quarta-feira, 11 de maio de 2011

"Como orientar-se sem pensamento?", por Márcio Lima

Todos devem ter acompanhado a recente visita da nossa presidenta (como ela prefere ser chamada) à China. Nas negociações que levaram Dilma ao Oriente, o ponto principal dizia respeito ao tipo de acordo que os dois países têm mantido, com uma clara vantagem para os chineses. A questão é que, de forma geral, o Brasil exporta commodities e importa produtos manufaturados. Vendemos minérios para o exterior e exportamos produtos tecnológicos de cujos componentes os minérios fazem parte. Para ficar na sensação do momento no Oeste, o tal do tálio, a tendência é de extrairmos o produto, exportar e depois comprar equipamentos de que ele faz parte. Aquilo que o Brasil sabe fazer bem quando, por exemplo, exporta minério de ferro e importa aço. Dilma quer, portanto, modificar nossa forma de negociar, tentando “agregar valor” (sei que a expressão ajuda a desagregar a inculta e bela língua portuguesa) aos nossos produtos. Daí ter sido comemorado como um grande negócio a notícia de que a empresa Foxconn vai fabricar o iPad no Brasil.

O que chama a atenção nisso tudo é um problema de fundo, sem cuja solução o Brasil vai estar sempre impedido de ir mais além. Indo logo ao ponto, refiro-me à educação. Noticiou-se que a Foxconn pode gerar, em cinco anos, cem mil empregos, dos quais vinte mil seriam para engenheiros. Uma só empresa é capaz de produzir tantos postos de trabalho. Imaginem um cenário ideal em que várias empresas venham “agregar valor” ao produto interno bruto nacional para que eles sejam vendidos de forma manufaturada; imaginemos mais: em vez de depender apenas de empresas internacionais, o Brasil comece a ter suas próprias empresas, como a Petrobrás. Quantos postos de trabalho seriam criados nesse boom desenvolvimentista? Agora a pergunta: temos mão de obra qualificada para atender a essa demanda? Temos massa crítica para transformar a natureza em si em fenômenos industrializados? Como a resposta é conhecida, vamos aos problemas.

Embora muitos afirmem que começou com Galileu a aventura moderna, baseada na ideia de que a natureza é escrita em linguagem matemática, portanto, sem dominar essa linguagem não podemos dominar o mundo, disso os antigos já sabiam, pois é pitagórico o princípio de que a natureza é escrita em linguagem matemática. Em suma, desvendar os segredos da natureza não é possível sem matemática. É claro que a modernidade, na qual em grande medida ainda estamos mergulhados em termos científicos, levou essa equação ao infinito. Graças à matemática, mesmo a física se modifica completamente no mundo moderno, quando comparada à dos antigos. Eis que matemática e física, justamente os conhecimentos mais elementares para a produção do conhecimento tecnológico, é o que mais falta aos brasileiros. Em termos de déficit, na privilegiada educação nacional, elas – matemática e física – ocupam um lugar mais privilegiado ainda.

Tudo isso é óbvio demais. Mas aquilo que todos estão cansados de saber, e por isso parece que ninguém se importa mais, dói na pele quando nos atinge e faz sangrar. Nesse aspecto, nossa situação particular do Oeste baiano realça com muita força essa verdade universal brasileira. A cada ano, o número de ingressantes nos cursos de graduação do ICADS vem diminuindo. Chegamos ao cume de não termos nenhum aluno matriculado no curso de matemática em 2011. Nos demais cursos, geologia, física, química, por exemplo, a situação não é melhor. É um fenômeno que ainda estar para ser explicado, mas lembro que em 2006, quando houve o primeiro vestibular, os números eram mais animadores, embora não houvesse ainda os cursos de matemática e física.

A situação então é a seguinte: estamos numa região cuja produção é exclusivamente de commodities, e temos, por outro lado, uma universidade federal com professores e laboratórios, que devem preparar da melhor forma as pessoas pensantes e qualificadas para tomar sob os seus ombros a responsabilidade pela transformação intelectual, social e econômica (fiquei tentado a escrever política, mas a questão é ainda mais complicada) que se acena no horizonte. Contudo, não é isso o que está acontecendo, pelo menos não como seria desejável. Estamos longe disso. Mais uma vez, o Oeste reflete exponencialmente os problemas do Brasil. Volto ainda a essas questões.

Por Marcio Lima

terça-feira, 3 de maio de 2011

“Barreiras na travessia”, por Valney Dias Rigonato

Barreiras é uma importante cidade na região do Oeste da Bahia. Um município banhado pela fronteira do agronegócio. Há na cidade a concentração de vários serviços, instituições, multinacionais e outras. Além disso, é notório o crescimento (des)ordenado do espaço urbano. Em sua própria toponímia guarda o papel dos rios – rio Grande e o rio de Ondas - enquanto obstáculo das territorialidades pretéritas. No entanto, talvez hoje os obstáculos do passado servem enquanto travessia para as territorialidades presentes.

Uma típica cidade que perpassa pelas metamorfoses da fronteira agrícola moderna. Tal realidade pode ser visualizada também em Chapadão do Céu (GO), Rondonópolis (MT), Balsas (MA) e também em Luiz Eduardo Magalhães (BA) é, evidente que cada uma com suas especificidades espaciais.

Barreiras, portanto, situa-se no encontro desses dois importantes mananciais: rio de Ondas e o rio Grande. O primeiro, fonte de inspiração da população local em suas estórias, fonte de lazer e motivação científica para várias pesquisas. O segundo, majestoso pela sua própria natureza, cuja ocupação ultrapassa as áreas de preservação permanente. É, também na foz do rio de Ondas que germinam os grãos de areia que potencializam a construção da infraestrutura urbana e, mormente brotam relações humanas ímpares.

Legenda: Os areeiros na foz do rio de Ondas em suas atividades trabalhista diária.
28 de Abril de 2011. Rigonato, 2011.

Como se observa na figura acima é na travessia que alguns moradores de Barreiras retiram a sua sobrevivência. O areeiro: ator emblemático da paisagem do rio de Ondas o qual utiliza enquanto sua atividade trabalhista para a própria sobrevivência. Ambas desenvolvidas na travessia. Personagens que encontraram na travessia a possibilidade de interrelação do seu modo de vida com o modo de vida imposto pela modernidade.

Segundo, os próprios areeiros “Hermenegildo, Azulão, Brito, Lourival e Nossa” a atividade é árdua, porém compensatória para a sobrevivência. Diariamente um areeiro retira em média quatro metros de areia que correspondem, quatro a cinco barcos. Além disso, os mesmos afirmaram que existem aproximadamente 100 trabalhadores, ou melhor, areeiros.

Diante dessa realidade, torna-se importante frisar que o agronegócio dilapida as paisagens do Cerrado. Com isso, amplia-se o quantitativo de sedimentos e as desigualdades sociais tornam-se mais acirradas.

Essa travessia é o lócus do encontro do tradicional com o moderno. O encontro das velhas e novas territorialidades. Lugar típico da sedimentação da exploração das relações de trabalho, da intensificação da relação sociedade-natureza e, sobretudo, lugar no qual emerge a ressignificação das especificidades espaciais de Barreiras (BA).

Assim, para os profissionais da Geografia as paisagens é um quadro humano revelador dos atores das transformações espaciais. É importante contemplá-las e significativo, observá-las, senti-las e ouvi-las. O Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável – ICADS, da Universidade Federal da Bahia e, consequentemente o curso de Geografia estão atentos às transformações dessas paisagens.

Enfim, que os atores e autores do rio de Ondas possam compreender que os sedimentos naturais e sociais de outrora já não possuem a mesma gênese socioambiental do presente.

por Valney Rigonato
Professor do ICADS/UFBA
Coordenador do LAPEGEO – Laboratório de Ensino,
Pesquisa e Extensão em Educação Geográfica.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

"Ficha Limpa: Mais uma prova da tirania no Brasil", por Marciel Viana

Uma questão polêmica surgiu na sociedade brasileira nas eleições presidenciais de 2010. Nasceu mais um filho prematuro de nossa sociedade, este se chama FICHA LIMPA. Chamo de prematuro, pois não se desenvolveu o suficiente para que se tornasse válido. Pois numa tentativa de aborto por nossos ilustres “representantes”, - que se dizem democráticos -, nosso filho quase morre. Mas que democracia é essa existente no Brasil? Não seria esta um regime de governo em que o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos, direta ou indiretamente? Que representantes são esses que não aceitam uma decisão do povo – será porque essa decisão iria contra seus princípios tiranos? Essa forma tirana de governar é uma alternativa à democracia! Mesmo sem perder de vista que deveria representar a vontade do povo, nela o chefe governava com poder ilimitado.

Esse nosso filho deve ser tratado com muita atenção; por ser um filho com necessidades especiais e também por ser um dos únicos que ainda existe em nossa sociedade – se não o único. Nossos “representantes” rasgaram a constituição brasileira a qual diz que “o poder emana do povo”, mas a realidade é contrária. O que vemos, é o povo contra a tirania que reina no congresso e usufrui de seus milhões, enquanto que o povo fica com os seus grilhões.

Qual será então o problema do Brasil? Seria a ignorância do dito “povão”, que devido à falta de educação de qualidade não luta por seus direitos? Ou dos ditos intelectuais, que vão para mídia dizer que um dos atos mais importantes de 2010 foi a FICHA LIMPA? - Não seria esta a maior prova de que não existe democracia no Brasil? Existe então um paradoxo entre ações momentâneas e a continuação dessas ações em nossa sociedade. Seria essa não continuação, pelo fato de que o “povão” sem refletir - só faz inalar toda essa podridão que a TV nos emite? Ou dos “intelectuais” que só fazem falar e escrever e voltar para o pedestal da universidade como se não fizesse parte do “povão” e por isso mesmo não participa de uma militância social em defesa de nosso país? Não devemos nos curvar diante dessa tirania, e sim permanecer firme na luta para que nossos filhos cresçam e faça do Brasil um Estado realmente democrático.

Acaba de deixar a presidência o primeiro presidente que surge da classe trabalhadora e agora assume a primeira mulher que pretende seguir a mesma linha do governo passado. Será que teremos que esperar a primeira negra ou o primeiro negro? E outras "primeiras" e "primeiros" que surgirão, para que finalmente possamos ter um governo realmente democrático, que faça uma mudança radical nesse sistema para acabar com essa desigualdade gritante existente em nosso país?

Para que nosso país chegue realmente à democracia, devemos acabar de vez com nossa passividade e fazer as coisas acontecerem no Brasil, evitando acontecimentos vergonhosos, a exemplo do que ocorreu em agosto de 2010, quando o Ministro da Justiça Eros Grau se aposentou deixando uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), atrapalhando o julgamento da lei da FICHA LIMPA. Que pelo fato de ter apenas 10 Ministros, o resultado – coincidentemente ficou empatado em 5 a 5 (não aprovando a lei). Eros Grau não quis se complicar e pulou logo fora do barco, já o Presidente do STF, Cezar Peluso, não quis dar seu voto de minerva, pois sabia que iria se complicar (só lembrando que ele votou contra a aprovação da FICHA LIMPA). Não seria este acontecimento algo planejado devido à proximidade das eleições em outubro de 2010? Para que não ocorresse nenhuma mudança que venha a fragilizar o modelo tirano que reina no congresso nacional?

Reporto-me a um velho e bom ditado que diz, “a esperança é a ultima que morre”, fico feliz porque ela ainda existe, e ao mesmo tempo vergonhoso por saber que é necessária tela. Neste caso, a esperança seria a entrada do novo Ministro, Luiz Fux, que poderia desempatar todo esse “jogo”. O Ministro Fux, antes de votar, elogiou a FICHA LIMPA dizendo que a mesma “conspira a favor da moralidade”, mas infelizmente os discursos divergem dos atos, e o voto do Ministro resultou na aplicabilidade da lei somente em 2012. O magistrado alega que a lei viola o princípio da anualidade eleitoral, baseando-se no artigo 16 da Constituição Federal.

Infelizmente quando se trata de beneficiar o povo, não se pode violar a lei, mas algumas exceções são salvas, do tipo: O artigo 1º, parágrafo único da Constituição Federal, citado anteriormente, diz, “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (Constituição Federal, 1988). Neste caso, a lei pode ser, e foi violada, pois se trata de beneficiar um punhado de corruptos como Cássio Cunha e Jader Barbalho que irão usufruir seus milhões – que na verdade deveriam ser do povo, mas que nos são expropriados.

Espero não precisar mais de esperança para que a FICHA LIMPA seja validada em 2012, mas existem milhares de "esperanças" para acabar no decorrer da vida. Espero um dia acabar com a principal esperança, que é ver o país seguindo de acordo com a vontade do povo, que ao invés de aplicar uma democracia representativa, aplique uma democracia direta e participativa. Essa participação direta é feita através de plebiscito popular, como foi o caso do plebiscito das armas, e não como a FICHA LIMPA, que não passou de um abaixo-assinado do povo, - pois é somente desejo deste -, e por isso mesmo não foi levado para um plebiscito popular; se fosse, seria aprovado para o ano de 2010, retirando vários corruptos do Congresso Nacional, e o Brasil entraria desde já em uma fase de transição da Tirania para a Democracia, favorecendo somente ao povo, que desde a conquista de nosso país em 1500, nunca teve esse direito.

“Devemos votar em representantes que lutem por direitos e não por privilégios”.


por Marciel Viana
Estudante de Geografia – UFBA/ICADS
Programa de Educação Tutorial – PET

sexta-feira, 8 de abril de 2011

"Terrenos Baldios e Especulação Fundiária na Cidade de Barreiras - BA", por José Antonio Lobo dos Santos

O modo capitalista de produção busca a todo momento a expansão, para tanto, adota as mais diversas estratégias como formas de territorialização no processo de produção do espaço. Nesse sentido, o geógrafo David Harvey, no livro a produção capitalista do espaço, vai nos dizer que a constante expansão do capital por meio das mais diversas estratégias é uma condição intrínseca ao próprio sistema como garantia de sua própria sobrevivência, uma vez que, problemas que possam acarretar estrangulamentos na produção, na circulação e no realização da mercadoria, que é o consumo, vão gerar crises como formas estruturais de reestruturação do próprio sistema. Nesse sentido, se faz de suma importância compreender as estratégias que norteiam o processo de produção e reprodução ampliada do capital no espaço, principalmente no espaço urbano, onde o filósofo marxista e sociólogo Henry Lefebvre, no livro A Revolução Urbana, vai apontar conceitualmente a cidade como o lócus da reprodução do capital.

Com base nessas premissas, busco analisar nesse pequeno texto o processo de produção e reprodução ampliada do capital na cidade de Barreiras – BA, por meio da especulação fundiária via propriedade privada no espaço urbano. Para tanto tomaremos como referência o intenso processo de especulação fundiária existente na cidade como instrumento de manutenção permanente da acumulação capitalista. Acumulação que por meio da obtenção de renda capitalizada vem se concretizando como uma forte estratégia de reprodução de capital na cidade em questão. Para manter essa estrutura reprodutiva, que o filosofo Karl Marx no século XIX, vai chamar de rentista, se faz necessário um rigoroso controle da terra por meio do monopólio, ou seja, da propriedade privada.

Nesse caso, é importante entender de que forma o monopólio dos muitos terrenos baldios existentes na cidade de Barreiras funciona diretamente para seus proprietários e indiretamente a outros setores da economia, como instrumento de obtenção de renda capitalizada. Ao tempo em que gera uma grande bolha especulativa no setor imobiliário, o que contribui decisivamente para aumentar o preço dos aluguéis e dos imóveis. Essa estratégia de obtenção de renda capitalizada também faz com que o acesso ao imóvel próprio, principalmente para a classe trabalhadora com menor renda, se torne praticamente impossível. Além disso, dificulta o desenvolvimento de programas sociais de habitação popular, a exemplo do Programa Minha Casa Minha Vida do Governo Federal, por conta da falta de terrenos disponíveis para a construção de casas populares. Outro reflexo negativo do predomínio do monopólio é a ausência de investimentos no setor imobiliário, visto que, o uso improdutivo dos terrenos como estratégia rentista encarece os mesmo e com isso afasta investimentos externos na construção de imóveis para revenda financiada.

Outro problema causado pela grande quantidade de terrenos baldios “improdutivos” na cidade é com relação a proliferação da Dengue, uma vez que, segundo dados oficiais mais de 80 focos de dengue já foram identificados em terrenos baldios. Posso citar também o aumento da violência, pois a falta de limpeza dos terrenos, onde se formam grandes matagais coloca em risco a seguranças das comunidades, pois essas áreas favorecem que pessoas que querem cometer determinados delitos possam usar esses terrenos como esconderijo.

Diante desse contexto, se faz de suma importância discutir e elucidar essas questões e com isso contribuir para a elaboração de uma argumentação crítica sobre o monopólio da terra para a acumulação de capital e ao mesmo tempo contribuir no sentido de abrir um debate sobre o uso estratégico da propriedade privada por meio dos terrenos baldios como ferramenta de concentração da renda e de exclusão social na cidade de Barreiras – BA.

Esse simplório texto é para chamar a atenção sobre esse grave problema que não é exclusivo da cidade de Barreiras, porém, se manifesta como estratégia capitalista de acumulação com muita força nessa cidade.

A sociedade civil organizada deve cobrar intensamente da prefeitura municipal e de outros órgãos competentes que combatam essa monstruosa situação, pois a legislação vigente (Constituição Federal e Estatuto da Cidade) dá o devido suporte para isso. Por lei a terra obrigatoriamente deve ter função social caso não esteja tendo, o poder público pode desapropriar e destinar, nesse caso, os referidos terrenos para ocupação de interesse social, a exemplo, de área para construção de casas populares, praças públicas e outras.

A cidade de Barreiras não pode continuar sendo tratada como uma província ou um campo de soja dominada por certas famílias que usam a todo tempo as áreas rurais e a própria cidade para atender seus interesses. Aqui já são mais de 137.000 mil habitantes os quais não aceitam mais essas regras arcaicas e conservadoras e, portanto merecem o devido respeito.

por José Antonio Lobo dos Santos
Professor assistente do curso de Geografia do Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável/UFBA.

terça-feira, 29 de março de 2011

"Em Brasília, dezenove horas", por Márcio Lima

Na semana passada, viria a Barreiras uma comissão da UFBA de Salvador para dar andamento ao processo de implantação do curso de medicina no ICADS. A visita, no entanto, acabou não acontecendo. Mas o fato é que isso se tornou notícia e movimentou o noticiário local. O evento é bem ilustrativo do funcionamento da política do Oeste Baiano.

O jornal Nova Fronteira, por exemplo, noticiou que o deputado federal Oziel Oliveira (PDT-BA), em encontro com o ministro da saúde Alexandre Padilha, engrossou o coro para que o curso venha. E assim foi durante os dias seguintes, com a classe política assanhada, todos querendo dar sua contribuição. Se de fato vir a existir um curso de medicina no ICADS, obviamente que todos vão querer colher os frutos, reivindicando seu quinhão de contribuição. Já sabemos à exaustão como isso funciona. O mais curioso é que dos vários nomes mencionados, não vi o nome do diretor da Faculdade de Medicina, José Tavares Neto, que é o verdadeiro autor e defensor primeiro do projeto. Seu piparote inicial, como diria Machado de Assis, é o responsável por colocar em marcha todo o andamento das negociações ora em curso.

Nem mesmo o ICADS, que sempre é responsável por sugerir a criação de seus cursos, tem mérito na proposta, pelo menos até o momento. Ouso dizer que se o curso vier, será um presente que nos foi dado, que nos cai no colo, como se diz por aí. No entanto, os políticos já se articularam para colher os frutos do trabalho alheio. Conhecemos a expressividade de nossos políticos locais para saber que eles têm um peso quase nulo na hora de influenciar qualquer decisão superior.

Mais uma vez, estamos diante do que há mais atrasado na política do Brasil, atraso que se sedimentou de tal forma por essas bandas que nem um abalo sísmico parece capaz de afetar. Quando o deputado Oziel Oliveira planta na imprensa a notícia de que pediu ao ministro da saúde para implantar o curso de medicina em sua região de atuação, ele nada mais está fazendo do que a política da voz do Brasil. Em tempos de internet, a tirania do famoso noticiário político oficial é bastante reduzida. Antes, quem dependia das rádios para ouvir música se aborrecia quando, às dezenove horas, tocava a abertura da ópera O Guarani de Carlos Gomes e uma voz anunciava a hora na capital federal. Era o momento de desligar o aparelho.

Mas é um erro acreditar que ninguém ouvia a voz do Brasil. Nos rincões do gigante adormecido, ela funcionava muito bem, e era um dos principais canais de comunicação dos parlamentares com sua base eleitoral. Nesse aspecto, quando o locutor anunciava que fulano de tal pronunciou um discurso em favor da criação de um açude em sua região, seu eleitor, do outro lado, acreditava que seu representante o estava representando.

Se a internet nos deu autonomia para escutarmos música como quisermos sem ter de ouvir a abertura de Carlos Gomes, por outro lado ela tornou-se o meio pelo qual os políticos geram notícias para dar a impressão de que estão trabalhando. No inconsciente coletivo de muitos (para dizer o mínimo) dos que leram a notícia, já está plantada a ideia de que Oziel Oliveira contribuiu – se não pensarem outra coisa – para que houvesse um curso gratuito de medicina em Barreiras. Depois do curso implantado, é só completar o trabalho e colher os resultados, dentre os quais uma solene homenagem da primeira turma de formandos.

Por Márcio Lima

quinta-feira, 24 de março de 2011

"Os (Ver)dadeiros Buracos de Barreiras", por Marcos Mondardo

Na véspera do início do carnaval em Barreiras e na Bahia, como é que vamos pensar, escrever e falar sobre buracos, nos buracos de uma das principais cidades do Oeste baiano. Inevitavelmente, vemos, faça sol e principalmente faça chuva, brotarem e se espalharem pelas ruas, buracos e mais buracos, o que leva alguns ainda revoltados com essa situação a afirmarem que “a cidade tá destruída”, “a cidade tá abandonada”, “a cidade não tem mais jeito”, “aqui quem lucra são os mecânicos”, ou, aqueles mais acomodados falarem “isso é Barreiras mesmo”, “você está em Barreiras”, “aqui é assim, desse jeito, cheio de buracos mesmo”, e que leva a qualquer recém-chegado a cidade a comentar: “aqui não tem prefeito?”.

Para se ter noção do descaso, com aquele velho empurra-empurra e do jeitinho brasileiro do poder público local, surgiu até nos bairros periféricos de Barreiras, a TV Buraco, uma versão bem humorada da crítica popular e do desabafo da população efetivamente abandonada dos bairros periféricos. Todos os dias moradores dos bairros Cascalheira e Vila Rica, por exemplo, sofrem com a “desgraça do buraco”, um povo que tem sua mobilidade limitada e precária com as chuvas que abrem e enchem de água e lama os buracos. Mas o problema “gigante” dos buracos das ruas é apenas a “ponta do iceberg”. É preciso ir além, muito além dos buracos. Em muitas ruas os problemas não são simplesmente os buracos, mas a falta de asfalto, rede de esgoto e, em alguns casos, água potável e energia elétrica. A universalização radical de serviços básicos tem tanto o papel de distribuição indireta de renda como, por outro lado, provocar a necessária diminuição do poder imobiliário privado (em articulação com o público) sobre o acesso e permanência à moradia, uma das questões centrais e que parece ser “esquecida” em meio aos buracos de Barreiras.

Mas é interessante perceber, que esse mesmo recém-chegado irá notar que se não desse uma volta pelos bairros periféricos, iria ver e produzir uma imagem de uma cidade pela conservada BR que corta Barreiras. É impressionante, como a principal rua da cidade sempre está mais ou menos arrumada para os fluxos de caminhões de soja, milho, algodão, de máquinas do agronegócio, de mercadorias do comércio, de carros e motos, de ônibus e pedestres. Entretanto, ao rodar pelas ruas ao lado dessa BR, a realidade emerge, vem a superfície com muito vigor e saúde, são os buracos que surgem pipocando na frente de carros, motos e pedestres, quase ganhando vida na cidade pois é fácil criarmos amizade com o buraco da rua tal de tanto que o já conhecemos, que já sofremos com ele, faça chuva ou faça sol. Conhecer Barreiras é, portanto, conhecer seus buracos. E, quantos buracos, trechos de ruas praticamente intransitáveis em que é inacreditável como os carros, motos e o “coitado” do pedestre conseguem passar, adaptando-se as condições precárias de trânsito, de mobilidade e de acessibilidade. Apenas quem tem uma caminhonete se dá bem, mas, como eu, como você, não temos uma S10 e muito menos uma Land Rover, a maioria se dá muito mal. A cidade, por esses buracos e muito outros, parece um queijo, toda furada, toda roída e corroída por ratos, e quantos ratos...

Se no período da construção de Brasília governar significava abrir estradas, em Barreiras governar parece ter como função principal abrir buracos. Mas, a função do governo municipal não era fechá-los? E que dificuldade em enxergarmos um simples (nada simples em Barreiras) tapa buracos. Enquanto as estruturas do carnaval começam a ser levantadas pelo mesmo poder público no centro da cidade, os buracos se avolumam, “se afundam”, ou afundam pela precariedade das vias cada vez o principal município do Oeste Baiano. Mas, como podem surgir na cidade “berço” do agronegócio mundial e das belezas naturais, tantos buracos? De onde vêm tantos buracos? Da chuva, do sol... E quantos buracos existem, já existem estimativas, ainda não facilmente comprovadas, que exista um buraco para cada habitante em Barreiras! Que belo argumento para a próxima campanha eleitoral, a campanha dos “tapa buracos”. Parece unânime, o problema são os buracos!

Mas, de onde vem o problema e de onde virá à solução é que os habitantes se perguntam. Aqueles moradores dos bairros periféricos onde transitar já não é mais um direito de ir e vir, mas, sim, um desafio constante, mais um desafio na vida dessas pessoas que lutam diariamente pela sobrevivência e que, agora, lutam, também, para conseguir sair de casa, para o simples deslocamento e acesso ao local de trabalho, seja pulando, seja se contorcendo, seja batendo o motor ou amortecedor do carro, seja colocando o pé na lama nos inúmeros, superficiais, profundos e intermináveis buracos.

Quantos, como eu, como você, já não pensaram, já não se cansaram de pensar, mas porque, porque os buracos em Barreiras não são arrumados, tampados, fechados, parece ser tão fácil. Então qual é o verdadeiro “buraco”: falta de vontade política, falta de recursos, falta de pressão popular, falta de respeito do poder público pela população dos bairros periféricos... Ou, Barreiras é só para o agronegócio transitar pela BR que corta a cidade? Só transitamos pela BR? Parece que são outros os verdadeiros “buracos” que precisam ser estancados para que os buracos das ruas realmente venham a ser fechados. Fechar outros buracos, estancar outros veios de “água” que surgem não só nas ruas, nos buracos, é uma prioridade fundamental que só ocorrerá com mudança política, com mudança de “buraco”. Mas, afinal, de que “buraco” falamos. De vários, são tantos os buracos em Barreiras que às vezes até nos confundimos, não sabemos mais qual rua tomarmos, qual rua escolhemos para ver se temos a sorte de encontrarmos menos buracos. Por isso, temos que pensar realmente, qual o principal “buraco”, qual a verdadeira força da “chuva” ou do “sol” que está causando esses tantos outros buracos em Barreiras.

Por isso tudo e muito mais, em Barreiras a regra é escancarar para camuflar, é escancarar o problema para torná-lo natural, é escancarar para negar a solução, para torná-lo comum e como parte do dia-a-dia dos pobres, mas, por isso, como parte do dia-a-dia dos pobres esses mesmos buracos permitem ver outros buracos, mais profundos, e que precisam ser destampados, desenterrados, para que, vendo o verdadeiro tamanho do buraco, começamos a encontrar os meios para tapá-lo. E é em nós, eu, tu, ela, ele, vós e eles, seja da indignação às proposições, que as possibilidades precisam emergir. Como temos que colocar o pé na lama diariamente para passar pelos buracos de nossas ruas, teremos que por o pé na “lama” para fecharmos outros buracos, pois, em Barreiras, “o buraco é sempre mais embaixo!”.

Por Marcos Mondardo
Morador de Barreiras, Geógrafo e professor do Curso de Geografia ICADS/UFBA

quinta-feira, 10 de março de 2011

"Será Que a Prefeita Sai de Casa Quando Chove?", por Paulo Baqueiro

Hoje pela manhã (16 de fevereiro de 2011), ao tentar sair da minha residência para trabalhar, fui surpreendido com a visão da enxurrada na minha porta, um espetáculo digno de toda a exuberância hidrográfica das cachoeiras do Acaba-Vida e do Redondo. Enquanto tentava atravessar o volumoso curso d’água, me veio à mente a imagem da Prefeita tentando fazer o mesmo que eu naquele momento de chuvas intensas.

Caso tomasse a decisão de caminhar ou trafegar em bicicleta da sua residência à sede do Executivo municipal, as consequências poderiam ser graves, pois, convenhamos, com o corpo diminuto que possui, certamente pereceria diante da força das águas (não sei por que, mas me lembrei do post que o Prof. Sandro escreveu sobre o 2 de fevereiro...). Porém, na hipótese de ter conseguido escapar de tão furiosa ação da Natureza (sempre culpada, oras!), teria que enfrentar o dilema de andar/pedalar nas calçadas – com água até a altura dos tornozelos – ou em meios aos carros, onde a profundidade é, por assim dizer, tolerável. Seria desesperador!

Como não ficaria bem à figura de tamanha importância chegar em frangalhos no escritório oficial, passei a cogitar a possibilidade da Chefe do Executivo municipal seguir em direção ao trabalho em transporte coletivo. Teria que enfrentar a triste situação de proteger-se da chuva em uma parada de ônibus lotada, cheia de goteiras e com lixo boiando em torno dos pés. Pensando bem, apesar de constrangedora, a espera pelo transporte até teria uma finalidade didática, já que seria uma verdadeira prévia do que viria após ingressar no veículo. Não duvido que a Prefeita aprenderia as “manhas” de ser usuária dos ônibus coletivos de Barreiras.

Por outro lado, toda prefeitura, por mais ineficiente que seja, possui carros oficiais para o deslocamento das suas autoridades. Assim, refiz meus devaneios e imaginei a mandatária do município em um belíssimo “chapa branca”, tentando se desvencilhar dos buracos que se multiplicam no que já foi a pavimentação asfáltica de Barreiras. Mais fantasioso ainda é pensar em quem ela culparia, quando, ludibriada pelas águas pluviais não escoadas, a nossa incauta personagem caísse em uma daquelas valas existentes na interseção das vias.

Pobre destino o da nossa Chefe do Executivo: viver em uma cidade onde nada se fez para lidar com a destinação das águas pluviais, onde o transporte público se deteriora a cada dia e, enfim, onde não se teve a menor preocupação em promover acessibilidade, nem em dias de chuva, nem em dias de sol. Por outro lado, como diriam os mais velhos, “dos males, o menor”: já pensou se a Prefeita morasse na Vila Rica, Vila Brasil, Morada da Lua ou Cascalheira?! Aí sim, ela estaria – perdoem o trocadilho – “com os burros n’água”!!

Na verdade, toda esta “saga” que idealizei, tendo a Prefeita como personagem, é realidade na vida de milhares de barreirenses que lidam com problemas semelhantes aos relatados sempre que precisam sair de suas moradias em dias de chuva. Tais problemas resultam, pura e simplesmente, de gestões equivocadas naquilo que é atributo fundamental de toda municipalidade: promover política de infraestruturação urbana e oferta de serviços públicos de qualidade.

Diante de tudo isto, começo a pensar na inadequação da frase-título deste texto em relação àquilo que pretendi expressar como indignação diante da realidade que vigora em Barreiras. Ao que tudo indica, seria mais apropriado perguntar: Será que a Prefeita dorme em paz quando chove?

Por Paulo Baqueiro (Professor da UFBA)