tendência é que tudo continue na mesma. Apenas quando a sociedade civil se organizar e se mobilizar, por meio de manifestações, demandas, plenários cheios e pressão política (pois, sim, isto é atuação política, ainda que não seja “dentro” da política formal) é que os ocupantes dos cargos representativos e executivos sentirão a necessidade de mudar este jeito de fazer política. Só quando mostrarmos que a cidade “deles” não existe e que é a “nossa” cidade que queremos transformar, poderemos ter esperança por algum tipo de mudança real. É por isso que os cientistas políticos dizem que Democracia é (muito!) mais que voto, vai (muito!) além da política formal, das eleições para cargos representativos: Democracia se constrói nas ruas, fazendo a “nossa” cidade, a Barreiras real bater à porta dos nossos representantes, com suas bocas de lobo abertas e pontes caindo.

Já pensou se todos os que estão com problemas vêm fazer manifestação na porta da prefeitura? Já pensou se todos os que estão com problemas vão encher as 190 “poltronas confortáveis” do plenário, e exigir publicamente que seus Vereadores cobrem uma ação da Prefeitura? Já pensei e acho que o Município sairia ganhando (muito!).

Por Márcio Carvalho

segunda-feira, 19 de abril de 2010

“Ainda universidade e política”, por Márcio Lima

Nos dias treze e quatorze de abril, um grupo de professores e alunos da UFBA compareceu à sessão na Câmara de Vereadores de Barreiras. A ação integrou as atividades de manifestação do movimento de paralisação da universidade, que reivindica condições seguras de trânsito até o prédio da Prainha. Embora caiba ao poder executivo municipal resolver o problema, o ato foi uma forma de ampliar a busca por uma solução. Além do mais, foi muito ilustrativo estar presente àquela casa. No primeiro dia, como parece ser hábito, a sessão iniciou com a leitura da Bíblia. Mas, por falta de expediente, não teve sobre o que deliberar. Ora, numa cidade como Barreiras, a câmara municipal fica um dia sem deliberação por falta de matéria. Inacreditável. Sem trabalho, os vereadores abriram espaço para que o aluno Israel e o professor Roberto Portela se manifestassem, expondo a situação em que se encontra a famigerada ponte da Prainha. Ao fim, houve um indicativo de que seriam convocados para a sessão do dia seguinte Carlão, o funcionário da prefeitura que tem respondido pelas obras o Secretário de Infraestrutura José Antônio Alves e o representante do CREA, que, era esperado, naquele mesmo dia emitiria um laudo ratificando o que todos já sabiam, isto é, a falta de condições de trafegabilidade da ponte.

Já na quarta, após a leitura da Bíblia e dos itens que comporiam o expediente do dia, foi informado que Carlão o Secretário de Infraestrutura sequer tinha sido convocado, pois o laudo do CREA não teria condições de chegar à sua mão em tempo hábil. Mais uma vez, foi concedida a palavra para o professor Roberto Portela, que leu, finalmente, o laudo. Àquela altura, na qual o conteúdo do documento já era de conhecimento prévio, o que o episódio revelava era a atuação do poder público diante do problema, numa clara demonstração de incompetência, descaso, falta de preparo para enfrentar uma crise como essa. Ora, se o professor teve acesso ao lado em tempo hábil até o início da sessão, por que Carlão o Secretário de Infraestrutura não tivera? Em vez de se esquivar de convocá-lo de antemão, a câmara não teria que pressioná-lo a estar ali? Mas logo a seguir ficou claro por que os vereadores tomaram essa decisão. Eles parecem estar ali não para representar os interesses da sociedade, mas para servir ao poder executivo.

Diante de professores e alunos que estão encabeçando um movimento de proporções talvez desconhecidas de Barreiras, o que fazem alguns vereadores da cidade? Começam a entoar um canto de louvor à prefeita. Pensaram eles que as pessoas envolvidas no movimento de paralisação que já dura mais de trinta dias seriam convencidas por um discurso laudatório como aquele? Obviamente que o despreparo para ocupar uma função como a que ocupam os deixou perdidos. Mas, além disso, os vereadores parecem não ter se dado conta da grandiosidade do problema e, por consequência, do movimento que ele ensejou. O posicionamento da câmara de vereadores talvez demonstre a relação entre sociedade e poderes públicos. Estes, omissos já há muito tempo e desacostumados a serem pressionados, não são capazes minimamente de encarar frente a frente os problemas que uma situação como essa desencadeia. Ainda que a câmara quisesse escudar o poder executivo, que o fizesse de outro modo, não como fez, como se um simples discurso vazio fosse minimamente aceitável para contornar a situação.

Porque não tinha sido ainda posta à prova, parece que a câmara de vereadores não se dera conta da gravidade do problema e, pari passu, da seriedade do movimento de paralisação. Ora, no início das manifestações, quando houve a passeata até a prefeitura e que culminou na ação truculenta (para dizer o mínimo) da polícia, aqui e ali se ouvia dizer: já pensou se todos os que estão com problemas vêm fazer manifestação na porta da prefeitura? Isso demonstra bem o tipo de relação que se estabeleceu entre o poder público e a sociedade, como se fosse esperado que cada qual cumprisse bem seu papel, cabendo ao primeiro omitir-se e à segunda calar-se (ao menos publicamente, pois reclamar, todos reclamam). Se o ato mesmo de reivindicação da UFBA – como temem alguns – fará com que isso mude doravante, ninguém sabe; mas, para fazer coro com a câmara de vereadores em pelo menos um ponto, vale lembrar um preceito bíblico: olho por olho, dente por dente

Por Márcio Lima

sexta-feira, 9 de abril de 2010

“A Propósito da Mobilidade Urbana em Barreiras”, por Paulo Baqueiro (Professor da UFBA)

Neste momento, em que professores, estudantes e funcionários da UFBA estão impedidos de exercer suas atividades pela falta de condições adequadas de tráfego no caminho que dá acesso ao “Além Rio de Ondas”, a discussão que proponho agora parece oportuna, ainda que não trate diretamente do imbróglio da Prainha.

A Praça da Mobilidade, a ser construída em Barreiras, é vista como um marco da acessibilidade na “capital do Oeste”. Proposto pela prefeita Jusmari Oliveira ainda em campanha, o dito espaço público, localizado em Barreirinhas, na margem direita da BR-242 (sentido Luís Eduardo Magalhães), terá, segundo a municipalidade, toda a infraestrutura necessária para o acesso e usufruto de portadores de necessidades especiais, além de crianças e idosos, a parcela populacional usuária por excelência desse tipo de equipamento urbano.

Com a decisão de edificar a praça, parece evidente, ao menos à primeira vista, que a gestão pública municipal dá um passo decisivo no sentido de promover a inclusão daqueles que, por um motivo ou por outro, não podem conviver plenamente com os seus concidadãos. Mas uma simples caminhada pelas ruas da cidade revela que, mais do que a chegada de uma nova era de prevalência do respeito sobre a intolerância, essa praça, se construída, representará, na verdade, uma ironia dirigida aos barreirenses.

Tratar da mobilidade urbana é oferecer a todo cidadão as condições plenas de acesso a qualquer fragmento da cidade e não apenas a um determinado espaço, fartamente dotado da infraestrutura que deveria estar disponível em todas as esquinas, vias, calçadas e praças de Barreiras.

Não há como negar que, para qualquer barreirense, independente da condição física que possua, o deslocamento pela cidade é um exercício de paciência e uma atividade audaciosa. Calçadas e vias em péssimo estado de conservação garantem a aventura para quem precisa sair de casa para estudar, trabalhar ou passear.

As calçadas são irregulares na altura, na largura ou no tipo de piso utilizado, muitas delas construídas como verdadeiros monumentos à megalomania, ou seja, excessivamente altas. Além disso, a enorme quantidade de buracos e a inexistência de rampa de acesso na maioria dos cruzamentos completam o quadro de negligência da municipalidade em relação às calçadas.

As ruas e avenidas da cidade não apresentam condições mínimas de trafegabilidade. A cada temporada de chuvas, o asfalto, de péssima qualidade, se desmancha como se fora feito daquela famosa pastilha de antiácido efervescente. As demais vias, ainda sem cobertura asfáltica, têm sulcos provocados pelo escoamento das águas pluviais que mais parecem trincheiras da Primeira Guerra Mundial.

Outro tema que diz respeito à mobilidade urbana, mas que não recebe qualquer atenção da municipalidade é o da instalação de ciclovias e ciclofaixas, uma solução inteligente para o transporte público das cidades grandes e médias.

Pesquisa do Ministério dos Transportes dá conta de que 29% dos brasileiros utilizam a bicicleta como meio de locomoção, mas que a quantidade de quilômetros de ciclovias e ciclofaixas instalados nas cidades está aquém das necessidades desses cidadãos ciclistas.

Barreiras, cidade média, com transporte público deficiente e excelentes condições de uso para a bicicleta, não contempla projetos para instalação de vias exclusivas para ciclistas, ainda que já existam indícios de saturação da atual malha viária da cidade. Aliás, aproveito o ensejo para reivindicar que, quando a municipalidade resolver instalar um acesso digno ao Campus da Prainha, que o faça com uma ciclovia.

Razões não faltam, enfim, para que se chegue à conclusão do quão irônica é a construção de uma Praça da Mobilidade em uma cidade onde tal princípio é negado.

Por Paulo Baqueiro