quinta-feira, 14 de julho de 2011

"Era uma cidade muito engraçada", por Márcio Lima

Estou em casa um dia pela manhã, quando escuto a campainha. Eram umas senhoras com uniformes da prefeitura, questionando-me o nome da rua. “Depende”, respondi-lhes. “Para a prefeitura, não há nome. Apenas a designação do lote. Para a embasa, é um, mas para a Coelba, outro, que foi dado pelo carteiro. É o mesmo da rua transversal. Para facilitar seu trabalho, o rapaz resolveu fazer desta rua uma continuação da outra, de modo que hoje há duas ruas, reunidas pelo mesmo nome, em formato de L”.

As senhoras pareciam contratadas pela prefeitura para entregar a cobrança do IPTU. Belo avanço. Todas as vezes em que paguei esse imposto, tive de ir eu mesmo buscar a fatura. O problema é que, pelo menos no bairro onde moro, a missão não terá muito êxito. A pedida delas, lá fui eu então procurar meu nome em meio aos carnês. Eu não estava lá, mas elas me asseguraram que ali só havia uma parte das cobranças. Acabei encontrando nomes conhecidos, e até tentei ensiná-las a chegar à casa deles; devido, porém, à disposição das ruas bairro, elas ficaram mais perdidas do que antes. Se as ruas tivessem nomes, talvez só o GPS pudesse encontrar sem antes ter de sofrer um bocado dando voltas e mais voltas

As nossas ruas não têm saneamento, não têm esgoto. Isso falta em muitas cidades brasileiras, embora a realidade de Barreiras seja pior que a da maioria, mesmo daqueles onde a economia vive do fundo de participação dos municípios. Todavia, ainda mais elementar do que isso é que o lugar da cidade onde a pessoa se identifica de imediato, ou seja, sua rua, tenha um nome, e um número de identidade: o CEP. Esse é o melhor exemplo da administração pública de Barreiras. Mais ainda: é a expressão perfeita de como é a vida pública da cidade. A própria prefeitura não consegue cobrar impostos porque ela não fez seu trabalho mais essencial.

Onde está a câmara de vereadores nessa hora? Distribuindo títulos de honra para as pessoas se tornarem cidadãs barreirenses. Fernando Machado chamou a atenção para um desses grandes feitos. A honraria concedida ao grande benfeitor da pátria, o ex-ministro do trabalho Alfredo Nascimento. Este senhor aparecia, em 2008, na campanha da candidata de seu partido à prefeitura de Barreiras, Jusmari Oliveira. Dizia que a obra do anel viário resultava na atuação da então deputada federal. Fazia parte do jogo político. De outro lado estava o então ministro da Integração Nacional Geddel Vieira Lima, garantido que a obra era de seu Ministério, querendo com isso obter votos para seu candidato, Antonio Henrique. Alfredo Nascimento acabou de cair, mergulhado em mais um escândalo de corrupção no Brasil. Geddel deixou o posto que ocupava, Antônio Henrique perdeu a eleição e Jusmari levou o pleito. Como no poema Quadrilha de Drummond, vemos os nomes em pleno movimento. O que ficou parado foi o anel viário, que continua lá, sem dar o ar da graça. Enquanto isso, as carretas continuam tumultuando o trânsito na única via da cidade, além de deformar o asfalto, também único, mas obra federal, já que asfalto foge de Barreiras, igual o diabo da cruz. Nossas ruas, por seu turno, continuam entregues aos buracos, à poeira (até virem as chuvas), ao esgoto, um bocado sem nome, a maioria sem CEP.

Não devemos, contudo, desanimar, pois já “estão falando altos pelos botecos” onde será construída a futura capital do novo estado, cujas ruas deverão ser asfaltadas com verbas do Ministério dos Transportes, já que a administração local terá muito o que fazer: conceder títulos de cidadão para a cidade que precisará de muitos herdeiros. À espera dos naturais, muitos filhos ilustres terão de ser adotados.

por Márcio Lima

3 comentários:

  1. Quer ver algo engraçado? Faça um passeio pela rua 26 de maio. Fantástica.

    ResponderExcluir
  2. Fazendo uma ressalva, caro Márcio, o sr. Alfredo Nascimento é ex-ministro dos transportes e não do trabalho. Fora isso, parabéns pelo texto!

    ResponderExcluir
  3. Perfeito Fabão...Na hora de escrever, saiu trabalho, mas estava ciente de que era ministro dos transportes. Obrigado pela correção.
    Abç
    Márcio.

    ResponderExcluir