segunda-feira, 11 de outubro de 2010

"Do Útil e do Honesto", por Márcio Lima

Gosto muitíssimo da seguinte passagem do filósofo francês Michel de Montaigne: “Todos estão sujeitos a dizer tolices; o mal está em as enunciar com pretensão: ‘Este homem provavelmente vai expor-nos, com ênfase, algumas enormidades (Terêncio)’. Este segundo ponto não me diz respeito, porque não dou maior atenção às bobagens que me escapam. Felizmente para elas, pois as negaria imediatamente se devessem prejudicar-me, ainda que mui ligeiramente. Nada compro ou vendo por preço mais alto do que vale. Escrevo como falo ao primeiro indivíduo que encontro, contentando-me com dizer a verdade” (MONTAIGNE, Michel. Ensaios. “Do útil e do honesto” Tradução de Sérgio Milliet. Col. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1972).

Lembrei-me dela depois de ler as “enormidades” que foram expostas na última edição do Jornal do Estado do São Francisco (Ano I – Edição n. 4, de 25 de setembro de 2010, distribuído junto ao Jornal do São Francisco, Ano V, n. 81). Refiro-me especificamente ao editorial e à apropriação feita de nosso blog. Antes de falar daquele, comento esta. Em tempos de guerra contra a concepção autoral, desconheço as regras para que os meios de comunicação apropriar-se de ideias alheias. Mas o caso é que o Jornal reproduziu um texto meu sem pedir nenhuma permissão. Até aí, tudo bem. O problema é que o periódico não apenas escondeu a fonte, como dá a entender para os leitores que se tratam de reflexões oriundas de um espaço ligado ao Jornal. Está lá estampado no início do texto: “Do Blog”. De qual blog? Assim, o leitor é induzido a pensar que se trata do blog do jornal. Não satisfeito, os comentários deixados no oestemaquia ao longo de seus posts são pescados e lá expostos. Qual a intenção do Jornal em não revelar a fonte de onde ele está tirando o texto? E, mais irônico ainda, as minhas palavras que eles reproduzem contêm justamente uma citação do Jornal do Francisco, que, quando escritas, indicavam a fonte para quem quisesse consultar na íntegra.

Quanto ao editorial, nem sei se posso chamá-lo assim, uma vez que está assinado. Até onde sei, o editorial expressa a opinião do jornal, e não a de um ou outro jornalista particular de seu quadro. Não obstante isso, o texto trata da famigerada criação do Estado do Rio São Francisco. Poucos dias antes, o jornalista João Alfredo participou de um debate sobre o tema, promovido pelos estudantes dos Bacharelados Interdisciplinares da UFBA. E é contra a reflexão de alguns professores – dentre os quais eu – que o Jornal se posiciona em seu editorial. Fato perfeitamente compreensível. São as regras do jogo democrático. Por que as regras do jogo democrático sempre precisam ser lembradas “neste país”? O primeiro ato inconcebível é o nome do professor citado. Eu, Márcio Lima, e Márcio Carvalho temos escrito no blog; ele, além disso, tem participado dos debates sobre a santificação da terra. No entanto, o jornal, referindo-se aos professores da UFBA, menciona um certo Márcio Pinto. Todos os textos escritos e ideias são apresentadas em público, como não poderia ser diferente para quem está num ambiente acadêmico, e se amparam em argumentos, dados, fontes etc. O jornal, no entanto, pretende rebater sem argumento algum. Se o espaço do jornal não é propício à exposição mais rigorosa de ideias, a falta completa delas é um agravante sério. Mas, pior que isso são as afirmações capciosas do editorial para justificar porque, supostamente, somos contra os milagres que São Francisco está disposto a fazer pelo Oeste baiano. Antes de tudo, porque somos forasteiros. Demonstrando o quanto esse forasteiro está imerso nos problemas locais, há pouco tempo aqui, Márcio Carvalho, por exemplo,tem dados sobre a região que os devotos desconhecem, ou fingem desconhecer. Na verdade, milagre não anda bem mesmo com a realidade. Afinal, só é possível esperar pelo milagre se ao mesmo tempo esperar que as leis do real sejam modificadas.

Mas o melhor está por vir. No fim do texto, ficamos sabendo que somos contrários ao novo Estado porque somos aliados do velho carlismo e de seus representantes na região, a saber: Jusmari e Oziel. Aqui, todas as regras do decoro podem ser procuradas no esgoto a céu aberto de Barreiras, pois provavelmente foram jogadas lá. Entende-se também por que o jornal não quis mencionar o endereço do blog. Qualquer um que lesse os textos poderia constatar de imediato a impostura da afirmação. Além do mais, a prefeita e seu marido engrossam o coro dos favoráveis à criação. Se ela está aliada ao governador da Bahia, que é contra, é por mero oportunismo político. Oportunismo, aliás, que está na essência da motivação da maioria que aí está para defender a ideia de criação do Estado. Do ponto de vista político, essa foi a principal hipótese levantada pelo Blog, ou seja, de que a criação do estado serve, em primeiro lugar, para um oportunismo político, e depois para justificar décadas de incompetência administrativa das cidades da região por seus políticos locais. Todavia, o que era hipótese já teve sua primeira comprovação, dessa vez não por parte dos políticos, mas do Jornal do Estado do São Francisco, que de modo oportunista tenta conquistar a simpatia de seus leitores, tentando fazer dos professores os novos vilões da história. Para isso, esconde fonte e distorce ideias.

Se é útil esconder a verdade em prol de uma causa, ainda prefiro estar na companhia de Montaigne. E para que a utilidade não se sobreponha à honestidade, é preciso que a verdade seja dita.

Por Márcio Lima

5 comentários:

  1. Professor Márcio,

    Demorou para identificar o perfil majoritário da "nossa" imprensa local ou apenas agora teve motivos para explicitá-lo?

    É bastante comum essa apropriação indevida de ideias e a ausência de citaçã da fonte, provavelmente para que não se possa verificar se é ou não verdade. Particularmente não gosto da linha editorial / inndividual do Jornal São Francisco e o considero mais um despolitizado falando sobre política ou um romântico do meio ambiente devastado.

    Não podemos nos calar diante dos absurdos cotidianos e pode crer que o mesmo que plagiou o texto e comentários ficará sabendo da sua justa indignação, mas será que vai reproduzir do mesmo jeito?

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  2. Ah, outra coisa: esse jornal é mestre em "errar" sobrenomes. Será incompetência ou intencional?

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  3. Paulo Baqueiro, o da UFBA13 de outubro de 2010 às 13:18

    Caríssimo Márcio,

    Quero parabenizá-lo pelo texto postado, ao tempo em que gostaria de aproveitar do seu escrito para tecer alguns comentários sobre a última edição do Jornal do São Francisco, desdobrando também para outros temas. Por ser um comentário muito extenso, vou dividí-lo em partes.
    Antes de mais nada, acho que devo parafrasear o ilustre Barão do Rio Branco, que um dia afirmou ser a democracia o ambiente onde convivem os contrários, para ilustrar o meu pensamento. Um debate, independente do tema que o motive, só é possível a partir da premissa segundo a qual o contraditório possa existir e que as distintas partes tenham liberdade de expor e defender o seu posicionamento. Isto tudo com respeito.
    Pois bem, ao ler o último número do Jornal do São Francisco, me deparei com uma série de situações (muitas delas analisadas por você) que, no fim, demonstram apenas uma incapacidade de quem o escreve em aceitar o contraditório, utilizando-se, em defesa de um posicionamento que se quer hegemônico, da desqualificação daqueles que se portam em frente oposta (ou apenas cética) àquela da criação do estado do São Francisco.
    Está se desenhando um processo de “demonização” de um grupo de professores da UFBA, que, por debater um tema importante, mas tratado com superficialidade e ufanismo, passa a ser acusado das mais diversas sandices. O mais engraçado, porém, é que esses mesmos componentes da comunidade acadêmica foram saudados como mártires de uma Nova Era por aquele jornal quando docentes, alunos e funcionários da “Federal” se opuseram à Prefeitura no famigerado episódio da Ponte da Prainha.
    Somos (me incluo) chamados de “forasteiros”, já que viemos do litoral e temos apenas “dois ou três anos” em Barreiras. Fico me perguntando quantos anos teremos que viver aqui para que estes senhores nos dêem o direito de debater a cidade e a região que escolhemos para viver e gastar nossos salários adquirindo produtos e serviços, alguns, inclusive, em estabelecimentos que patrocinam (e, portanto, ajudam a manter) o próprio periódico.
    Mais que isto, me pergunto se, pelo simples fato de explorar a economia regional, ainda que não esteja aqui todos os dias cheirando o esgoto, a fumaça e a poeira tão típicas de Barreiras, o atual presidente da Comissão pela criação do novo estado, que vive entre o Paraná e a Europa (segundo o próprio jornal), é menos forasteiro que nós.
    Quanto a mim, posso dizer que tenho apenas quatro anos no Oeste Baiano (sem contar os muitos que vivi, na infância e adolescência, em Serra do Ramalho), mas me sinto parte desta região e acho que posso e devo debater uma realidade que também é minha. Afinal, o Governo Federal me paga também para isto (CONTINUA...).

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  4. Paulo Baqueiro, o da UFBA13 de outubro de 2010 às 13:19

    (Continuação) Fomos acusados de pertencermos ao “partido do Governador”. Bem, quanto a mim, apesar de nunca ter me filiado a partido político algum (e, se o fizesse, estaria apenas exercendo um direito que a Constituição me garante), voto sim no Partido dos Trabalhadores. Antes, por acreditar no discurso trabalhista que estava por trás do partido, mas hoje, o faço apenas para evitar que falte papel higiênico nos banheiros da universidade, como acontecia na época em que o partido de FHC, Serra e do Jornal do São Francisco preferiram privatizar a educação superior ao invés de investir nas instituições públicas.
    Tratando de política, aliás, acho interessante perguntar a quem se interessar em responder: não parece um sinal do quase total desinteresse da população oestina no debate sobre a criação de um novo estado o fato de nenhum candidato que defendeu abertamente a bandeira da cisão ter sido eleito?!
    Por fim, conclamo os defensores da criação do estado do São Francisco a produzirem conhecimento sobre o assunto, tornando o debate mais propositivo. Isto é mais instigante e enriquecedor do que empregar uma estratégia míope de desqualificar os oponentes (ou céticos). Impressionante é que a dita estratégia é a mesmíssima que foi empregada pela Prefeita, a quem tanto se critica no jornal (e com razão, na grande maioria das vezes), durante o episódio da Ponte da Prainha!!!
    Márcio e leitores, me desculpem pelo longo comentário, mas queria externar algumas impressões que tive sobre o que li no último número do Jornal do São Francisco e, para isto, poucas palavras não contribuiriam tanto.

    Saudações,

    Paulo Baqueiro (o da UFBA).

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  5. Cara Paula,

    Na verdade, confesso que desconheço o perfil majoritário de nossa imprensa. Claro que vez ou outra deparo com um dos jornais locais, mas não é hábito. Leio sempre o Jornal do São Francisco porque exemplares são distribuídos aqui na UFBA. Como quase que exclusivamente só leio notícias na internet, acabo não acompanhando muito o noticiário local, com exceção da página do ZDA, e de alguns blogs (como o seu) que discutem questões locais. Mas acredito que se fosse diferente, não faria análise da imprensa, pois meu interesse é mais nas esferas cultural e política, ainda que me concentre mais nesta última. No entanto, foi extremamente espúria a forma como o jornal tratou o blog e a visão dos dos professores sobre a questão do Estado do Rio São Francisco. Não me importo que use meu texto, desde que cite a fonte. Mas pior que isso foram os argumentos usados para tentar nos contrapor. No final das contas, lendo sua mensagem, talvez tenha demorado mesmo para a ficha cair.
    Abç
    Márcio Lima

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