quinta-feira, 28 de julho de 2011

"Demagogia atuante", por Márcio Lima

Comecei a escrever um comentário ao último e excelente texto de Márcio de Carvalho, mas como me estendia demais, achei melhor publicar em forma de um novo post. As reflexões políticas em torno da democracia são quase tão antigas quanto o próprio regime. Talvez pela natureza do embate de ideias que ela permite e da qual depende, a democracia tenha sido mesmo o solo fértil de onde floresceu todo o nosso pensamento político ocidental. Como quase sempre, foi Platão quem nos forneceu as bases para uma reflexão mais profunda.

Mestre e personagem de quase todos os Diálogos escritos por Platão, Sócrates, como todos sabem, foi condenado à morte após um processo que trazia em si duas acusações centrais: impiedade diante dos deuses e corrupção da juventude. O que muitos desconhecem é que o filósofo foi condenado por um regime democrático. Sabe-se que a democracia é invenção grega; sabe-se que Sócrates foi condenado à morte. Nem sempre se sabe, porém, que os dois fatos estão intimamente ligados.

Na verdade, o processo contra Sócrates foi o coroamento das disputas políticas e das inimizades que o filósofo atraiu em anos de prática discursiva nas ruas de Atenas. Crítico mordaz da democracia, foi ele quem primeiro apontou a natureza problemática desse regime. E dois problemas por ele questionados foram precisamente o da forma como se dava a participação e a necessidade de conhecimento técnico na hora da tomada de decisões. Aquilo, portanto, que Márcio Carvalho discutia e seu texto. O decisivo nos textos de Platão é que a argumentação filosófica se alia à experiência existencial. Assim, as reflexões socráticas em torno das duas questões podem ser realçadas com a atuação do próprio Sócrates na vida democrática de Atenas.

Em um evento histórico, a batalha de Arginusas, aconteceu de generais atenienses regressaram de uma batalha sem recolher os corpos dos mortos em combate. Como mandava a lei, todo ateniense tinha direito às honras fúnebres. Os generais, deixando os corpos para trás, negaram aos mortos um direito sagrado. Foram, por isso, levados a julgamento. Justamente nesse processo, Sócrates foi sorteado para ser o juiz máximo do tribunal. A lei dizia que cada general deveria ser julgado separadamente, mas o povo decidiu julgá-los em bloco e condená-los à morte. O filósofo viu a fissura básica da democracia, pois o povo não conhecia as leis e julgava como se estivesse acima delas; a essa primeira inconsistência, somava-se outra: a atuação dos retóricos e demagogos. Aquele que mais estivesse em condições de convencer o “demos” seria condutor de suas decisões.

Ao longo de seus Diálogos, Platão expõe inúmeras vezes a polêmica de Sócrates contra os sofistas e as fragilidades da democracia. Numa passagem bastante dramática, quando ameaçado por um de seus interlocutores, Sócrates afirma que ele e o demagogo diante do povo são como um médico e um cozinheiro ante uma criança. Sócrates é o médico e propõe um tipo de alimentação que não agrada a criança, mas lhe faz bem; o demagogo é o cozinheiro que, para aliciá-la, oferece pratos saborosos, mas que sabidamente vão lhe fazer mal. Desde então, é inevitável dissociar da democracia a figura do demagogo. Tanto é assim que em seu clássico texto, A política como vocação, Max Weber o elege como um tipo característico da política ocidental.

Embora nossa democracia seja em essência diferente da ateniense de Sócrates, talvez seja impossível anular a atuação do demagogo na hora da participação do povo. Daí Márcio Carvalho ter lembrado que uma das formas de resguardar a integridade do regime seja reservar muitas decisões àqueles que têm conhecimento técnico. A rigor, em Atenas já era assim, pois o povo deveria no mínimo conhecer as leis, mas na prática as coisas se passavam de outra forma. Isso talvez explique por que deixamos de lado a democracia direta, como a ateniense, e adotamos uma forma representativa. As democracias modernas não dão ao povo o poder de decidir tudo o tempo todo. As raras exceções são os plebiscitos. Usando o exemplo dado por Márcio Carvalho, seria impossível submeter à apreciação universal qual taxa de juro adotar porque o povo não tem conhecimento técnico para decidir e certamente haveria um demagogo a defender em nome do povo uma taxa que supostamente lhe beneficiasse. Seria o típico caso da disputa desleal entre o médico e o cozinheiro. É possível, então, ao povo, furtar-se a atuação dos demagogos? Parece que não.

Diferente da tradição clássica que se inicia com Platão, Maquiavel vai ditar novos rumos para a teoria política. Tomando os homens como são, em vez de refletir sobre regimes que nunca existiram e que jamais existirão, o pensador florentino pensa uma atuação política do Príncipe a partir da verdade efetiva das coisas. E ninguém na história jamais foi tão vilipendiado por dizer tanta verdade. Numa Itália dividida em várias cidades enfraquecidas, Maquiavel considerava urgente que um príncipe não apenas as reunisse, mas que mantivesse o poder. Para tanto, seria necessário considerar a natureza pérfida dos homens e o preceito de que o povo quer ser enganado. É preciso ser bom, mas sobretudo entrar no mal, pois em poucas oportunidades o príncipe teria de ser bondoso, mas constantemente agir de acordo com o maldade. Ora, para cada conselho que dá, Maquiavel arrola uma gama de exemplos tirados da história, mostrando-nos, com eles, que as ações bem sucedidas são efeitos de ações que, via de regra, todos consideram más.

Meu amigo Pedro, professor da engenharia, em conversas que tivemos outro dia, lembrava-me do assassinato de César em pleno Senado. Participaram do conluio vários de seus antigos aliados, sendo o cabeça do golpe seu grande amigo Brutus. Daí a famosa frase que reflete o espanto de um César já ensangüentado: até tu Brutus? Brutus é sempre descrito como um tipo ponderado e parcimonioso, mas que olha sempre de soslaio. Talvez o mais perigoso tipo de demagogo. A ação de Brutus antecipa em vinte séculos a política defendida pelo presidente Americano Roosevelt, conhecida como Big Stick (Grande porrete). Seu lema era: "fale com suavidade e tenha à mão um grande porrete" (Speak softly and carry a big stick). Na frente, seja doce, sorridente, suave, agrade a todos; tenha, porém, sempre à mão o porrete para bater quando o outro virar as costas.

Mas o que Pedro lembrava é que, em nome do suposto perigo que representava César, os conspiradores o assassinam em pleno Senado, o lugar mais significativo da República Romana. Tal como no caso de Sócrates, são aqueles que mais falam em defesa dos direitos e da democracia os que agem de forma tirânica e ditatorial. De fato, é de desconfiar quando, em pleno regime democrático, alguém ou um grupo comece a invocar os valores da democracia e os perigos que ela corre. Na história recente do Brasil, tal como os acusadores de Sócrates e os assassinos de César, tivemos um golpe de Estado que engendrou uma ditadura de 21 anos, cujos arautos diziam temer pelo estado democrático, daí a tomada do poder. Essa, aliás, é uma acusação que o próprio Sócrates já fazia quando alertava que a democracia corria sempre o risco de tornar-se uma ditadura porque o povo se deixa iludir pelo discurso de quem se diz ser a única salvação para o regime da liberdade. Assim é que não raro surgem ao longo da história os caudilhos, ditadores e tiranos de toda sorte. Quando assumem o poder, some a fala suave e resta apenas o porrete.

Antes de me encaminhar para a conclusão, queria lembrar a interpretação genial que Rousseau fez de Maquiavel. Para o filósofo francês, O Príncipe não é um livro escrito para o soberano. Toda a maquinaria do poder que Maquiavel expõe seria justamente para que o povo pudesse ter conhecimento das estratégias políticas e assim poder se defender delas. Pelo menos num ponto Rousseau tem razão, pois se é certo que Maquiavel é o instrumento eficaz para a atuação política, não é menos verdade que ele nos ajuda a proteger-nos dessa mesma atuação. Ganhamos com O Príncipe não apenas regras para conquistar e manter o poder, mas um poderoso instrumento de análise que nos permite desconfiar das táticas para sua aquisição. Quando virmos um político sorridente, com fala suave, tentando agradar a todos, devemos ter o cuidado de olhar se ele não traz um porrete escondido. E todo demagogo de agora já foi posto diante de nossos olhos nas análises e exemplos que Maquiavel nos deixou em. Daí o outro preceito do filósofo de que a história é a mestra da vida.

Acredito que, em termos nacionais, o Brasil tem feitos avanços políticos. Temos hoje instituições mais sólidas, eleições asseguradas, mandatos presidenciais concluídos, o que sempre foi raro em nossa jovem República. Na mesma escala nacional, o que continua podre é um congresso formado por políticos eleitos em seus currais eleitorais, onde ainda temos uma política efetiva que expressa a velha e bolorenta noção de um país atrasado, com compras de votos, desmandos, ineficiências as mais esdrúxulas, enfim, o palco onde o mais das vezes atuam só os demagogos. Como o povo jamais vai ler Maquiavel, é preciso encontrar outra solução para atenuar os efeitos da demagogia. Wagner Teles começou a fazer o trabalho, denunciando a apropriação do trabalho alheio que sido feito nos últimos tempos por estas paragens.

por Márcio Lima

sexta-feira, 22 de julho de 2011

"Democracia Omissa", por Márcio Carvalho

Alexis de Tocqueville foi um grande pensador político francês do Século XIX. Em seu livro Democracia na América, repleto de análises que continuam pertinentes e atuais, o autor externa a preocupação a respeito da ausência do povo nos negócios do governo. O maior receio futuro de Tocqueville é a omissão dos cidadãos em favor de um poder tutelar – e o fato de que os representantes deste poder sejam eleitos não altera coisa nenhuma...

Das cidades nas quais morei, Barreiras é aquela na qual mais se fala sobre política nas ruas; entretanto, posso afirmar que é aquela na qual o povo é menos politizado. Paradoxo? Não. Fala-se muito sobre política, mas se age pouco em termos políticos concretos.

Quando uma rua é asfaltada (raro!) foi "a" prefeita. "Jaques Wagner" não apóia a região oeste. O asfalto da rodovia é responsabilidade de "Dilma". Nunca se fala nas instituições, apenas nas pessoas. E a personalização das questões retira delas seu conteúdo político, uma vez que passa a se tratar de questões pessoais; desta maneira, inviabiliza-se a ação política coletiva, visando influenciar o processo de tomada de decisões destas instâncias, para que levem em consideração os interesses de importantes setores da sociedade civil.

Isto significa que deveríamos ter como horizonte uma democracia totalmente direta, em que todas as decisões são tomadas em assembléia? Poderíamos imaginar que, desta forma, os interesses majoritários da comunidade seriam atendidos. Minha resposta é: nem sempre. Vou me apoiar em outro filósofo para prosseguir o argumento, Bertrand Russell (no livro Poder: Uma nova análise social): "A Democracia como método de governo está sujeita a algumas limitações que são essenciais... [as quais] surgem principalmente de duas fontes: algumas decisões têm que ser rápidas e outras exigem conhecimento especializado"

Comecemos com a velocidade: não é possível chamar uma assembléia ou plebiscito a cada decisão a ser tomada em sua instituição, universidade, município, estado ou país. Algumas questões precisam ser abordadas de imediato; o planejamento de qualquer ato de gestão se torna impraticável sem que haja um direcionamento central que possa resolver divergências entre os diferentes interesses que se apresentam em qualquer comunidade.

Quanto à especialização, há questões que devem ser decididas tecnicamente. Não seria prudente realizarmos um plebiscito a cada mês para saber se a população acredita ser melhor aumentar ou diminuir a taxa de juros, pelo simples motivo que a maioria de nós não tem capacidade técnica para analisar a economia nacional e tomar esta decisão. Uma assembléia não deveria ter o poder de desconsiderar um parecer técnico expedido por especialistas numa determinada área (deveria poder, sim, pedir a opinião de outros especialistas).

Quando não se leva estes fatores em consideração, temos uma forma degenerada de democracia, uma democracia "de fachada", um assembleísmo que tende a desorganizar o planejamento e as atividades necessários para gestão. Diga-se de passagem, assembleísmo populista, pois o povo fica feliz achando que participa das decisões, sem perceber que está, na verdade, partilhando a responsabilidade pela ineficiência.

Voltando a Russell, "devido a estas limitações essenciais, muitos dos assuntos mais importantes têm que ser confiados ao governo, pelo eleitorado". Institui-se, assim, uma instância executiva, que precisa lidar com o funcionamento cotidiano, a gestão mesma de uma organização, e uma instância "legislativa", que pode realizar planejamentos de mais longo prazo. Cabe lembrar que esta última pode funcionar como assembléia (participação efetiva de todos) ou ser representativa.

Qualquer que seja o caso e com respeito a ambas as instâncias, voltamos àquela preocupação inicial de Tocqueville: não basta votar em alguém e se retirar do cenário. Isto não vai contra a afirmação de Russell que abre o parágrafo anterior, pois mesmo naqueles assuntos em que a decisão deve ser tomada sem consulta à população, gestores e governos devem prestar contas por assumir tal ou qual postura.

A solução necessária é a "liberdade política", definida por Gerard Lebrun (em O Que É Poder) como "a participação efetiva dos cidadãos nos negócios públicos. Só ela pode impedir a atomização do tecido social que favorece o despotismo". Esta participação se dá pela ocupação efetiva de espaços políticos e públicos. Não basta ficar nas mesas de bar, calçadas e corredores reclamando dos gestores (personalismo): temos que nos mobilizar e reivindicar nossos interesses, quando não for possível atingi-los por nós mesmos. Foi o que a comunidade UFBA fez no ano passado (vejam post de Wagner Teles sobre o caso).

Um interesse importante em nossa cidade é que as instâncias descritas acima sejam efetivamente independentes, de forma a que uma possa fiscalizar o funcionamento da outra; em outras palavras, a Câmara dos Vereadores não deveria ser mero apêndice do Executivo Municipal. Este espaço pode ser ocupado pela população, seja individualmente cobrando seus Vereadores, seja organizando movimentos para mobilizar a Câmara como um todo, ou ainda participando em todas instâncias em que tem representação e voz.

Lembrem-se, apenas, que estes espaços não são dados: precisam ser conquistados.

por Márcio Carvalho

quinta-feira, 14 de julho de 2011

"As Orelhas do Agrofúndio Brasileiro", por José Antonio Lobo

Com uma postura crítica sobre as contradições e controvérsias da questão agrária no Brasil o professor da USP, José de Souza Martins, vai nos dizer que duas questões ainda estão muito mal resolvidas no país. A primeira é a escravidão, a qual permanece no campo tendo a modalidade da dívida e do isolamento de trabalhadores como estratégias. A segunda é a permanência da estrutura latifundiária no campo, a qual nasce na semeadura das capitanias hereditárias, nas sesmarias e na Lei de Terras de 1850, porém, como nos diz Martins, são apenas sementes, pois o que vai consolidar de fato o agrofúndio brasileiro é o desenvolvimento de um padrão capitalista fortemente atrelado aos interesses de agentes classistas que Karl Marx vai chamar de proprietários fundiários.

Com base na idéia da permanência da escravidão e do latifúndio no Brasil como categorias de norteamento da exploração do trabalho é que vamos refletir um pouco sobre a velha cultura coronelista de decidir sobre a morte e a vida de trabalhadores rurais e urbanos que resolvem enfrentar o agrofúndio para manter a posse de suas terras e a dignidade do trabalho familiar. As últimas 4 mortes de camponeses registradas na região norte do país refletem a contraditória e conivente relação entre o Estado, o capital e o uso da terra como instrumento de poder.

Um fato que chama bastante a nossa atenção é que os covardes assassinatos estão acontecendo de forma paralela aos recordes de produção de grãos no Brasil e ao possível crescimento da participação do agrofúndio no PIB nacional. Somando-se a isso, também registramos o crescimento da bancada ruralista no Congresso Nacional e a modificação do código florestal. É muito coincidente registrar uma onda de assassinatos de camponeses justamente num momento em que o agrofúndio ganha espaço e se “territorializa” tanto nos estados, a exemplo, de Mato Grosso, Pará e oeste da Bahia quanto no Congresso Nacional.

O que fica claro é que para parte dos grileiros, madeireiros, sojicultores, criadores de gado e outros não basta assassinar uma família camponesa também tem que arrancar e trazer a orelha, essa orelha, certamente vai servir de recado para outras lideranças e famílias camponesas como também vai servir para alimentar e perpetuar a cultura do poder da terra de negócio e a conivência histórica do Estado Brasileiro diante dessas questões. Um Estado Nacional que se formou no seio do agrofúndio desde a colônia, passando pelo império até chegar na dita república atual.

Hanna Arendt vai nos trazer uma discussão muito fértil e atual sobre as formas terroristas de intimidação cujo uso é sempre voltado para os interesses dos agentes que querem controlar a terra, a água, a liberdade política e até mesmo as orelhas das pessoas. Atos terroristas, a exemplo, dos assassinatos de camponeses e a retirada das orelhas não acontecem somente para eliminar um representante popular, mais sim para espalhar o medo e o terror com o perverso objetivo de matar a ação política daqueles que não se curvam aos desmandos do agrofúndio. Atitudes arcaicas e coronelistas como essas mostram o quanto o nosso Brasil está mergulhado numa modernidade arraigada na exclusão e na perversidade social.

A resistência histórica dos camponeses que lutam para simplesmente poderem sobreviver na terra de trabalho é uma marca de vida que não será maculado muito menos apagada pela sede de orelhas do agrofúndio brasileiro, mesmo com a “territorialização” dos covardes atos totalitaristas materializados nos assassinatos e nas perseguições que a mais de 500 anos acontecem no Brasil.

É bom lembrar que as orelhas cortadas que servem como instrumento de poder para determinados agentes do agrofúndio também são as orelhas que captam os sons da vida e transformam isso em perseverança, luta e resistência na terra de cultura e de trabalho. Para os que pensam que vão sufocar os movimentos de luta pela terra de trabalho com práticas totalitárias e terroristas recomendo ter cautela porque quando se luta pela vida e a vida é a própria luta os limites desaparecem, e a resistência revolucionária emerge como elemento de construção de nossa própria história.

Camponeses na luta com enxada, facão e mãos calejadas resistindo e com suas orelhas ouvindo os sons da vida na construção de uma nova nação.

por José Antonio Lobo dos Santos
Professor assistente do Curso de Geografia do
Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável/UFBA.

"Era uma cidade muito engraçada", por Márcio Lima

Estou em casa um dia pela manhã, quando escuto a campainha. Eram umas senhoras com uniformes da prefeitura, questionando-me o nome da rua. “Depende”, respondi-lhes. “Para a prefeitura, não há nome. Apenas a designação do lote. Para a embasa, é um, mas para a Coelba, outro, que foi dado pelo carteiro. É o mesmo da rua transversal. Para facilitar seu trabalho, o rapaz resolveu fazer desta rua uma continuação da outra, de modo que hoje há duas ruas, reunidas pelo mesmo nome, em formato de L”.

As senhoras pareciam contratadas pela prefeitura para entregar a cobrança do IPTU. Belo avanço. Todas as vezes em que paguei esse imposto, tive de ir eu mesmo buscar a fatura. O problema é que, pelo menos no bairro onde moro, a missão não terá muito êxito. A pedida delas, lá fui eu então procurar meu nome em meio aos carnês. Eu não estava lá, mas elas me asseguraram que ali só havia uma parte das cobranças. Acabei encontrando nomes conhecidos, e até tentei ensiná-las a chegar à casa deles; devido, porém, à disposição das ruas bairro, elas ficaram mais perdidas do que antes. Se as ruas tivessem nomes, talvez só o GPS pudesse encontrar sem antes ter de sofrer um bocado dando voltas e mais voltas

As nossas ruas não têm saneamento, não têm esgoto. Isso falta em muitas cidades brasileiras, embora a realidade de Barreiras seja pior que a da maioria, mesmo daqueles onde a economia vive do fundo de participação dos municípios. Todavia, ainda mais elementar do que isso é que o lugar da cidade onde a pessoa se identifica de imediato, ou seja, sua rua, tenha um nome, e um número de identidade: o CEP. Esse é o melhor exemplo da administração pública de Barreiras. Mais ainda: é a expressão perfeita de como é a vida pública da cidade. A própria prefeitura não consegue cobrar impostos porque ela não fez seu trabalho mais essencial.

Onde está a câmara de vereadores nessa hora? Distribuindo títulos de honra para as pessoas se tornarem cidadãs barreirenses. Fernando Machado chamou a atenção para um desses grandes feitos. A honraria concedida ao grande benfeitor da pátria, o ex-ministro do trabalho Alfredo Nascimento. Este senhor aparecia, em 2008, na campanha da candidata de seu partido à prefeitura de Barreiras, Jusmari Oliveira. Dizia que a obra do anel viário resultava na atuação da então deputada federal. Fazia parte do jogo político. De outro lado estava o então ministro da Integração Nacional Geddel Vieira Lima, garantido que a obra era de seu Ministério, querendo com isso obter votos para seu candidato, Antonio Henrique. Alfredo Nascimento acabou de cair, mergulhado em mais um escândalo de corrupção no Brasil. Geddel deixou o posto que ocupava, Antônio Henrique perdeu a eleição e Jusmari levou o pleito. Como no poema Quadrilha de Drummond, vemos os nomes em pleno movimento. O que ficou parado foi o anel viário, que continua lá, sem dar o ar da graça. Enquanto isso, as carretas continuam tumultuando o trânsito na única via da cidade, além de deformar o asfalto, também único, mas obra federal, já que asfalto foge de Barreiras, igual o diabo da cruz. Nossas ruas, por seu turno, continuam entregues aos buracos, à poeira (até virem as chuvas), ao esgoto, um bocado sem nome, a maioria sem CEP.

Não devemos, contudo, desanimar, pois já “estão falando altos pelos botecos” onde será construída a futura capital do novo estado, cujas ruas deverão ser asfaltadas com verbas do Ministério dos Transportes, já que a administração local terá muito o que fazer: conceder títulos de cidadão para a cidade que precisará de muitos herdeiros. À espera dos naturais, muitos filhos ilustres terão de ser adotados.

por Márcio Lima

"Nobre Parlamentar", por Wagner Teles

Talvez seja inadequado o título, afinal não é bem sob o regime de parlamento que funciona o que nos habituamos a denominar de Câmara Parlamentar. Diz-se que, por arrogância característica da classe política, os deputados batizam os seus pares com o nome de parlamentar. Como a linguagem é o que nos define, seja por arrogância ou não, a verdade é que os indivíduos que representam o povo da Bahia na assembléia legislativa tanto merecem o título que não se trata de um elogio tratá-los como parlamentares, mas antes a palavra “parlamentar” é que tem a sua dignidade elevada ao ser empregada para um fim tão nobre. Se as coisas se passam assim com os parlamentares da triste e dessemelhante Bahia, o que dizer da parcela parlamentar mais competente do estado, aquela que representa o povo do Oeste? Louvores, louvores, louvores. É pelo nome de vossa diligência que eles atendem.

A título de ilustração, todos sabem que o Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável da UFBA, há pouco tempo, ficou cerca de três meses em greve em virtude das precárias condições de acesso aos seus novos prédios. Meses com as atividades de ensino paralisadas, professores, alunos e técnicos engajados em torno de uma causa comum, manifestações nas ruas da cidade; várias assembléias, diversas reuniões com a Prefeitura Municipal de Barreiras, audiências com o Governo do Estado, com a Reitoria da UFBA, com a Presidência da Assembléia Legislativa do Estado. Por fim, tantas e tão variadas ações para simplesmente dar com os burros n’água...

Como “a união faz a força, mas nem por isso se deve por tanta água no leite”, as aulas voltaram ao normal. Porém, há algumas semanas, para surpresa de todos, publicou-se que a ordem de serviço para execução do acesso ao campus seria imediatamente expedida pelo Estado por força da intervenção de uma jovem parlamentar. Preservemos a identidade da notável parlamentar, ao tempo que nos resguardamos da acusação de apologia partidária, batizando-a com um codinome qualquer – Kelly.

Ora bem, noticiou-se que a tal Kelly conseguira num átimo, com algumas poucas palavras, aquilo que uma unidade universitária não havia conseguido em meses de desmesurado esforço. “No mais tardar, na próxima semana, os trabalhadores estarão no local a executar a obra”, vaticinara a nobre parlamentar. Houve quem caísse em prantos com a notícia que parecia não passar de mais um sinal dos tempos.

“Descompostura!” Bradavam alguns por ignorar que “Deus só dá os dentes a quem não tem nozes.” “Oportunista!” Acusavam-na injustamente outros tantos. Que mal há em resolver um problema, com uma fotografia ao lado de autoridades do Governo, para o qual meses de militância política não foram capazes de sequer reivindicar claramente a solução? Não compreendo a indignação e revolta, afinal não era asfalto o que queriam? Faça-se o asfalto, disse a parlamentar, e o asfalto fez-se. E que culpa tem a parlamentar se professores, alunos e técnicos de uma Universidade ignoram completamente a lição mais elementar em matéria de política? Tudo pode ser resolvido com uma fotografia.

Todo sábio político sabe que para ser bom político, antes de tudo, é necessário ter coragem para dizer a verdade e jamais transigir. E sabe também que “palavra demais só custa dinheiro em telegrama.” Afinal, o que diria um político diante de um eleitorado sedento de verdade? A mentira? Não resta dúvida de que o eleitorado em pleno acesso de cólera e justa indignação lhe deporia de sua função a pedrada. E por mais que o bom profissional em política tivesse elaborado habilmente a sua mentira, por mais cuidadosamente que a tivesse ensaiado, o menos inteligente dos eleitores lhe flagraria mentindo. Assim, desacreditado e desmoralizado, o pobre diabo abandonaria a carreira política e talvez, com a ajuda dos astros, conseguisse um emprego qualquer.

Dizem ainda, os mais céticos, que fora feito o asfaltamento, mas falta a ponte. É que eles, por terem pouca fé, não crêem ser verdade o que me contou um amigo. Ele suspeita que a tal parlamentar seja capaz de, uma vez posta abaixo a ponte de madeira, reerguer uma de cimento, ferro e brita em três dias.

Quanto a mim, suspeito que esse feito não passaria de algo a realizar-se ordinariamente nas mãos de uma política tão esmerada em servir aos seus eleitores que segue à risca o lema “do povo, pelo povo, para o povo”. Quanto ao dístico “Mateus, primeiro os teus”, isto é coisa de mau político, coisa rara em nosso vasto estado. Ademais, não se trata de uma parlamentar, mas de um parlamento inteiro, essa tal jovem.

Infelizmente, somente depois de ter enviado este texto para publicação, fui informado por fontes confiáveis que a estrada continua sem asfaltamento e a ponte pior do que antes. Que seja verdade, que nada de ponte e nada de asfalto, mas é verdade também que, como diria o Barão, “quem passou o inverno nu, passa o verão que é mais quente”.

por Wagner Teles

quarta-feira, 13 de julho de 2011

"Quem quer arriscar a vida por 100 reais? Ano que vem tem mais promoção do TEXAS BEER by TABERNA UNIVERSITÁRIA", por Marcelo de Paula

Eu fico imaginando o que ainda falta eu ver aqui na cidade de Barreiras.
Nessa última semana houve a tradicional EXPO BARREIRAS. Nessa feira de exposição foi implantado um BAR chamado TEXAS BEER, um local fechado de músicas sertanejas que, pasmem, cobravam 100 reais (no sábado dia 9 foi 140 reais) para entrar àqueles que não haviam comprado o ingresso adiantado. Esse bar é da empresa TABERNA UNIVERSITÁRIA.

Quando entrei no local, fiquei assustado com o que eu vi!

Como num espaço tão pequeno eles colocavam centenas de pessoas (talvez mais de mil) sem a menor condição de segurança?

NÃO havia saídas de emergência!

NÃO havia sistemas de ventilação!

NÃO havia extintores de incêndio!

Lotação acima da máxima permitida por LEI !

E o mais revoltante, NÃO HAVIA BANHEIROS !!! Sim caro leitor, você leu certo, NÃO havia sanitários ! Quem precisasse ir ao banheiro tinha que sair do local e ir ao banheiro da feira (com a quantidade de gente no local, isso demorava cerca de 50 minutos até chegar lá).

Como eu tinha os números comerciais de celular dos proprietários (os próprios me deram o cartão quando certa vez fui no taberna universitária) então entrei em contato com eles por meio de mensagem de texto, me identificando e questionando se pelo menos os extintores e os banheiros não seria PRUDENTE instalar no bar .... Segue abaixo a resposta da proprietária:

"É simples querido, não vá mais. Lá é lugar de elite, acho que você não está nesse padrão, PROFESSOR"

O que ainda falta eu ver nessa cidade? Será que a população considera normal pagar 100 reais para arriscar a vida? Será que os proprietários, que se dizem empresários do entretenimento, são tão letárgicos (pra não dizer outra coisa) a ponto de arriscar a vida de centenas de pessoas sem que haja consequências legais para isso?

A população reclama tanto dos buracos das ruas, mas será que pagar 100 reais para arriscar a vida não seria aceitar passivamente os “buracos” do comportamento inadmissível de “empresários” e “comerciantes” que se consideram os donos da cidade?

por Marcelo de Paula
Professor Assistente de Estatística
Universidade Federal da Bahia – UFBA
Barreiras - BA

terça-feira, 12 de julho de 2011

"Somos mais Gaúchos que Baianos?", por Paulo Roberto Baqueiro Brandão

O orgulho pela sua história é um dos importantes traços identitários de uma sociedade. Mas este orgulho não é inato. Ao contrário, resulta de um processo de construção coletiva que envolve, entre outras coisas, a lembrança dos fatos históricos importantes para o grupo por meio das comemorações anuais, o que, em geral, se dá através dos feriados e dos festejos públicos. Isto contribui para conectar indivíduos, que passam a perceber traços comuns, e para a coletividade que daí se constitui.

No caminho inverso, quando se quer desconstruir determinados laços identitários, tal processo passa necessariamente pela ação deliberada de um grupo visando relegar ao esquecimento alguns dos fatos importantes da história de uma sociedade. Assim, ao não comemorar um feito pretérito, abandona-se o passado, o que incide no orgulho da sociedade e, em última instância, no próprio sentido de coletividade.

No caso de Barreiras, dois fatos podem ser exemplares para entendermos como se dá a (des)construção de laços identitários através da História: os festejos da Independência da Bahia e da Semana Farroupilha.

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A Independência da Bahia é considerada a data magna do estado. Comemorado no dia 2 de Julho, o festejo representa a consolidação da autodeterminação do Brasil, já que o propalado “Grito do Ipiranga” parece não ter chegado aos ouvidos das elites portuguesas que viviam no Nordeste. Uma história constituída por fatos de sangue e sofrimento, de luta e dor, mas que serviram para garantir a unidade nacional.

Em Barreiras, embora o feriado seja respeitado, afinal as empresas e repartições públicas não funcionam na data citada, não há qualquer tipo de festejo ou celebração à data magna estadual. Nenhuma lembrança sequer. Não há desfile cívico, bandas marciais ou hasteamento das nossas bandeiras oficiais, algo tão comum em outros municípios baianos.

Esta falta de interesse pela Independência da Bahia é até compreensível, já que, ao que tudo indica, Barreiras sequer existia naquele ano de 1823. Outros dirão ainda (e com alguma dose de razão) que as repercussões das lutas pela autodeterminação demoraram a chegar no Oeste Baiano e que, por isso mesmo, parecem mais legítimas as comemorações nos municípios do lado de lá do Rio São Francisco do que neste nosso vasto cerrado.

É preciso considerar, porém, que, se hoje todos nós, baianos do Leste e do Oeste, podemos nos identificar como brasileiros, isto é possível também por causa dos muitos índios, negros e brancos que tombaram sob a bandeira da liberdade. Devemos a eles, portanto, todas as homenagens, honrarias e lembranças.

A quem interessa esquecer... ?

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A Semana Farroupilha é o período máximo de expressão do orgulho gaúcho. Celebrados entre os dias 14 e 20 de setembro, os festejos e desfiles homenageiam os líderes da revolução mais duradoura do Brasil, que se estendeu de 1835 a 1845, e tinha como objetivo transformar a então província imperial de São Pedro do Rio Grande do Sul em uma república. O projeto político era, portanto, de caráter separatista.

Em sessão ordinária ocorrida no dia 18 de maio de 2010, a Câmara de Vereadores de Barreiras aprovou, por unanimidade, o projeto de lei n. 003/2010, de autoria do vereador Geovani Souza, no qual se propunha a oficialização da data magna dos gaúchos no calendário cívico do município.

Em outras palavras, graças à força da migração sulista, fatos históricos que ocorreram em terras gaúchas e que tiveram repercussões decisivas apenas naquele estado passarão a ser guardados, comemorados e festejados por todos os moradores de Barreiras, tenham eles nascido no Sul do país, no próprio município, no Ceará ou em qualquer outra localidade de onde afluíram os muitos indivíduos que constituem a população local.

A quem interessa lembrar... ?

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O propósito deste escrito não é debater o nível de importância desta ou daquela data comemorativa ou a primazia de uma sobre a outra como elemento da construção da identidade barreirense. Mas é fato que uma delas vem sendo valorizada por setores específicos da sociedade local em detrimento da outra. Isto impõe uma reflexão.

O discurso simplista e ufanista da distância geográfica e identitária que nos separa da Bahia que tem cara, cor e cheiro de Recôncavo não pode ser evocado como reflexo do desinteresse barreirense pelo 2 de Julho. Se assim o fosse, tal ideologia teria ainda mais validade como contra-argumentação a um suposto interesse da sociedade local pela História gaúcha.

A (des)construção deliberada da História já foi evocada como elemento fundamental da implantação de ideologias falaciosas e que contribuíram apenas para gerar atraso nos corações e mentes de quem disseminou e absorveu tais ideias. É fundamental, portanto, que atos desse tipo não ganhem força, seja aqui ou em qualquer outro lugar.

por Paulo Baqueiro

segunda-feira, 11 de julho de 2011

"Cidade de Barreiras - BA: Terras especulativas, buracos, esgoto e a gasolina mais cara do Brasil", por José Antonio Lobo dos Santos

A cidade de Barreiras está entre as mais importantes do estado da Bahia, a diversidade dos seus mais de 137 mil habitantes somada à posição estratégica do município como produtor e corredor logístico de deslocamento de grãos faz desse aglomerado urbano um ponto importante dentro da hierarquia das cidades baianas, o que coloca Barreiras entre as dez cidades mais importantes do estado da Bahia. Não podemos esquecer também que além da força na produção de grãos, há também o papel marcante da agricultura familiar produzindo o alimento que abastece as feiras livres e os sacolões da região. Destacamos também o forte comércio e oferecimento de serviços que dominam o mercado consumidor da região oeste. Até ai a coisa vai relativamente caminhando, a saga incompreensível de descasos, incompetências e ganância começa quando nos debruçamos para analisar as formas de ocupação da terra urbana, a existência de intermináveis buracos na cidade e a revenda de gasolina com preços exorbitantes e absurdos.

Terras especulativas
O monopólio especulativo dos muitos terrenos baldios existentes na cidade de Barreiras funciona diretamente para seus proprietários e indiretamente a outros setores da economia, como instrumento de obtenção de renda capitalizada. Ao tempo em que gera uma grande bolha especulativa no setor imobiliário, o que contribui decisivamente para aumentar o preço dos aluguéis e dos imóveis. Essa estratégia faz com que o acesso ao imóvel próprio, principalmente para a classe trabalhadora com menor renda, se torne praticamente impossível.

Os intermináveis buracos
A estrutura urbana é totalmente comprometida, a pesar da cidade de Barreiras ser dinâmica e estar entre as mais importantes da Bahia. Falta de drenagem, pavimentação, e rede de esgotamento sanitário, ter esgoto correndo a céu aberto nos bairros e no próprio centro da cidade é muito comum. A materialização mais perceptível dessa pitoresca realidade são os buracos, os muitos buracos que pipocam por todos os cantos da cidade. Verdadeiras crateras por todas as ruas, realidade que de certa forma delimita o grau de descompromisso dos governantes com o bem estar da população, principalmente com a parcela de menor renda da cidade. Bairros populares como a Vila Rica, a Cascalheira, o Parque Novo Horizonte e a Morada da Lua estão totalmente esburacados, digo isso da pouca pavimentação que existe nessas localidades, pois nessas áreas a grande maioria das ruas é desprovida de qualquer pavimentação, é triste a realidade dos milhares de moradores desses bairros os quais, além de conviver com a fedentina e todas as doenças causadas pelo contato direto com o esgoto ainda tem que enfiar o pé na lama para poderem sair de casa e simplesmente viver suas vidas.

A gasolina mais cara do Brasil
Outro título de “peso” que a cidade de Barreiras ostenta no Brasil é a de ter a gasolina mais cara do país, um título vergonhoso, e que ao mesmo tempo demonstra o desequilíbrio e os desatinos existentes nesse pedacinho de chão que parte da elite regional insiste em separar do estado da Bahia. O preço da gasolina varia entre três reais (R$ 3,00) e três reais e dez centavos (R$ 3, 20), sendo que muito antes do último aumento liberado pelo governo a gasolina já era comercializada em média por dois reais e noventa e cinco centavos (R$ 2,95). A desculpa esfarrapada é com relação ao custo de transporte da gasolina entre o centro produtor na região metropolitana de Salvador e a cidade de Barreiras. Desculpa que não cola, pois o acréscimo colocado em cada litro de combustível é muito alto. Na verdade o que norteia esse valor absurdo da gasolina na cidade é a ganância e o espírito empreendedor da exploração, onde muitos empresários do setor com conivência dos poderes públicos e de órgãos de fiscalização se aproveitam da vulnerabilidade dos motoristas e de um certo isolamento da cidade para explorar, tirar o couro dos clientes e de forma indireta se apropriarem das rendas universais de toda a sociedade barreirense. Além disso, essa prática absurda de preços para os combustíveis contribui diretamente para a criação de uma bolha inflacionaria em toda a região.

Considerações
Ao contrário dos discursos ideológicos essa realidade nos mostra que não há nenhuma consideração com a população e muito menos com o desenvolvimento da região, pois entendemos o desenvolvimento como um processo de criação de possibilidades para a emancipação social, porém, a buraqueira, o esgoto, os terrenos especulativos e a vergonha nacional do preço da gasolina estão totalmente na contramão desse processo. O que fazer para combater essa triste realidade de descaso e descompromisso com as pessoas? Os caminhos são muitos, vamos buscá-los para poder enfrentar essa excludente e desrespeitosa realidade.

por José Antonio Lobo dos Santos
Professor assistente do curso de Geografia
do Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável/UFBA.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

"Quantos pais para uma criança que ainda não nasceu”, por Marcos Mondardo

Nas últimas semanas, no lastro da votação para aprovação de abertura de plebiscito para criação dos Estados de Tapajós e dos Carajás, no Pará, os debates em torno da criação do Estado do São Francisco voltaram à cena de forma acalorada, especialmente, na elite política e também econômica regional. Ao mesmo tempo em que um grupo político da região liberado pelo deputado Hebert Barbosa viajou nesse último mês para o Estado do Tocantins para se reunir com o governador Siqueira Campos e “se informar” ou ganhar apoio político na criação do novo estado no Oeste da Bahia, outro grupo se articulava para, semanas depois, lançar, alterando pela primeira vez o projeto de emancipação política do Oeste Baiano do deputado Gonzaga Patriota que fora escrito no ano de 1998 e que agora, na sua “nova roupagem”, passa a ter como idealizador, além do deputado mencionado, o deputado federal Oziel de Oliveira.

Em meio a mobilizações em Barreiras realizadas pelo grupo de Hebert Barbosa que se reuniu com a elite econômica, principalmente, os comerciantes, outro grupo fazia o maior estardalhaço tornando, a fala do deputado Oziel de Oliveira, transmitida ao vivo da TV Câmara “direito” para a parte da população barreirense, no dia “D” da defesa de criação do Estado do Rio São Francisco, com a reestruturação do projeto. Mas, para além da elite econômica convidada para fazer parte da “festa” e de meia dúzia de populares ligados ao poder público, o grosso da população, como na maioria das vezes, só foi convidada para ler os jornais ou ver, quando viram, o discurso em defesa do novo estado na TV.

Lendo o “novo” discurso em defesa da criação do Estado, vemos os velhos argumentos sendo colocados a favor do desmembramento: a pujança econômica desenvolvida na região nas últimas décadas, o crescimento populacional e o descaso do poder público do Estado da Bahia são os principais. O que chama atenção, por outro lado, o lado menos falado, é que não se tem nenhuma menção às efetivas melhorias das condições de vida das pessoas que o projeto de criação trará, e como trará? O que se tem, e muito, passa pelo forte desenvolvimento trazido pelo agronegócio, pelas grandes empresas agroindustriais – que geram emprego, é claro, não podemos esquecer – mas com que qualidade de emprego, pois o desenvolvimento que queremos, para com e além do desenvolvimento econômico, é o desenvolvimento humano, aquele que melhora as condições de vida das pessoas: na educação, na saúde, no transporte, que torna o dia-a-dia do trabalhador menos sofrido. Mas parece utopia, sonho, devaneio pensar assim, não é?

Na “balada” da agitação por parte das elites políticas e econômicas da região, alguns meios de comunicação afirmavam, “pregavam” que a população “clama(va) pela criação do Estado do Rio São Francisco”. Mas, será que é assim mesmo? Parece, vendo as notícias de alguns discursos e de alguns meios de comunicação, que existe uma “colonização da memória” se instalando, difundida por esses grupos políticos e econômicos, pois tudo só passará a “prestar”, a funcionar, a ter quando o Oeste Baiano se tornar independente. No discurso do “pior não fica”, recebemos de “goela a baixo” o projeto de criação de um novo estado, pronto, acabado, como se a população, maior interessada na melhoria de suas vidas, não fosse importante ser consultada para as reuniões, para ter poder de participação popular, para fazer, efetivamente, e não somente – se um dia sair um plebiscito – para votar a favor ou contra, na construção de uma nova unidade da federação.

Por isso, gostaríamos de ser convidados também para a “festa” da construção do novo estado, para também “comer o bolo”, e não apenas, para depois de realizado o projeto, limparmos o salão. Parece-nos que nesse entremeio de reuniões e organizações de grupos que buscam mobilizar contingentes populacionais, o que está verdadeiramente em jogo, é a disputa pelo exercício do poder, pelo poder político regional da principal cidade da região. Eis o que provoca a próxima campanha política: “surgem vários pais para uma criança que ainda não nasceu”.

por Marcos Mondardo
Morador de Barreiras, Geógrafo e
professor do Curso de Geografia ICADS/UFBA.