quinta-feira, 25 de agosto de 2011

“Do Crescimento Econômico ao Desenvolvimento Econômico e Humano: um caminho a ser construído!”, por Márcia De Liberal

Entre os dias 15 a 20 de agosto, aconteceu no ICADS/UFBA o Fórum sobre Desenvolvimento Humano e Econômico em Barreiras organizado pelo PET Humanidades – Programa de Educação Tutorial, durante o qual foram abordados temas de extrema relevância para o futuro da nossa região, tais como: Crescimento Econômico, Políticas Públicas em Saúde, Políticas Públicas em Educação, Políticas Públicas em Habitação, Políticas Públicas em Saneamento Básico e Desenvolvimento Humano, discutidos entre professores especialistas nas áreas e gestores públicos da cidade.

Na palestra intitulada O Crescimento Econômico em Barreiras, buscou-se esclarecer a diferença existente entre os conceitos de Crescimento Econômico e Desenvolvimento Econômico, mostrando que o primeiro é mais restrito, pois está centrado no aumento quantitativo da capacidade produtiva e, principalmente, na renda. Já o segundo conceito, baseado na transformação qualitativa da estrutura da economia, abrange todas as formas possíveis de melhorias na qualidade de vida advindas do crescimento da economia, incluindo a diminuição na taxa de analfabetismo, o aumento na expectativa de vida, as melhorias na qualidade da educação e da saúde, o aumento da oferta de emprego, o saneamento, a preservação do meio ambiente, entre outras.

Dessa forma, o objetivo central era expor que uma realidade social pode ser modificada com a colaboração ativa de todos os integrantes da sociedade envolvidos no processo. Sendo assim, é necessário compreender que o desenvolvimento econômico é sempre uma consequência do crescimento econômico, relação esta que nunca se dá de forma contrária. Portanto, sabemos se um país teve ou não Crescimento Econômico observando a taxa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto: é o valor monetário total de todos os bens e serviços finais produzidos na economia de um país durante o período de um ano); e, se teve ou não Desenvolvimento Econômico observando os diferentes indicadores do Desenvolvimento Humano.

Analisando esta visão da conjuntura macroeconômica sobre o potencial de Barreiras, sem excluir todos os impasses dos conflitos ambientais gerados pelo agronegócio, é importante ressaltar que um dos pontos fortes da região está justamente neste segmento da economia e os seus possíveis desdobramentos. Isso inclui a implantação de um parque industrial, implica no aumento da oferta de empregos, agrega valor aos produtos e aos serviços, além de promover a chegada de novas universidades que devem funcionar como centros de conhecimento teórico e prático, tendo em vista a elaboração de propostas voltadas para tratar das questões locais e que apresentem condições viáveis de transformar a vida da cidade e dos seus habitantes. Para isso acontecer, é preciso entender que só é possível ultrapassar e vencer a fronteira da pobreza com oportunidades capazes de gerar melhorias em todos os aspectos da vida social.

Vale lembrar ainda que, apesar do reconhecimento dos malefícios de um trabalho executado sem planejamento e sem equilíbrio no setor primário da economia, em especial a desigualdade no acesso aos alimentos por parte da população em nível mundial e o desmatamento de florestas que deveriam ser preservadas para manter o ecossistema, o agronegócio praticado sob a orientação de profissionais qualificados e ambientalistas pode ajudar o mundo a ser um lugar onde todos possuam chances de viver com dignidade e comprometimento com as futuras gerações. O célebre poeta inglês, William Blake, que deixou para a posteridade a frase “Onde o homem não está, a natureza é estéril”, leva-nos a refletir melhor sobre a importância da consciência humana no trabalho sustentável com a terra.

Para finalizar, são importantes os seguintes questionamentos: Almejamos ver a cidade de Barreiras inserida em um programa de crescimento econômico e sustentável permanente com conquistas no campo sócio-econômico? E, por que não toda a região oeste da Bahia? Se assim for, não basta apenas pensar em realizações do ponto de vista individual ou meramente mercadológicas. Somos responsáveis pela promoção de uma visão ampliada de sociedade, uma vez que, cada cidadão pode dar a sua contribuição inserindo-a em um contexto mais abrangente capaz de traduzir a ideia e o sentido de coletividade.

Este caminho almejado pode ser construído!

por Márcia Mello Costa De Liberal
Professora Adjunto do Curso de Administração
ICADS/UFBA

terça-feira, 23 de agosto de 2011

" 'Sou agro'. Cuidado!", por Martin Mayr

O agro-empresariado brasileiro anda preocupado com a sua imagem. Recentemente, o setor lançou a campanha “Sou agro”. Gente da popularidade de Lima Duarte e da lindeza de Giovana Antonelli fica encarregada a confidenciar ao povo brasileiro como seja legal virar agro. Na cantada, ouve-se muito de “campeões de tecnologia”, “provedores de divisas”, “ambientalistas natas”, “patriotas de verdade”, etc. Entretanto, a tecla mais batida pela campanha é a seguinte: “Somos nós que alimentamos o mundo”.

Este afirmação contém umas verdades e esconde muitos problemas. Sem dúvidas, Brasil dispõe sobre condições privilegiadas para produzir grãos, fibras, óleos, leite e carne em altas escalas, o que acaba favorecendo toda comunidade dos consumidores com um abastecimento constante a preços (cada vez menos) pautados pela grande oferta.

Mas, os manejos industriais de tirar alimentos, fibras e energia causam enormes problemas ambientais, uma crescente concentração fundiária e o esvaziamento populacional da zona rural. Os “agros” consideram tais conseqüências como secundárias, toleráveis em vista do seu papel como fiadores da segurança alimentar e energética global. A sociedade, assombrada com o fantasma de uma superpopulação faminta, tende a conformar-se com a sobreposição do agronegócio grande. Por conseguinte, o governo, pouco questionado pela sociedade, continua subsidiando fortemente o setor, com políticas ao gosto do agro-lobby.

A onda marqueteira do agronegócio brasileiro promete alimentar o mundo graças a excelência da sua tecnologia e do aproveitamento racional do espaço. Na realidade, porém, tal compromisso é cheio de ambiguidades e parcialidades. Seguem umas considerações que não fazem parte do discurso dos “agros”, mas precisam ser levadas em conta, sob ameaça de caríssimos enganos.

1. Pelos levantamentos da “Organização das Nações Unidas pela Agricultura e Alimentação – FAO”, 64 % dos alimentos plantados no Brasil acabam no lixo, perdidos nos campos, nos transportes, nos armazéns, nas indústrias, nos pratos. O bom senso conclui que antes de produzir mais, devemos desperdiçar menos. Isto é possível. A própria FAO recomenda medidas que permitem reduzir as percas mela metade, disponibilizando enormes quantidades de comida sem que alguém precise consumir menos. Entretanto, economizar mais e desperdiçar menos significará uma redução na demanda de sementes, adubos, defensivos, máquinas, etc. E isto é justamente o contrário ao que interessa os “agros”.

2. Os “agros” costumam desperceber que uns comem em excesso enquanto outros passam fome. Ignoram que a crise de alimentação anda associada a uma crise nutricional que espelha a crise civilizacional do mundo industrializado. Parece que os “agros” acham desejável que todo mundo se aproprie do mesmo padrão alimentar e nutricional das sociedades ricas. Nas mesmas, as pessoas engolem – para citar um exemplo – em média 90 kg de carne por ano; o que não lhes faz nada bem, mais ocupa cerca de 70 % das terras agriculturáveis com a produção de ração animal para alimentar os bichos. A maior parte da soja não é convertida em alimento humano, e sim em ração animal, principalmente para criar gado, porcos e frangos. Pelo “Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas”, a demasiadamente aumentada criação de gado no mundo é considerado como uma “bomba climática”, já que os puns e arrotos dos animais provocam uma constante emissão de metano, um gás bem mais nocivo ao clima do que o carbono dióxido. Constrange que ao menos oito de dez “agros” acham isto ridículo.

3. A expansão agropecuária desejada pelos “agros” significa pressões ambientais muito além das razoavelmente conhecidas conseqüências de desmatamento, esgotamento de água doce e eliminação da biodiversidade. Muitas pressões não acontecem necessariamente na região da exploração agropecuária. Seguem dois exemplos. A exorbitante maioria dos solos brasileiros depende de fertilizantes. Tais demandas vêm provocando uma crescente onda de minas para suprir a dependência do exterior (p.ex. 90% do potássio é importado). Hoje, a agricultura intensiva acaba sendo uma das mais fortes incentivadoras da expansão dos empreendimentos de minério, particularmente em regiões ecologicamente muito sensíveis como a Amazônia. – Muito menos visível ainda é a passagem dos agro-defensivos pelo organismo dos consumidores. Olhando para Giovana Antonelli, quem é que repara que a mesma é sujeita de digerir anualmente 3,6 litros de agrotóxicos, o que é a média consumida pelos/as compatriotas brasileiros/as? Brasil é campeão mundial na aplicação de agro-tóxicos. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) mostram que 15% dos alimentos consumidos pelos brasileiros apresentam taxa de resíduos de veneno num nível prejudicial à saúde. Não há nada de conforto no fato que os “agros” engolem o mesmo tanto de veneno quanto a tremenda maioria dos demais brasileiros/as.

4. Amartya Sen, economista indiano laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1998, demonstrou no seu livro “Poverty and famines” que as crises de fome, com raras exceções, não existem por falta de alimentos e sim por falta de acesso a tais. O arroz existe, mais o faminto carece do tostãozinho para adquiri-lo. Portanto, há um pressuposto precipitado no lado dos “agros” quando alegam que a sua capacidade produtiva salvará as pessoas da fome. Quem diz que futuramente os pobres terão mais facilidade de comprar a produção dos “agros” do que hoje? Os índices de preços apontam para o lado oposto: Convivemos com um encarecimento assustador dos alimentos básicos. Se os “agros” fossem realmente preocupados com o abastecimento alimentar do mundo, perseguiriam, antes de tudo, as metas de rebaixamento dos preços, e subsidiariam massivamente campanhas que combatem a pobreza. (Aliás, a história mostra que o combate à pobreza é a medida mais eficiente para combater o crescimento populacional – o inverso, além de ser autoritário, surte menos efeito.) Pelo visto, não tem nada disto na sua campanha.

5. Lembrando o famoso ditado de Ivan Illich: “A sede virou Coca Cola”, pode-se constatar que na lógica dos “agros” a fome vem virando “Monsanto”, “Nestlé”, “Kraft Foods”, etc. São mega-grupos que conseguem transformar seus produtos em necessidades. No entanto, olham muito antes para o valor das suas ações do que para a fome do mundo. Parece até tragicômico como a maioria dos “agros” menores se joga nos braços dos “meta-agros”, os quais impõem nem somente as regras de jogo em toda cadeia agro-industrial, como também prescrevem cada vez mais a fixação dos preços nas bolsas internacionais onde os alimentos viram meros ativos financeiros. Cada vez menos, os preços dos alimentos respondem à real oferta e procura, e sim, refletem os caprichos especulativos em torno de safras nunca colhidas, percas nunca materializadas, transações nunca efetuadas. São os super-capitalizados “Monsanto”, “Nestlé”, “Kraft Foods”, etc. que lucram com isto. No outro lado, os que mais necessitam de reais alimentos são os que pagam mais caro neste sistema perverso. Queriam distância dele, almejam “soberania alimentar” – um termo, contudo, que não consta no vocabulário dos “agros”.

Diante da promessa dos “agros” de alimentar o mundo, vale citar o ditado de um povo africano muito experimentado com a fome: “As asas maiores não garantem o vôo mais alto”. É o que os “agros” negam na sua campanha triunfalista, como banalizam os impactos nocivos das suas atividades. Cuidado, então, com as cantadas de Duarte e Antonelli.

por Martin Mayr
Agência 10envolvimento – Barreiras – BA
Agosto de 2011