terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

"O Estilo Magalhães", por Márcio Lima

Antes que 2011 me escape por completo, vou finalmente retornar ao blog. E vou recomeçar tratando de coisas do ano velho. O fato é que meu último post provocou muitos comentários na movimentada página de Fernando Machado. Houve quem me acusasse de ser cabo eleitoral de Jusmari por causa do texto. Não vou defender-me de tal acusação. Como já fiz antes, invoco meus textos sobre o governo cidade-mãe já publicados aqui mesmo. Muitas, porém, foram as diatribes que a agora deputada Kelly escreveu contra mim em seu blog, no seu melhor estilo Magalhães.

Lendo o que ela escreveu, parece que a ex-estudante de letras não sabe bem interpretar um texto. Mas não se trata disso. Mesmo escritas, as palavras de Kelly trazem a marca do palanque, com suas frases de efeito, enunciadas para arrebatar o tipo de público a que ela está habituada, em que cada bravata é seguida de ovação. Mas como não integro seu público, faço o trabalho que ela se eximiu de fazer em relação ao que escrevi, ou seja, analisar o que está escrito. Transcrevo, por partes e na seqüência em que foi escrito, o texto dela, e comento em seguida. Peço desculpas pelo tamanho final deste post. O dela vai em vermelho e o meu em preto.

O professor doutor Márcio Lima, que não conheço pessoalmente, com muitas e boas titulações e coordenador do Curso de Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades, escreveu em seu blog um texto intitulado DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL.
Achei estranha a relação que o doutor Márcio Lima fez entre o filme de Glauber Rocha e o seu texto discorrendo de forma tendenciosa e equivocada sobre a política local e minha eleição para deputada estadual.

DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL aborda de forma metafórica o fanatismo representado nas figuras do SANTO SEBASTIÃO (Deus) e CORISCO (diabo) deformados pela solidão e miséria do sertão e de como Manuel, vaqueiro que matou o patrão escravista foge do matador profissional e se embrenha entre os dois líderes. Em síntese, o filme conta as alucinações, as visões, as práticas e os modos de condutas aberrantes que a fome, a miséria e a ignorância podem inspirar num povo desesperado.

Com quase 120 anos de existência, uma cultura miscigenada, um crescimento vertiginoso e ao mesmo tempo desordenado, Barreiras é um grande município, com um grande povo; tem seus altos e baixos, é verdade, mas, nada, nada mesmo que possa ser comparado ao que o filme de Glauber Rocha retrata. Vivemos no Estado democrático de direitos, temos liberdade de expressão, a presença de universidades e faculdades vai consolidando uma nova mentalidade e as pessoas tem exercido o seu direito de crítica e de voto. Portanto, não vejo paralelo entre a realidade de Barreiras e a retratada no filme.

Kelly afirma não ter entendido a relação que fiz entre o filme de Glauber Rocha, Deus e o diabo na terra do sol, e a realidade de Barreiras. Se ela não consegue entender o que escrevi, como poderia compreender o que eu não disse? Ora, em nenhum momento comparei o filme à cidade. Eis, então, que a comparação é feita por ela mesma. Depois de expor-nos uma breve sinopse do filme, Kelly nega que a simbologia ali contida possa ser aplicada à cidade de Barreiras. Ficamos sabendo, dentre outras coisas, que o filme fala da miséria do povo e de matadores profissionais. Vejam você que a nossa comunista diz que um filme que trata da miséria do povo e de matadores de profissionais nada tem a ver com Barreiras.

As eleições de 2010 tiveram como pauta principal a questão religiosa, revelando que uma face do Brasil ainda é conservadora e usa de artifícios do passado num mundo moderno. Doutor Márcio, demonstra não aceitar o resultado das urnas em 2010 e crê que os "evangélicos fiéis à prefeita" foram responsáveis pelo "instigante" resultado eleitoral. Não sou evangélica e sei que a maior parte do meu eleitorado não está entre os evangélicos. Mas, respeito e não faço distinção de votos por credo, raça, sexo ou estrato social. Na urna, somos iguais, absolutamente iguais.

Primeiramente, não falei que o resultado das eleições era instigante, mas intrigante. Pode ter sido um ato falho, revelando o que Kelly no fundo acha de meu texto. Seja como for, gostaria que ela demonstrasse onde afirmei, em meu texto, que não aceito o resultado das eleições. Ademais, diante de minha consideração de que os evangélicos foram decisivos para sua eleição, ela, muito justamente, considera todos os votos como sendo iguais (como se eu tivesse negado isso). Mas, após enunciar tal obviedade, Kelly argumenta que a força política dos religiosos no cenário brasileiro atual revela uma face do Brasil conservadora num mundo moderno. Interessante. Seria preciso lembrar a quantos religiosos conservadores a moderna deputada está ligada atualmente? Diga-me com quem andas e te direi quem és. Apenas chamo a atenção para o juízo de valor que a vereadora fez sobre os religiosos.

Doutor Márcio alega em texto que nada pode esperar de mim como deputada porque tenho o mesmo discurso: defender a prefeita e agir dessa forma por que não tenho trabalho para mostrar. Em sua veia feroz de ataques, o doutor Márcio vai mais longe e diz que minhas ações se devem a um suposto acordo/pacto ou compadrio para me eleger deputada. Pobre Barreiras, com tantos doutores e tão longe do conhecimento que possa ser proporcionado para que todos nós possamos ter líderes melhores.

Mantendo-me sempre no nível de uma análise política, referi-me ao acordo entre Kelly e Jusmari como sendo uma aliança política. Kelly, no entanto, denomina ela mesma tal acordo como “compadrio”, termo que não existe em meu texto. Seria outro ato falho?

Em meu texto. Eu havia questionado qual trabalho Kelly fez nos dois últimos anos. Veja a resposta dela:

Repito o que o doutor Márcio disse, por que na condição de vereadora, não conheço nenhum projeto de extensão que o doutor Márcio tenha feito na condição de Coordenador do Curso de Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades. Sugiro que o doutor promova debates isentos com a comunidade local sobre política e formação de líderanças como contribuição legítima de quem quer o melhor para Barreiras.

Quanta condição. Sua reposta, porém, é de uma clareza imensa. Kelly não fez nada, mas diz que estamos quites, porque também não tive nenhum trabalho de extensão no último ano. Para Kelly, numa cidade com 11 vereadores, como em Barreiras, significa o mesmo um vereador não fazer nada além de defender aliados, e um professor universitário supostamente não desenvolver atividade de extensão. Mas podemos dimensionar de outra forma a resposta. Ao dizer que em um ano não tive nenhum trabalho de extensão, Kelly sugere que sou omisso em um dos tripés que sustentam as atividades da Universidade. Ora, se sou omisso, por que mesmo Kelly está publicamente respondendo a mim? Talvez o debate que ela sugere que eu faça não seja aquele que desenvolvo no blog. Reparem que ela usa a palavra isenta. O que Kelly deve entender por isenção? Defender Jusmari? Kelly não está satisfeita com a aprovação unânime que Jusmari tem na Câmara, ela quer mais.

Vou traduzir literalmente uma passagem do filósofo françês Michel de Montaigne que o doutor Márcio usou para combater uma crítica do Jornal São francisco quando do debate sobre a criação do Estado do Rio Sâo Francisco: "Todos estão sujeitos a dizer tolices; o mal está em as enunciar com pretensão: 'Este homem provavelmente vai expor-nos, com ênfase, algumas enormidades(Terêncio)'. Este segundo ponto não me diz respeito, porque não dou maior atenção às bobagens que me escapam. Felizmente para elas, pois as negaria imediatamente se devesem prejudicar-me, ainda que ligeiramnete. Nada compro ou vendo por preço mais alto do que vale. Escrevo como falo ao primeiro indivíduo que encontro, contentando-me com dizer a verdade."

Kelly, você não traduziu esta passagem de Montaigne. Quem o fez foi o grande Sério Milliet. Você a copiou de nosso blog. Mas continuemos.

Em verdade doutor Márcio, o senhor como professor, pode e deve conhecer todos os dados sociais, econômicos e estatísticos da nossa região; afinal, só transmite conhecimento quem tem. Julgar as pessoas e os políticos ao sabor das conveniências, em nada contribui para melhorar e avançar no desenvolvimento da nossa realidade. Como o senhor mesmo disse, chegou aqui em meados de 2006 e se acha no direito de dizer as tolices que disse a meu respeito. Normal, faz parte do jogo democrático e como política estou sujeita a isso mesmo.

Em meus textos, nunca analiso dados sociais, econômicos ou estatísticos. Não tenho qualificação para tanto. Ao contrário, Márcio Carvalho e Paulo Baqueiro fazem isso com maestria, e já publicaram textos esclarecedores sobre a região neste blog. Vejamos, por lado, a conclusão desse argumento. Por que cheguei aqui em 2006, estou impossibilitado de fazer análises e, pasmem todos, mesmo que seja acerca dos fatos ocorridos a partir de 2009. Kelly é mesmo de impressionar. E, mais curioso ainda, ela começou o texto dela invocando os 120 anos da história de Barreiras. Pela lógica de Kelly, sou forçado a questionar se ela estava aqui há 120 anos para poder fazer essa afirmação. De toda sorte, pautei minha análise apenas no biênio 2009-2010 porque me inquietavam as conseqüências políticas que a aliança (Kelly chamaria de compadrio) teve (e tem) para a cidade. Nada disse sobre os fatos anteriores, pois a aliança dela com Saulo, por exemplo, não estava em questão.

Porém, repilo a tentativa de desqualificação e acusações de fiz acordos espúrios com o fito de me eleger. Ninguem se elege do nada ou apenas na força do compadrio ou de conchavos; Barreiras está longe disso. Tenho serviços prestados a essa cidade como cidadã e como política. Meus doi mandatos de vereadora e meu mandato de deputada estadual são frutos de uma trajetória de lutas e conquistas. Me estranha que uma região que elegeu 3 deputados estaduais e 01 federal apenas eu seja motivo de uma análise que nivele tão por baixo.

Deputada, como meus textos políticos se referem à realidade de Barreiras (a única cidade que posso acompanhar), só poderia tratar de sua eleição, pois desconheço o que os outros dois fizeram nas cidades onde atuam ou atuavam. Por isso afirmei que nos dois últimos anos, a sua obra foi atacar os adversários e defender a prefeita Jusmari. Vejam na seqüência como ela responde a essa afirmação.

Política é feito de ônus e bônus com qualquer escolha que façamos na vida. Fui parte integrante de uma coalizão que elegeu a prefeita Jusmari Oliveira e faço parte da sua bancada de sustenção;

Explicar por que ela ataca os adversários nem é preciso, pois sua resposta é a mais pura expressão desse seu estilo. Pelo visto, faço parte do grupo a quem ela deve atacar. Quanto à defesa incondicional da prefeita, Kelly simplesmente diz que foi parte integrante de uma coalizão que elegeu a prefeita Jusmari Oliveira e que faz parte da sua bancada de sustenção (sic). A ex-vereadora não refuta o que eu afirmei, mas se apressa em apresentar uma justificativa. Mas quando perguntei se em seu mandato de deputada estadual Kelly vai continuar na mesma toada dos dois últimos anos ou se vai modificar, ela respondeu:

não veja, no sistema político atual, onde isso possa ser considerado crime ou motivo de críticas e como isso possa ser usado como medidor para o meu desempenho no mandato de deputada estadual.

Aqui, tomada de indignação que dá mostras de uma carapuça, Kelly se revolta com a análise que fiz sobre o processo político dos atuais donos do poder. Ora, em momento algum disse que a aliança entre ela e Jusmari seria um crime (outro ato falho?). E, no fim, a resposta é de uma clareza meridiana. O que ela (não) fez como vereadora não serve como referência para seu desempenho “enquanto” deputada. Portanto, podemos nutrir ainda alguma esperança. Longe de Jusmari, ela pode, enfim, realizar algum trabalho, é o que ela parece dizer.

Todas as minhas iniciativas, projetos e Leis produzidas nos meus 06 anos de mandato estão a sua disposição; quanto ao meu mandato como presidente da Câmara, tenho prazer em lhe dizer que sua chegada em meados de 2006 para UFBA, foi fruto de uma grande articulação política das mais diversas matizes que colocaram as disputas menores de lado e se uniram em torno de projeto maior para a região; e esse projeto doutor, inclusive com a doação do prédio do Pe. Vieira, teve a minha participação direta como presidente do Legislativo que promoveu a Audiência Pública com os deputados federais que se comprometeram a empenhar suas Emendas pessoais para o imediato funcionamento do Campus.

Para rebater minha afirmação de que em dois anos ela só fez defender a prefeita, Kelly dá a entender que meu ingresso na UFBA se deve a uma grande mobilização política que deixou as diferenças de lado, configuração da qual ela fez parte. É tudo o que ela tem a dizer em seu favor, no melhor estilo da política de cabresto do Brasil. Nem vou fazer considerações sobre o significado dessa política, mas apenas lembrar que meu ingresso na UFBA deve-se à aprovação num concurso público a que fui submetido. Onde o ICADS estivesse, lá eu estaria. Portanto, deputada, não lhe devo favor algum, tampouco a algum político local, como você parece sugerir.

Pergunto-se me se Kelly se sente agradecida pelos políticos que implantaram o Campus da UNEB em Barreiras. Será que a atual deputada sabe que grande parte, se não a maioria, das Universidades Federais foram criadas durante o Regime Militar? Mas ao sugerir que lhe devo algum favor porque ela participou de uma reunião que aprovou a cessão de uma escola municipal para a instalação da UFBA, Kelly comete aquilo que em lógica se chama de uma falácia argumentativa: uma tentativa de estabelecer uma relação de causa e efeito onde não há, como se o preço da vela atestasse as virtudes do defunto.

O melhor, porém, é que para rebater a afirmação de que em dois anos nada fez além de defender Jusmari, Kelly só consegue invocar uma “ação” sua da época que Saulo era prefeito. Isso significa que na gestão anterior ela ainda era impelida a realizar algo. A cada vez que tenta me refutar, mais ela vai me dando razão.

Faça valer o tripé essencial de uma Universidade pública doutor, e chame todos os deputados sem rancor e pensando num projeto de desenvolvimento e nos apresente idéias e sugestões para melhorar a vida do povo e da região. Isso é extensão que junto com a pesquisa e o ensino, consolidam a qualidade da Universidade. Estou a sua disposição.

Pedindo licença para usar suas palavras doutor, repito o que senhor usou em artigo sobre a questão do Jornal São Francisco:

" Se é útil esconder a verdade em prol de uma causa, ainda prefiro estar na companhia de Montaigne. E para que a utilidade não se sobreponha à honestidade, é preciso que a verdade seja dita."

Com muita solércia, Kelly reproduz minhas próprias palavras, usando-as contra mim. Segundo ela, meu artigo esconde a verdade porque estou escrevendo em benefício de uma causa. A intenção dela é mostrar que escondo a verdade em prol de uma causa, embora ela não diga qual é.

Em todo caso, se Kelly havia nos tranquilizado quanto ao seu futuro desempenho como deputada estadual, quando questionada sobre seus projetos, em vez de responder sobre o que podemos esperar dela, ela parte pro ataque. A esperança com que antes ela havia acenado era na verdade um dardo venenoso que agora ela lança. Se eu estiver esperando por algo, que trate de fazer, ou então convoque os deputados e apresente-lhes soluções.

Isso é o corolário de seu lamento feito antes, o de que Barreiras não tem bons líderes políticos por omissão dos doutores, que não promovem cursos de extensão para formar melhores quadros. É a própria Kelly quem nos informa da qualidade dos líderes barreirenses. Aliás, esse é o único momento em que estamos de acordo, pois também compartilho do lamento. Mas sua fórmula para resolver o problema, embora assaz esperta, é de uma mediocridade gigantesca. Parece que os últimos dezesseis anos de nossa política nacional não ensinaram nada a Kelly sobre a relação entre doutores e lideranças políticas.

Querendo usar minhas afirmações contra mim para sustentar que falto com a verdade, a cada sentença Kelly revela que tenho razão. Aliás, algumas delas eu anunciei em forma de pergunta, e a própria vereadora respondeu. Por fim, como parece ter gostado muito das citações que utilizo, vou deixar mais uma para Kelly: “podemos mentir com a boca, mas com a expressão da boca ao mentir dizemos a verdade”. (Nietzsche).

Por Márcio Lima

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

"02 de Fevereiro", por Sandro Ferreira

Hoje, dois de fevereiro, muitos brasileiros buscam as águas para uma conversa com elas, ou com as entidades religiosas que as representam. Em Salvador, no Rio Vermelho, muitos, muitos mesmo, vão realizar pedidos ou agradecimentos a Yemanjá, numa festa mundialmente conhecida. Aqui em Barreiras, numa cerimônia ainda nem tão conhecida assim, o povo de santo (do Candomblé e da Umbanda) se encontra com o Rio Grande para falar com Oxum, a orixá das águas doces.

Essa celebração no cais de Barreiras está envolta numa simbologia enorme. É muito mais do que uma cerimônia religiosa, é a oportunidade de chegarmos perto dos nossos rios para uma reflexão sobre o que eles representam para nós. Ainda mais, é também uma oportunidade de olharmos para o céu e pensarmos porque os deuses dos trovões, os orixás dos raios, têm reagido tão ferozmente contra o povo, mandando chuvas torrenciais que derrubam encostas, matam milhares. Verdade que aqui em Barreiras as chuvas até são bem vindas, apesar dos estragos que fazem (ou evidenciam) nas nossas ruas.

É tempo de falarmos com as águas, de reverenciar o Rio Grande. Pensar quantos estragos estamos fazendo nele, poluindo-o, extraindo dele água demais para irrigar produtos que sequer ficam nas nossas mesas. Recentemente fomos surpreendidos com o dia em que parecia que o “mundo havia acabado” (nas palavras de um ribeirinho) quando de repente o rio preto secou de repente, simplesmente porque alguém resolveu do nada fechar uma represa sem pensar nos milhares que vivem, quase que veneram, estes rios.

“O sertão vai virar mar, e o mar vai virar sertão”. (Antônio Conselheiro)

É hora de pedirmos proteção a Yemanjá e a Oxum. É hora de nos apegarmos a todos os saberes, especialmente aqueles que interpretam a complexa relação do homem com a natureza. Hoje, numa linda festa, de um povo que insiste bravamente em manter suas tradições mesmo sofrendo todo tipo de preconceito de nossa “democrática” Barreiras, teremos a oportunidade de nos reconciliarmos com “todos os santos, encantos e axés” desta terra, para quem sabe um dia, aprendermos a conviver com a natureza e com nós mesmos.

- Por Sandro Ferreira

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

"Carta ao Jornal do São Francisco", por Paulo Baqueiro

Na seção “Celebridades” (?!) do Jornal do São Francisco (edição n. 84), fui citado por uma frase minha na qual tecia críticas ao próprio periódico. Na referida seção, foi mencionado um comentário que eu havia feito, se não me engano aqui mesmo no blog, o qual transcrevo exatamente como está posto no jornal: “Paulo Baquero (sic): ‘Não consigo ler esse Jornal (do São Francisco) (sic) não dá pra saber o que quer, se é de esquerda ou direita. As (sic) vezes é contra o agronegócio, outras a favor’”. Esta frase é seguida então de uma réplica escrita por J. Alfredo, que afirma: “É mesmo, professor, é um jornal eclético, aberto a todas as correntes de pensamento”.

Pois bem, diante da situação, me pareceu propício aprofundar um pouco mais este debate, principalmente pelo que está contido nas entrelinhas, tanto da minha afirmação (que infelizmente foi escrita de forma descontextualizada), quanto da resposta de J. Alfredo.

Importante esclarecer que o que seguirá nas próximas linhas foi enviado ao redator do jornal e, portanto, em determinados trechos, direciono o diálogo diretamente ao destinatário. Assim, segue:

Caro redator,

Em resposta a uma citação do meu nome no Jornal do São Francisco, feita na seção “Celebridades”, da edição n. 84, gostaria de fazer os seguintes comentários:

Vivemos uma época estranha e ainda pouco compreendida, que alguns chamam de hipermodernidade, modernidade líquida ou pós-modernidade. Este modus vivendi é irmão siamês do capitalismo contemporâneo, que é marcado, por sua vez, pelo chamado regime de acumulação flexível, este mesmo que fomenta, por exemplo, a inauguração de um escritório da Bolsa de Chicago em Luís Eduardo Magalhães, uma cidade pequena do mundo subdesenvolvido.

Pois bem, uma das principais características deste momento da História é a forte crise de valores, de referências. O capitalismo prevaleceu e impôs valores que estão sempre ligados ao dinheiro. Foi assim, por exemplo, que a célebre foto de Che Guevara passou a estampar camisas de marcas internacionais, como a GAP, para serem vendidas às classes combatidas pelo próprio líder revolucionário (a ironia é também uma marca da pós-modernidade).

O que quero dizer, caro redator, é que, como afirmara o velho Karl Marx, com toda a razão, nos dias de hoje “tudo que é sólido se desmancha no ar”. Vivemos numa sociedade onde tudo se metamorfoseia muito rapidamente, deixando as pessoas atônitas. Estas, sem poderem pensar sobre a sua própria existência na mesma velocidade com que as coisas acontecem, apenas aceitam e seguem...

Nós, formadores de opinião (tanto o professor, quanto o jornalista), temos a obrigação de prover a sociedade de âncoras para que esta possa se sentir segura diante dos acontecimentos que fazem a História do presente. Para tanto, ter posicionamentos firmes e claros sobre o que acreditamos é fundamental. Mas não confundir firmeza de posicionamento com dogmatismo, ortodoxia ou enrijecimento do pensar. O que digo é que precisamos demonstrar nossas crenças com clareza, sem confundir.

Algumas vezes, caro redator, me questiono se o periódico cumpre este papel, daí a minha afirmação, reproduzida na edição n. 84. Por exemplo: quando leio textos em defesa dos mais pobres e carentes em um mesmo veículo de comunicação que exalta o agronegócio como promotor do desenvolvimento em um pretenso estado do São Francisco, fico confuso, pois desconheço o modelo político-econômico já implantado no mundo subdesenvolvido no qual a pobreza tenha sido erradicada (ou mesmo mitigada) através dos esforços emanados pela agricultura de alto rendimento. Afinal, os interesses são outros...

Por outro lado, alguns dizem que os posicionamentos de esquerda e direita já não existem mais, ficaram relegados à condição de curiosidades enciclopédicas do “breve século XX”, como diria Eric Hobsbawm. Mas, ao contrário do que se pensa e ainda que sem a clareza de antes, progressistas e conservadores seguem manifestando suas intenções. O problema é que, com discursos modernosos e reciclados, os militantes de esquerda se parecem cada vez mais com os de direita e vice-versa. Muitos até acendem a mesma vela para “Deus” e para o “Diabo”.

Assim, se o ecletismo é uma marca da estética e da cultura pós-modernas, o mesmo não deveria acontecer, ao menos a meu ver, na forma como disseminamos a nossa visão de mundo, as nossas crenças políticas. Há aí dois riscos: o de confundir a quem nos lê ou nos ouve e o de parecermos neutros diante da realidade, algo que, para o bem ou para o mal, nunca somos.

Espero, enfim, caro redator, ter esclarecido as motivações que me fizeram proferir a frase já mencionada. Espero ainda que as minhas críticas sejam absorvidas dentro do mais livre espírito democrático e sinta-se à vontade, desde já, para discordar delas.

Sem mais,

Paulo Baqueiro (Professor do Curso de Geografia do ICADS/UFBA)