“Nação Oestina”. Este é um termo
largamente atribuído à população do Oeste Baiano quando o tema é a criação do
estado do (Rio) São Francisco. Prenhe de um inconcebível ufanismo, a concepção
de “nação” é empregada com muito pouca acuidade conceitual, o que pode gerar
interpretações extremamente perigosas. Este termo, aliás, nem sequer deveria
estar na pauta de discussão sobre a criação da nova unidade federativa, tal é o
disparate da sua apropriação como argumento separatista.
Nós, que habitamos a porção do
território baiano à esquerda do majestoso “Rio da Integração Nacional”,
independente de termos nascido aqui ou acolá, não formamos uma nação distinta
do restante dos brasileiros, como sugerem aqueles que fazem uso de tal termo.
Dito de outra forma, a tal “Nação Oestina” simplesmente não existe.
O historiador Eric Hobsbawn, na
magistral obra Nações e nacionalismo
desde 1780, afirma que uma nação corresponde a um quantitativo considerável
de pessoas em cujos membros se consideram como membros de uma “nação”. Em
outras palavras, para constituir uma nação, um grupo deve ter consciência de
tal condição. Assim, é necessário que “os de dentro do grupo”, ou seja, os
membros conscientes da sua condição de nação, enxerguem uma dada homogeneidade
que os façam se tratarem como iguais e, ao mesmo tempo, os diferencie “dos de
fora do grupo”, aqueles que são os demais membros da sociedade da qual fazem
parte.
A identificação com elementos
materiais e simbólicos que promovem aquilo que Milton Santos chamou de
“solidariedade orgânica” é também territorial, pois gera laços entre o grupo e
o espaço em que o primeiro se reproduz socialmente.
Para exemplificar, pensemos no Euskadi
(País Vasco ou Vasconia, ambos os termos em espanhol), que constitui uma
Comunidade Autônoma do Reino da Espanha, mas cujos laços histórico-culturais
transbordam para outras comunidades e mesmo para além da fronteira com a
França, constituindo um território em dois Estados distintos. O elemento de
unidade (que dá sentido à ideia de nação) é o idioma, o euskera (mais
conhecido como língua basca). Neste caso, o habitante do Euskadi, pelos
valores histórico-culturais que possui, não se vê como espanhol, já que não usa
o idioma castelhano. O mesmo ocorre na Catalunha e na Galícia, outras das
comunidades autônomas espanholas.
Os palestinos, por sua vez,
possuem, além da religião, o idioma e o alfabeto como elementos que os
diferenciam dos judeus. Porém, sua ascendência genética – que define a etnia –
os aproxima daqueles que expropriam o seu território (os mesmos judeus
anteriormente citados). Trago este segundo exemplo para mostrar que, ao
contrário do que fazem parecer por meio da propalação do termo em questão nos
discursos separatistas do Oeste Baiano, a formação de um sentimento
nacionalista é extremamente complexa.
Em outra perspectiva, pensemos
nos torcedores de um clube do futebol. Tomemos a mim a aos milhões de
torcedores do Esporte Clube Bahia, que nos autodenominamos “Nação Tricolor”
como o caso a ser analisado. Todos somos tricolores, é verdade. Mas, antes
disto, somos brasileiros, lusófonos, adeptos (ou não) das mais diversas
matrizes religiosas existente no Brasil, possuímos identidades territoriais
ligadas a bairros ou cidades as mais diversas. Ou seja, não nos distinguimos em
nada dos torcedores do Vitória – ou de qualquer outra torcida brasileira –
naquilo que importa quando se fala em uma nação.
Portanto, empregar o termo “Nação
Tricolor” como um elemento de identificação dos torcedores do glorioso Esporte
Clube Bahia serve tão somente para demonstrar a existência de uma coesão que é
parcial e momentânea, pois se torna real apenas quando o assunto é futebol.
No caso do Oeste Baiano, que
elementos partilhamos, como pretensos formadores da nação, para nos fazermos
sentir diferentes dos demais grupos que nos rodeiam? Empregamos um idioma
diferente dos demais (gírias e sotaque não contam, por favor!)? Temos uma
história regional que se distancia da formação territorial das demais regiões do
Brasil Interior? Temos uma formação étnica que nos singulariza diante dos
demais brasileiros (e olha que nem deveríamos confundir etnia com nação)?
Professamos uma mesma religião? E, por fim, como indivíduos, temos vínculos de
unidade, partilhamos os mesmos interesses, nos vemos como iguais?
Não possuímos nenhum dessas
especificidades, pois:
- usamos a mesma língua que os demais brasileiros, com as diversas nuances de sotaque e gírias construídos do contato entre baianos e demais nordestinos, goianos, mineiros e sulistas, bem como da força da mídia, sediada no eixo Rio-São Paulo. Mas, ainda assim, nos comunicamos no bom e velho português;
- a constituição territorial do Oeste Baiano é parte de um movimento maior da nossa formação geográfico-histórica, resultante da paulatina apropriação econômica do interior do país, iniciada ainda no período colonial;
- do ponto de vista étnico, somos o resultado eternamente inacabado de diversas misturas, que ocorrem de modo similar em outras partes do Brasil;
- professamos o catolicismo, o protestantismo, o budismo, o candomblé, qualquer outra religião ou nenhuma delas, do mesmo modo que outras pessoas o fazem pelo restante do país;
- somos muito diversos nos interesses, desejos, aspirações, classes.
Por tudo isso, somos diversos,
heterogêneos, não possuindo o tal elemento de coesão histórico-cultural e
territorial que faria de nós, habitantes do Oeste Baiano, uma nação. Assim, ao
tratarmos o tema do nacionalismo com seriedade, buscando enquadrá-lo às
premissas científicas que o termo merece, a “Nação Oestina” tem tanta validade
quanto a “Nação Tricolor”.
A utilização do termo “nação”
para designar a população que habita o Oeste Baiano poderá, em um limite
extremo, criar cisões que suscitariam extremismos entre os que querem e os que
não querem a separação da Bahia. Insistir no uso de tal palavra é, portanto,
uma irresponsabilidade. O que sugiro é que, ao invés de celebrarmos a sandice
do tal nacionalismo oestino, que nos orgulhemos da diversidade que possuímos,
independente destas terras virem a se tornar (ou não, como diria Caetano
Veloso) uma nova unidade federativa.
por Paulo Roberto Baqueiro
Brandão
Professor de Geografia
do ICADS/UFBA
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