Talvez seja inadequado o título, afinal não é bem sob o regime de parlamento que funciona o que nos habituamos a denominar de Câmara Parlamentar. Diz-se que, por arrogância característica da classe política, os deputados batizam os seus pares com o nome de parlamentar. Como a linguagem é o que nos define, seja por arrogância ou não, a verdade é que os indivíduos que representam o povo da Bahia na assembléia legislativa tanto merecem o título que não se trata de um elogio tratá-los como parlamentares, mas antes a palavra “parlamentar” é que tem a sua dignidade elevada ao ser empregada para um fim tão nobre. Se as coisas se passam assim com os parlamentares da triste e dessemelhante Bahia, o que dizer da parcela parlamentar mais competente do estado, aquela que representa o povo do Oeste? Louvores, louvores, louvores. É pelo nome de vossa diligência que eles atendem.
A título de ilustração, todos sabem que o Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável da UFBA, há pouco tempo, ficou cerca de três meses em greve em virtude das precárias condições de acesso aos seus novos prédios. Meses com as atividades de ensino paralisadas, professores, alunos e técnicos engajados em torno de uma causa comum, manifestações nas ruas da cidade; várias assembléias, diversas reuniões com a Prefeitura Municipal de Barreiras, audiências com o Governo do Estado, com a Reitoria da UFBA, com a Presidência da Assembléia Legislativa do Estado. Por fim, tantas e tão variadas ações para simplesmente dar com os burros n’água...
Como “a união faz a força, mas nem por isso se deve por tanta água no leite”, as aulas voltaram ao normal. Porém, há algumas semanas, para surpresa de todos, publicou-se que a ordem de serviço para execução do acesso ao campus seria imediatamente expedida pelo Estado por força da intervenção de uma jovem parlamentar. Preservemos a identidade da notável parlamentar, ao tempo que nos resguardamos da acusação de apologia partidária, batizando-a com um codinome qualquer – Kelly.
Ora bem, noticiou-se que a tal Kelly conseguira num átimo, com algumas poucas palavras, aquilo que uma unidade universitária não havia conseguido em meses de desmesurado esforço. “No mais tardar, na próxima semana, os trabalhadores estarão no local a executar a obra”, vaticinara a nobre parlamentar. Houve quem caísse em prantos com a notícia que parecia não passar de mais um sinal dos tempos.
“Descompostura!” Bradavam alguns por ignorar que “Deus só dá os dentes a quem não tem nozes.” “Oportunista!” Acusavam-na injustamente outros tantos. Que mal há em resolver um problema, com uma fotografia ao lado de autoridades do Governo, para o qual meses de militância política não foram capazes de sequer reivindicar claramente a solução? Não compreendo a indignação e revolta, afinal não era asfalto o que queriam? Faça-se o asfalto, disse a parlamentar, e o asfalto fez-se. E que culpa tem a parlamentar se professores, alunos e técnicos de uma Universidade ignoram completamente a lição mais elementar em matéria de política? Tudo pode ser resolvido com uma fotografia.
Todo sábio político sabe que para ser bom político, antes de tudo, é necessário ter coragem para dizer a verdade e jamais transigir. E sabe também que “palavra demais só custa dinheiro em telegrama.” Afinal, o que diria um político diante de um eleitorado sedento de verdade? A mentira? Não resta dúvida de que o eleitorado em pleno acesso de cólera e justa indignação lhe deporia de sua função a pedrada. E por mais que o bom profissional em política tivesse elaborado habilmente a sua mentira, por mais cuidadosamente que a tivesse ensaiado, o menos inteligente dos eleitores lhe flagraria mentindo. Assim, desacreditado e desmoralizado, o pobre diabo abandonaria a carreira política e talvez, com a ajuda dos astros, conseguisse um emprego qualquer.
Dizem ainda, os mais céticos, que fora feito o asfaltamento, mas falta a ponte. É que eles, por terem pouca fé, não crêem ser verdade o que me contou um amigo. Ele suspeita que a tal parlamentar seja capaz de, uma vez posta abaixo a ponte de madeira, reerguer uma de cimento, ferro e brita em três dias.
Quanto a mim, suspeito que esse feito não passaria de algo a realizar-se ordinariamente nas mãos de uma política tão esmerada em servir aos seus eleitores que segue à risca o lema “do povo, pelo povo, para o povo”. Quanto ao dístico “Mateus, primeiro os teus”, isto é coisa de mau político, coisa rara em nosso vasto estado. Ademais, não se trata de uma parlamentar, mas de um parlamento inteiro, essa tal jovem.
Infelizmente, somente depois de ter enviado este texto para publicação, fui informado por fontes confiáveis que a estrada continua sem asfaltamento e a ponte pior do que antes. Que seja verdade, que nada de ponte e nada de asfalto, mas é verdade também que, como diria o Barão, “quem passou o inverno nu, passa o verão que é mais quente”.
por Wagner Teles
Háááá!!!!!
ResponderExcluirEssa foi muito, muito boa. Nem tenho um comentário cabeça pra fazer agora. Contento-me em elogiar.
Contra a rainha da educação e solicitude, temos o rei das ironias.