quinta-feira, 14 de julho de 2011

"As Orelhas do Agrofúndio Brasileiro", por José Antonio Lobo

Com uma postura crítica sobre as contradições e controvérsias da questão agrária no Brasil o professor da USP, José de Souza Martins, vai nos dizer que duas questões ainda estão muito mal resolvidas no país. A primeira é a escravidão, a qual permanece no campo tendo a modalidade da dívida e do isolamento de trabalhadores como estratégias. A segunda é a permanência da estrutura latifundiária no campo, a qual nasce na semeadura das capitanias hereditárias, nas sesmarias e na Lei de Terras de 1850, porém, como nos diz Martins, são apenas sementes, pois o que vai consolidar de fato o agrofúndio brasileiro é o desenvolvimento de um padrão capitalista fortemente atrelado aos interesses de agentes classistas que Karl Marx vai chamar de proprietários fundiários.

Com base na idéia da permanência da escravidão e do latifúndio no Brasil como categorias de norteamento da exploração do trabalho é que vamos refletir um pouco sobre a velha cultura coronelista de decidir sobre a morte e a vida de trabalhadores rurais e urbanos que resolvem enfrentar o agrofúndio para manter a posse de suas terras e a dignidade do trabalho familiar. As últimas 4 mortes de camponeses registradas na região norte do país refletem a contraditória e conivente relação entre o Estado, o capital e o uso da terra como instrumento de poder.

Um fato que chama bastante a nossa atenção é que os covardes assassinatos estão acontecendo de forma paralela aos recordes de produção de grãos no Brasil e ao possível crescimento da participação do agrofúndio no PIB nacional. Somando-se a isso, também registramos o crescimento da bancada ruralista no Congresso Nacional e a modificação do código florestal. É muito coincidente registrar uma onda de assassinatos de camponeses justamente num momento em que o agrofúndio ganha espaço e se “territorializa” tanto nos estados, a exemplo, de Mato Grosso, Pará e oeste da Bahia quanto no Congresso Nacional.

O que fica claro é que para parte dos grileiros, madeireiros, sojicultores, criadores de gado e outros não basta assassinar uma família camponesa também tem que arrancar e trazer a orelha, essa orelha, certamente vai servir de recado para outras lideranças e famílias camponesas como também vai servir para alimentar e perpetuar a cultura do poder da terra de negócio e a conivência histórica do Estado Brasileiro diante dessas questões. Um Estado Nacional que se formou no seio do agrofúndio desde a colônia, passando pelo império até chegar na dita república atual.

Hanna Arendt vai nos trazer uma discussão muito fértil e atual sobre as formas terroristas de intimidação cujo uso é sempre voltado para os interesses dos agentes que querem controlar a terra, a água, a liberdade política e até mesmo as orelhas das pessoas. Atos terroristas, a exemplo, dos assassinatos de camponeses e a retirada das orelhas não acontecem somente para eliminar um representante popular, mais sim para espalhar o medo e o terror com o perverso objetivo de matar a ação política daqueles que não se curvam aos desmandos do agrofúndio. Atitudes arcaicas e coronelistas como essas mostram o quanto o nosso Brasil está mergulhado numa modernidade arraigada na exclusão e na perversidade social.

A resistência histórica dos camponeses que lutam para simplesmente poderem sobreviver na terra de trabalho é uma marca de vida que não será maculado muito menos apagada pela sede de orelhas do agrofúndio brasileiro, mesmo com a “territorialização” dos covardes atos totalitaristas materializados nos assassinatos e nas perseguições que a mais de 500 anos acontecem no Brasil.

É bom lembrar que as orelhas cortadas que servem como instrumento de poder para determinados agentes do agrofúndio também são as orelhas que captam os sons da vida e transformam isso em perseverança, luta e resistência na terra de cultura e de trabalho. Para os que pensam que vão sufocar os movimentos de luta pela terra de trabalho com práticas totalitárias e terroristas recomendo ter cautela porque quando se luta pela vida e a vida é a própria luta os limites desaparecem, e a resistência revolucionária emerge como elemento de construção de nossa própria história.

Camponeses na luta com enxada, facão e mãos calejadas resistindo e com suas orelhas ouvindo os sons da vida na construção de uma nova nação.

por José Antonio Lobo dos Santos
Professor assistente do Curso de Geografia do
Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável/UFBA.

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