terça-feira, 23 de novembro de 2010

"Deus e o Diabo na Terra do Sol", por Márcio Lima

Quando cheguei em Barreiras, em meados de 2006, deparei imediatamente com uma manifestação contra um projeto do então prefeito Saulo Pedrosa. Algo relacionado à Baía de Guanabara. A nossa, claro. Aquela pressão popular seria apenas uma demonstração do que eu poderia perceber depois: a grande impopularidade do ex-prefeito. Tanto que os dois anos restantes foram de extremo desgaste, culminando com uma votação inexpressiva da candidata da situação, Maria Anália, nas eleições municipais de 2008. No pleito deste ano, quando soube da candidatura de Saulo para a Câmara Federal, cheguei a pensar que a forma como ele conduziu o fim de seu mandato e a sucessão havia sido uma estratégia.

Impopular como estava, indicou alguém sem uma carreira política consolidada para colher ele próprio os frutos dois anos depois. Assim, pensava eu, sabendo que não conseguiria ser reeleito, tampouco fazer sua sucessora, Saulo anteviu que a (o) próxima (o) prefeita (o), por não ter feito nada em dois anos (2008-2010), estaria ainda mais impopular que ele, de modo que o caminho para sua candidatura seria menos árduo. Trocando em miúdos: se o povo achava ruim seu governo, veria que sua sucessora era ainda pior. E como o povo só olha para o instante, quem estiver contra Jusmari, estará ao lado do povo. Não sei se foi esse realmente o cálculo, mas as eleições de 2010 têm um quê de intrigante.

Ora, parece-me que a gestão atual padece de uma rejeição ainda maior que a anterior. Em grande medida, o fator essencial para a eleição de Jusmari foi a esperança de que ela representava o novo e de que finalmente seria a solução para os problemas de sempre. Como isso não aconteceu, a revolta permanece. Todavia, se a atual prefeita gera tamanha insatisfação, por quê, dos três deputados eleitos, dois são seus aliados? Para mim, a única explicação possível é que há uma parcela de eleitores “fiel” à prefeita, ou seja, os evangélicos. E tenho boas razões para deduzir que eles realmente foram o fiel da balança. De fato, basta visitar a página de Fernando Machado e perceber que, quando é publicada alguma matéria sobre a prefeita, os comentários em apoio a ela são todos de teor religioso.

E assim caminha nossa política local. Quando Saulo era o prefeito, impossível imaginar que a situação podia piorar. Mas piorou. O que nos faz pensar que, embora inimaginável, as coisas podem ficar ainda mais trágicas. Podemos esperar uma boa atuação dos dois deputados da base de Jusmari? Vejamos, por exemplo, o caso de Kelly Magalhães. Nas entrevistas que concede e em seu blog, o discurso dela tem sempre o mesmo matiz: ataque aos opositores e defesa ferrenha e incondicional de sua aliada. O que é normal, principalmente quando não se tem trabalho para mostrar. E é justamente esse o problema, pois seu discurso é sua obra. Pergunto o que fez a vereadora nos últimos dois anos de seu mandato que lhe dá crédito para um bom mandato de deputada? Nesse tempo, sua obra foi quase que exclusivamente defender a prefeita, e para tanto usou seu cargo de presidente de câmara. Fato, aliás, para o qual não precisou de muito esforço, uma vez que não há oposição naquela casa. Fica muito evidente que faz parte do acordo político. Uma oferece apoio irrestrito e incondicional, e a outra assegura os votos necessários rumo à Assembleia Legislativa. Se o pacto tinha validade até as eleições de 2010, talvez haja alguma esperança. Se não, corremos o risco de ter uma deputada em Salvador trabalhando tão-só para contornar as inúmeras denúncias contra a prefeita a Jusmari, caso esta não seja cassada.

Parafraseando um conhecido adágio mexicano, pobre Barreiras, tão perto de Deus, tão longe da Bahia.

Por Márcio Lima

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

"A Índia Surda que Dançava", por Poty Lucena

O desfile das tribos de índios durante o carnaval, regido ao som agudo da gaita (uma espécie de flauta de metal), ritmado pela batida de tambores, triângulo, tudo isso compassado pelo estalo de um arco e flecha de madeira, faz parte de uma tradição de quase de 100 anos em João Pessoa/PB e é responsável até hoje pela afirmação da influência da cultura indígena na formação da identidade do povo nordestino, especialmente o da Paraíba.

E foi num desfile carnavalesco das tribos indígenas na década de 70 que um militar, um homem branco, gordo e alto, tenente músico do exército, notou algo interessante e surpreendente com uma componente da agremiação que era surda, muda e dançava o passo marcado acompanhando toda a tribo com sincronia de invejar campeã de nado sincronizado. Após a apresentação o tenente curioso e teimoso, em uma linguagem de sinais rudimentar, quis saber como a índia conseguia “escutar” a música. Com o dedo indicador, e um sorriso de surpresa, a índia apontou para a barriga e explicou para o tenente de onde vinha a sensação do som. Ali começava a saga de um dos maiores folcloristas do Brasil, que montou uma banda de surdos e mudos (isso mesmo!) com metodologia própria a partir de um trabalho voluntário de educação para deficientes, na época uma grande novidade que ganhou as manchetes dos jornais e revistas nacionais.

Resgato este exemplo para falar do tamanho do desafio que hoje nós da Universidade Federal da Bahia, enfrentamos para prover de educação pública de excelência aos muitos que nunca tiveram direito a uma educação pública de qualidade. É caso comum a origem humilde dos nossos estudantes que chegam trazendo na bagagem, além da saudade e o orgulho dos pais, a história de descaso com a educação pública fundamental e média e o desabafo da injustiça disfarçada de revolta. Revolta que em poucos instantes se transforma em um sorriso de vitória ao se darem conta que venceram e que conseguiram chegar à Universidade. A medida do sucesso do professor é do tamanho do sucesso do estudante. E a transformação dos estudantes alijados de boa parte de sua formação básica em profissionais disputados e lideranças é a sensação mais gratificante da vida de um professor.

Após 04 anos de Oeste da Bahia e da construção do Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável da UFBA em Barreiras consigo entender que a teimosia e a curiosidade do Tenente Lucena, meu avô, é a fórmula que alimenta a nossa sensação de vitória que, por sua vez, é do tamanho do desafio que todos nós enfrentamos nestes 04 anos. Nesta curta história, fizemos história e travamos batalhas, literalmente, para desfazer a injustiça e o descaso público que persiste, para garantir o respeito ao bem mais precioso do ser humano, o conhecimento.

*Para conhecer e assistir um pouco das tribos indígenas do carnaval tradição da Paraíba acessem este link.

Por Poty R. de Lucena

terça-feira, 9 de novembro de 2010

"Por um Conto de Réis", por Wagner Teles

... Da gasolina que custava mais do que o que valia?

Não! Esse assunto não condiz com a índole do OesteMaquia... É mesmo preferível tratar de uma qualquer experiência idílica, ainda que seja uma que nos tenha chegado na espécie de relato incrível.

E por “idílico” designamos, com Barthes, “todo espaço de relações humanas definido por uma ausência de conflito”. Portanto, uma experiência marcada por aqueles elementos em relação aos quais homem algum nutre qualquer interesse. Como não há, nem no melhor dos mundos possíveis, uma tal experiência, talvez um mundo idílico fosse aquele no qual o homem se orientasse em razão de um único fim. Mais do que investir seu tempo em formas improváveis, ele seria capaz de investir-se todo em um único objeto. Não se trataria assim, essa vida monotrópica, da negação do interesse ou da inclinação, antes sim da negação de tudo o que possa dividir, separar, repartir, diferenciar. O mundo idílico, por essa perspectiva, seria um mundo sem mistura, porque somente aí o homem poderia encontrar-se livre de dilaceramentos. Nesse mundo, talvez, não conhecêssemos a dúvida ou a hesitação que tanto caracteriza a consecução de nossos planos. E isso nada tem a ver com utopia. Trata-se, isso sim, de uma imagem que criamos e da qual nos tornamos reféns.

Esse mundo idílico não deixaria espaço à hesitação, na mesma medida em que anularia as diferenças ou mesmo a possibilidade de termos que nos sujeitar à ordens contrárias aos nossos anseios, os mais imediatos. Como um mundo assim, se existe, não fora descoberto nem pelos nossos patrícios, continuamos a viver como se nada fugisse de nossos cálculos, contrariando os desígnios mais secretos que inventamos. E é exatamente porque não há um mundo assim que ter amigos é uma desvantagem. Os amigos sempre estão prontos a nos perdoar um desvio, qualquer deslize. Eles jamais denunciam nossas faltas, mesmo quando elas contrariam fundamente os seus desejos. Como se nos protegessem de nós mesmos, eles permitem que nos entreguemos impunemente ao que temos de pior: nossa inclinação à maquinação da maldade. Os inimigos, porém, estão sempre prontos a denunciar qualquer deslize, mesmo aqueles que saltam de nossas ações como resultado inocente do acaso. Por isso são úteis. Afinal de contas, na mesma medida em que nos impingem a força do regulamento, não permitem que nos entreguemos aos braços da maldade cotidiana e que nos parece tão natural. Ironia ou não, um amigo é que me fez pensar assim.

A verdade, no entanto, o que mais importa, é que deixei Barreiras no cair da tarde e a gasolina custava 2,89; tão logo o dia pesava sobre os ombros dos que haviam acordado em virtude da labuta diária, em Feira de Santana, a gasolina já custava 2,21. Registre-se que nesse caso a gasolina valia exatamente o que custava. Uma dádiva dos deuses a todos quanto não possuam santos de apego? Tratava-se apenas de uma placa dessas que costumam ser habituais em postos de combustível. Porém, o Diabo Vesgo não me deixou escapar de seus versos.

Talvez sonhasse quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada,
Entre as estrelas trêmulas subia
Uma infinita e cintilante escada.

Raios do luar iluminada? Estrelas trêmulas? Subia uma escada? Não! Era apenas uma placa que parecia situar-se em um mundo idílico, e que, por força da providência, passava agora a lançar desconfiança sobre os que transitavam pela BR 324. Confesso, não creio em coisas incríveis. No entanto, a vida se passa como naqueles filmes nos quais um prego, mesmo um prego, não entra em cena, senão para cumprir um papel, ainda que sirva unicamente aos propósitos de alguém cometer suicídio dependurado nele ao final da trama. Não teria sido, portanto, sem razão que a placa estava ali.

Voltei a dormir, talvez assim voltasse a sonhar e o peso da realidade fosse dissipado. Tentei, e tentei sabendo que fracassada a tentativa, afinal nem o mais intrépido coração de pedra resistiria à realidade tão idílica, tão irreal. Parei e perguntei a um frentista:

- É deveras gasolina o que vendem aqui por 2,21?

- Sim, respondeu ele com um aceno sisudo e indiferente, como se estivesse diante de um lunático.

Ele é personagem de um conto de fadas e eu é que sou lunático.

Continuei a viagem, talvez não passasse mesmo de um sonho daqueles que alguns têm enquanto dormem. Acordei, já em Salvador, por uma placa que não simplesmente anunciava, mas gritava: “Gasolina Comum e Pagã – 2,19”. É o fim do mundo! Nem fora batizada, já é vendida por qualquer bagatela. A ruga das grandes preocupações então surgiu em minha testa e passei a pensar porque custava tão caro sair de Barreiras e pagava-se tão pouco para voltar. E mais, em virtude de que custava tanto permanecer lá quando do retorno. Não é necessário ostentar em um dos dedos um anel de graduado em economia para saber que, regra geral, a carestia de um dos elementos da cadeia de produção encarece o produto final. Explica-se porque a tarifa de táxi em Barreiras custa mais caro do que em Salvador, que tem uma das tarifas mais caras do país em razão de ser uma cidade turística. Outras tantas quimeras permanecem sem explicação, e nem a hidromancia ousa entendê-las.

Antes que passasse a lastimar pelo destino dos que pagam tanto pelo que custa tão pouco, um outdoor despertou-me por dizer “Respeite as diferenças!”. E não passava de um anúncio da própria agência de publicidade, por certo carente de anunciantes devido à corrida eleitoral. Como lendo anúncios publicitários é que se vai longe, esse mesmo outdoor seguia-se de um outro: “Internet Banda Larga, 1 Mb, 24,90.” O sonho teimava em prosseguir. Para tanto, bastava que tivesse sido acrescentado ao anúncio “funciona!”.

Os sonhos sempre são melhores que a realidade até que terminem. Antes que avistasse um boi voando, liguei para uma amiga e lhe ofereci um galão de cinqüenta litros por míseros 2,50 cada litro. “Louco!” – Ela bradou e, descrente, desligou. De volta ao mundo em que pagamos até os pecados que jamais cometeremos, nessa vasta deselegância que é a vida, estava diante da Baía, onde a realidade é sempre mais do que a realidade, e nem por isso me deixei convencer de que a mesquinhez humana é uma invenção recente do oeste do estado. Afinal, tão vasta e eterna que, inclusive os que não julgam tê-la, ou a possuem ou são simplesmente possuídos por ela.

Por Wagner Teles

terça-feira, 19 de outubro de 2010

"Barreirenses: Estrangeiros em sua Própria Terra", por Evanildo Cardoso

A cultura está sujeita a muitas interpretações e manipulações no decorrer da história. Fala-se atualmente, em hibridização cultural, em multiculturalismo e outros termos que tentam caracterizar povos que não estão presos a um local e sim passíveis de mudanças, adaptações, e, não menos, por conflitos. Vivemos em uma cidade historicamente híbrida, influenciada por várias culturas desde sua formação. Vieram para cá, gaúchos, catarinenses, paulistas, cearenses, pernambucanos, paraibanos e tantos outros, inclusive de outros países. As influências foram positivas, pois é assim que o homem habita, vive e constrói lugares e paisagens imprimindo neles a sua cultura. Conflitos, naturalmente existiram e sempre existirão, como ensina Ecléa Bosi, quando duas culturas se defrontam, não como predador e presa, mas com diferentes formas de existir, uma é para outra revelação. Então como compreender que, em pleno século XXI quando se pretende aproximar culturas diferentes, se vê a hostilidade sendo praticada por alguns “representantes” de determinada cultura em Barreiras? Para uma cidade que se diz mãe, alguns de seus filhos, de certa forma, imprimem nas paisagens olhares preconceituosos e de rejeição ao outro, às diferenças. Haverá somente uma história para contar? “Aquela do vencedor?” O barreirense e aqueles que vieram de outros estados são cidadãos de um mesmo mundo globalizado pelas inovações técnicas, pelas partilhas de conhecimentos, pelo desejo criativo em querer mudar, e construir uma cidade para todos, sem discriminação. Se não entendemos que a cidade tem que ser democrática, seremos eternamente presas de nós mesmos, reafirmando nossas deficiências de aceitação, e estabelecendo uma hierarquia na cultura com forte domínio econômico de um grupo sobre outros, do sul sobre o norte, dos “vencedores” sobre os “vencidos”, dos cultos sobre os aculturados.

Por Evanildo Santos Cardoso

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

"Creative Commons e o OesteMaquia", por Márcio Carvalho

Duas semanas atrás, um texto de Márcio Lima, publicado neste Blog OesteMaquia, foi republicado por um jornal local (ver post anterior), sem citação de fonte e utilizando comentários dos leitores do blog. Não há maiores problemas em publicar nossos textos, mas há duas questões a serem tocadas. Primeiro, o jornal publicou também comentários de vários leitores do blog; porém, juntou comentários que se referiam a várias postagens, como se fossem referentes ao texto de Márcio Lima, o que resulta numa alteração de conteúdo.

Mais grave, entretanto, foi o fato de não dar o endereço deste blog, o que dá a entender que o texto havia sido escrito diretamente no blog do jornal. Mais que isso, a não-indicação de fonte permite ao jornalista dizer, em editorial, que os autores do blog são "jusmarinianos"; ora, a simples leitura deste blog faz transparecer a mentira que tem como único objetivo nos desmoralizar.

Por este motivo, estamos licenciando o conteúdo do OesteMaquia sob uma licença Creative Commons.

Como funciona esta licença? Bem, primeiro é necessário saber como funcionam os direitos autorais. No Brasil, a Lei 9.610/98 divide os direitos autorais em duas categorias: direitos morais e direitos patrimoniais. Direitos morais dizem respeito à autoria de uma obra: este direito é irrenunciável, você sempre será o autor de suas obras. Já os direitos patrimoniais dizem respeito ao modo como você deseja utilizar sua obra: reprodução, licenciamento, permissão de modificação, etc. A lei é rígida, pois mesmo a reprodução (parcial que seja) de sua obra depende de sua autorização prévia.

Aqui entram as licenças Creative Commons (CC): ao contrário do CopyRight ©, que afirma serem "Todos os direitos reservados ao autor", nas licenças CC você define previamente quais direitos deseja manter reservados, e de quais direitos você abre mão (ou quais tipos de uso você autoriza, antecipadamente, que sejam efetuados); em outras palavras, a licença CC afirma serem "Alguns direitos reservados ao autor", e você pode definir quais são estes direitos.

As licenças CC funcionam com algumas modalidades de direitos. Por exemplo, você pode usar uma licença "BY" (atribuição) que permite a reprodução de seu texto, mas exige que você seja citado como o autor. Perceba que caso não use uma licença "BY", você permite a reprodução de seu texto sem indicação de autor, mas você ainda é o autor - o direito moral da autoria não é alienável.

Outra modalidade diz respeito ao uso comercial de sua obra. Uma licença "NC" indica uso não-comercial. Isto significa que qualquer pessoa pode reproduzir sua obra, mas apenas se não for ganhar dinheiro com ela. Se eu especificar esta modalidade, terceiros não poderão utilizar minha obra para vender um produto (por exemplo, ninguém pode pegar um conto meu, quadrinizá-lo e vender sua Graphic Novel para uma editora; ou, ainda, ninguém pode pegar um texto de meu blog e publicar num jornal, que é uma publicação comercial).

Se você não especificar, o conteúdo de sua obra pode ser alterado; caso não deseje isto, você pode escolher a modalidade "ND", que impede alterações. Esta modalidade pode ser útil, por exemplo, para uma obra literária que você deseje manter íntegra, ou um texto de blog que você deseja manter sem alterações, incluindo os comentários.

As modalidades são utilizadas em conjunto. Veja no primeiro quadro à direita desta página a licença utilizada agora por este blog: BY-NC-ND (Atribuição, Uso Não-Comercial, Vedada a criação de obras derivadas). Isto significa que você pode reproduzir qualquer texto deste blog, desde que indique o autor do original e a fonte ("Blog OesteMaquia em http://oestemaquia.blogspot.com"), não o modifique e não publique em qualquer meio pago (por exemplo, em jornais).

Agora, você pode perguntar, e se você quiser pegar um texto meu, do blog, e utilizá-lo num jornal (ou seja, ganhar dinheiro com isso)? A licença não permite; é possível, ainda assim, fazê-lo? Bem, aí caímos num caso que não foi antecipadamente autorizado. Caímos no escopo da Lei 9.610/98 e, portanto, você deve agir como agiria no caso de um CopyRight: entre em contato comigo e podemos negociar; eu posso acabar nem cobrando nada de você, ou podemos fazer algum tipo de contrato. Em outras palavras, as licenças CC não "quebram" a lei, elas caem em seu artigo 29, que afirma a necessidade de "autorização prévia e expressa do autor" para determinados usos.

- Por Márcio Carvalho

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

"Do Útil e do Honesto", por Márcio Lima

Gosto muitíssimo da seguinte passagem do filósofo francês Michel de Montaigne: “Todos estão sujeitos a dizer tolices; o mal está em as enunciar com pretensão: ‘Este homem provavelmente vai expor-nos, com ênfase, algumas enormidades (Terêncio)’. Este segundo ponto não me diz respeito, porque não dou maior atenção às bobagens que me escapam. Felizmente para elas, pois as negaria imediatamente se devessem prejudicar-me, ainda que mui ligeiramente. Nada compro ou vendo por preço mais alto do que vale. Escrevo como falo ao primeiro indivíduo que encontro, contentando-me com dizer a verdade” (MONTAIGNE, Michel. Ensaios. “Do útil e do honesto” Tradução de Sérgio Milliet. Col. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1972).

Lembrei-me dela depois de ler as “enormidades” que foram expostas na última edição do Jornal do Estado do São Francisco (Ano I – Edição n. 4, de 25 de setembro de 2010, distribuído junto ao Jornal do São Francisco, Ano V, n. 81). Refiro-me especificamente ao editorial e à apropriação feita de nosso blog. Antes de falar daquele, comento esta. Em tempos de guerra contra a concepção autoral, desconheço as regras para que os meios de comunicação apropriar-se de ideias alheias. Mas o caso é que o Jornal reproduziu um texto meu sem pedir nenhuma permissão. Até aí, tudo bem. O problema é que o periódico não apenas escondeu a fonte, como dá a entender para os leitores que se tratam de reflexões oriundas de um espaço ligado ao Jornal. Está lá estampado no início do texto: “Do Blog”. De qual blog? Assim, o leitor é induzido a pensar que se trata do blog do jornal. Não satisfeito, os comentários deixados no oestemaquia ao longo de seus posts são pescados e lá expostos. Qual a intenção do Jornal em não revelar a fonte de onde ele está tirando o texto? E, mais irônico ainda, as minhas palavras que eles reproduzem contêm justamente uma citação do Jornal do Francisco, que, quando escritas, indicavam a fonte para quem quisesse consultar na íntegra.

Quanto ao editorial, nem sei se posso chamá-lo assim, uma vez que está assinado. Até onde sei, o editorial expressa a opinião do jornal, e não a de um ou outro jornalista particular de seu quadro. Não obstante isso, o texto trata da famigerada criação do Estado do Rio São Francisco. Poucos dias antes, o jornalista João Alfredo participou de um debate sobre o tema, promovido pelos estudantes dos Bacharelados Interdisciplinares da UFBA. E é contra a reflexão de alguns professores – dentre os quais eu – que o Jornal se posiciona em seu editorial. Fato perfeitamente compreensível. São as regras do jogo democrático. Por que as regras do jogo democrático sempre precisam ser lembradas “neste país”? O primeiro ato inconcebível é o nome do professor citado. Eu, Márcio Lima, e Márcio Carvalho temos escrito no blog; ele, além disso, tem participado dos debates sobre a santificação da terra. No entanto, o jornal, referindo-se aos professores da UFBA, menciona um certo Márcio Pinto. Todos os textos escritos e ideias são apresentadas em público, como não poderia ser diferente para quem está num ambiente acadêmico, e se amparam em argumentos, dados, fontes etc. O jornal, no entanto, pretende rebater sem argumento algum. Se o espaço do jornal não é propício à exposição mais rigorosa de ideias, a falta completa delas é um agravante sério. Mas, pior que isso são as afirmações capciosas do editorial para justificar porque, supostamente, somos contra os milagres que São Francisco está disposto a fazer pelo Oeste baiano. Antes de tudo, porque somos forasteiros. Demonstrando o quanto esse forasteiro está imerso nos problemas locais, há pouco tempo aqui, Márcio Carvalho, por exemplo,tem dados sobre a região que os devotos desconhecem, ou fingem desconhecer. Na verdade, milagre não anda bem mesmo com a realidade. Afinal, só é possível esperar pelo milagre se ao mesmo tempo esperar que as leis do real sejam modificadas.

Mas o melhor está por vir. No fim do texto, ficamos sabendo que somos contrários ao novo Estado porque somos aliados do velho carlismo e de seus representantes na região, a saber: Jusmari e Oziel. Aqui, todas as regras do decoro podem ser procuradas no esgoto a céu aberto de Barreiras, pois provavelmente foram jogadas lá. Entende-se também por que o jornal não quis mencionar o endereço do blog. Qualquer um que lesse os textos poderia constatar de imediato a impostura da afirmação. Além do mais, a prefeita e seu marido engrossam o coro dos favoráveis à criação. Se ela está aliada ao governador da Bahia, que é contra, é por mero oportunismo político. Oportunismo, aliás, que está na essência da motivação da maioria que aí está para defender a ideia de criação do Estado. Do ponto de vista político, essa foi a principal hipótese levantada pelo Blog, ou seja, de que a criação do estado serve, em primeiro lugar, para um oportunismo político, e depois para justificar décadas de incompetência administrativa das cidades da região por seus políticos locais. Todavia, o que era hipótese já teve sua primeira comprovação, dessa vez não por parte dos políticos, mas do Jornal do Estado do São Francisco, que de modo oportunista tenta conquistar a simpatia de seus leitores, tentando fazer dos professores os novos vilões da história. Para isso, esconde fonte e distorce ideias.

Se é útil esconder a verdade em prol de uma causa, ainda prefiro estar na companhia de Montaigne. E para que a utilidade não se sobreponha à honestidade, é preciso que a verdade seja dita.

Por Márcio Lima

terça-feira, 21 de setembro de 2010

"Civilização para Quem Precisa...", por Paulo Baqueiro

Lá pelas décadas finais do século XIX, um proeminente geógrafo francês, de nome Paul Vidal de La Blache, desenvolveu um discurso teórico referendado pelo conceito de “gênero de vida”. Segundo o mestre, a Natureza fornecia todas as possibilidades para que um dado grupo, através da sua ação empreendedora constante e cumulativa, produzisse técnicas, hábitos, usos e costumes que lhe permitissem reproduzir-se socialmente.

Foi justamente a esse conjunto de técnicas e costumes, supostamente definidor dos traços culturais de cada grupo social, que La Blache atribuiu a designação de gênero de vida, um atributo que, em uma condição de equilíbrio entre população e recursos, tenderia a reproduzir-se da mesma maneira, ad eternum.

Em outras palavras, um dado grupo, vivendo sem pressões demográficas e com acesso irrestrito aos recursos necessários à sua manutenção, não teria por que buscar avanços, já que não havia problemas a serem solucionados. O grupo estaria, assim, condenado a viver “imerso em localismo” ou, sem o menor eufemismo, na mais rústica e bárbara condição de vida.

Os fatores que levariam à superação daquele estágio sociocultural mais básico seriam a escassez de recursos, que levaria o grupo a um aprimoramento das técnicas para obtenção de maior produtividade na sua busca, o crescimento populacional, impelindo o grupo tanto à solução anteriormente aventada quanto à sua própria divisão, criando-se novos núcleos, e, por fim, o contato com outros gêneros de vida mais avançados.

Esta última condição era, para La Blache, o elemento-chave do progresso da humanidade, pois, através do estabelecimento de contatos duradouros com culturas mais “desenvolvidas”, grupos mais rústicos teriam a oportunidade de conhecer hábitos e técnicas que lhes permitissem, enfim, tornarem-se verdadeiras civilizações.

Partindo da premissa de que a cultura e as tradições de um grupo são um dado ao qual se pode atribuir qualificações de superioridade e inferioridade, Paul Vidal de La Blache proporcionou ao Estado francês o discurso de legitimação necessário à ação colonizadora que empreendia no Caribe, África e na Ásia ao longo do século XIX.

Significa afirmar que, aos olhos do eminente cientista e das elites hegemônicas do seu país, toda a espoliação promovida pela devastadora ação imperialista francesa teria sido, na verdade, um ato de altruísmo. A impiedosa dominação de territórios pela França deveria ser encarada, portanto, como a concessão de uma oportunidade única aos dominados de, enfim, viverem as comodidades permitidas apenas às sociedades civilizadas.

Com o passar dos anos, porém, novos discursos tomaram lugar no pensamento científico e as idéias professadas por La Blache foram superadas, seja através do reconhecimento do papel pouco nobre que a sua teoria desempenhou no projeto colonizador europeu ou, mais recentemente, por meio da busca de novos paradigmas que pregam a liberdade plena do Homem como condição fundamental para se atingir o Desenvolvimento.

Desta forma, reconhecer a necessidade de implantar um processo civilizatório na sociedade deve passar pelo imperativo de devolver ao conceito de Civilização a sua idéia original, definindo-a através de parâmetros relativos ao progresso social, político, artístico-cultural e econômico (mas não apenas econômico) de um grupo social complexo, uno e múltiplo em sua essência.

Sendo assim, não há por que agradecer ao buana dos cerrados baianos por nos ter ensinado a beber vinho seco sem acrescentar adoçante. Afinal, ser civilizado é mais que isso.

Por Paulo Roberto Baqueiro Brandão