No último dia 30 de março de 2011, um leitor anônimo fez um comentário, motivado pela leitura do post publicado em três partes no OesteMaquia por mim e pelo Prof. Marcelo Latuf sob o título “O que significam as atuais alterações no Plano Diretor de Barreiras” (postadas entre junho e julho de 2010). Naquela sequência de textos, buscamos analisar crítica e tecnicamente a aprovação, pela Câmara de Vereadores, de um projeto segundo o qual a altura máxima das edificações construídas em Barreiras passaria de sete para até 30 andares, ao passo que os lotes teriam reduzidas as suas dimensões mínimas para 125m2, ou seja, menos da metade do padrão anterior, que era de 360m2.
No seu comentário, o leitor afirma não entender a nossa argumentação, mas, ainda assim, se sente à vontade para esboçar algumas opiniões. Além de apresentar uma abordagem extremamente simplista e ter uma interpretação muito particular do conteúdo do texto, o Sr. Anônimo demonstra possuir uma visão equivocada do conceito de Progresso e, portanto, do ideal de Desenvolvimento a ser buscado.
Ao que me parece, a opinião do leitor não passa de um coro ditado por muitas vozes dos que aqui vivem. Não de hoje, percebo que existe um certo “fetiche da verticalização”, tanto em Barreiras, quanto em Luís Eduardo Magalhães, pois o arranha-céus é identificado no imaginário coletivo como um exemplo de pujança econômica, praticamente um símbolo fálico, diriam os estudiosos da mente humana.
Por conta de todas estas questões, pareceu-me adequado revisitar o tema do Desenvolvimento Urbano – motivo das postagens em debate – tomando como base, para tal, as próprias indagações do leitor. Necessário pontuar que, ao contrário do que fez o Sr. Anônimo ao comentar a sequência de textos, buscarei por foco no assunto sem incorrer em ironias nem tampouco em maniqueísmo.
Sobre o conceito de Progresso e a sua aplicação ao tema do Desenvolvimento Urbano, é importante observar que o seu uso é constantemente afetado pelo senso comum do mesmo modo que o de Desenvolvimento: confunde-se a idéia de que o crescimento econômico experimentado por uma cidade, região ou país deva ser encarado como Progresso/Desenvolvimento.
Progredir (ou desenvolver-se) é, na verdade, participar de um processo de acréscimos qualitativos. Um aluno, por exemplo, progride quando aprende (acepção qualitativa), mas não necessariamente quando tem boas notas (acepção quantitativa). No caso da cidade, o Progresso deve ser tomado como uma ampla evolução que se dá em âmbito social, econômico, político, cultural e tecnológico. Nisto, aliás, Barreiras se mostra muito pouco progressista, pois o vertiginoso crescimento da economia local não se transforma em melhorias qualitativas para uma grande parcela da população.
Assim, quando se afirma algo a respeito do Progresso de uma cidade (a partir daqui, tomarei este termo como sinônimo de Desenvolvimento Urbano), é muito mais importante atentar para as condições de vida da população, as contradições do crescimento desordenado (tanto para os lados, quanto para cima), o acesso aos bens, equipamentos e espaços públicos e, tão fundamental quanto os demais, a participação dos seus moradores nas decisões sobre tudo que lhes diga respeito. Se uma cidade não oferece nada disto, não adianta possuir um mar de edifícios altos, envidraçados e abarrotados de alta tecnologia, pois todo esse aparato só revelará uma grande e vergonhosa concentração de renda e, consequentemente, uma estúpida fragmentação socioespacial.
Aliás, é bastante curioso observar o seguinte fato: entre os dez maiores edifícios do mundo, apenas dois estão localizados em um dos dez países com os maiores níveis de IDH do mundo. Coincidência? Não! Apenas a confirmação do que afirmei acima: a pujança econômica recentemente experimentada por países como Emirados Árabes, Taiwan, China ou Malásia não garantiram a mesma medida de acréscimos qualitativos para as suas populações.
Importante frisar, ainda, que, ao contrário do que afirma o leitor anônimo, não é o Progresso que força a verticalização, mas a especulação imobiliária. Esta, por sua vez, não é “filha” do Progresso, mas da usura de quem a pratica. O solo urbano possui uma função social, que deve estar acima da sua valoração econômica. Ao menos assim concebe a Lei n. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). Se esta função social não é cumprida e, ao mesmo tempo, existem terrenos baldios aos montes em espaços privilegiados da cidade, o construtor é levado (mas sem reclamar, pois também se beneficia disto) a edificar moradias ou estabelecimentos comerciais um sobre o outro. Isto significa, enfim, maximização de lucros.
No que se refere à poluição urbana, concordo com o leitor quando afirma que este mal está presente na maioria das cidades. Mas não deveria ser assim. Mais do que isto: aceitar – como propõe o Sr. Anônimo – que tenhamos que tornar precária a nossa convivência com o Meio Ambiente em favor do avanço do Capitalismo é contrário a um instinto básico de todo ser vivo: o de sobrevivência.
Quanto à premissa apresentada pelo leitor segundo a qual um centro urbano só poderá ser considerado como tal se possuir edificações do tipo arranha-céus, abrirei mão de debater este tema à luz dos conceitos de cidade e de urbano para apresentar alguns exemplos que podem clarificar bastante a questão. Importante advertir que não há aqui qualquer pretensão em comparar as cidades a serem citadas com Barreiras. Pretendo apenas ilustrar os meus argumentos.
O primeiro exemplo: em Barcelona, segunda maior cidade espanhola, com cerca de dois milhões de habitantes, e um dos ícones europeus da beleza e dinâmica urbanas, as edificações, na sua grande maioria, não possuem altura superior a dez andares (inferiores, portanto, aos agora permitidos em Barreiras). Isto a partir de um projeto concebido e executado no século XIX, a famosa Ensanche de Ildefons Cerdà!! Naquela cidade quase desprovida de vertiginosas edificações, o sistema de coleta de lixo por encanamentos subterrâneos é considerado como um dos mais importantes avanços recentes em termos de gestão urbana.
O segundo exemplo: a capital da Islândia, uma cidade chamada Reykjavik, com cerca de 195 mil habitantes, possui uma população pouco superior à de Barreiras. Por outro lado, é uma das urbes mais bem saneadas e com níveis de segurança, escolaridade e qualidade de vida mais expressivos do mundo. Isto sem possuir uma quantidade grande de arranha-céus. Assim, como afirmado pelo próprio leitor, seria um exemplo de cidade formada por “casas de um pavimento” e uns “prediozinhos”.
Desta forma, se partisse do princípio esboçado pelo Sr. Anônimo, segundo o qual um centro urbano só mereça ser assim chamado se possuir arranha-céus em profusão, teria que admitir que, apesar de promoverem o Progresso de modo muitíssimo mais adequado que a forma como o fazemos, tanto Barcelona quanto Reykjavik seriam tão somente “roças”, para usar um termo empregado pelo próprio leitor.
Por outro lado, nós, os autores dos textos comentados pelo leitor, estamos cientes (mas não comungamos com a idéia) que, dentro do Capitalismo, o ideal a ser perseguido é a maximização dos lucros, custe o que custar (especulação imobiliária, passivos ambientais, fragmentação socioespacial, etc.). Mas somos veementemente contrários ao fato do Estado (Câmara de Vereadores e Prefeitura Municipal de Barreiras) propor e sancionar medidas que beneficiem setores econômicos em detrimento da grande maioria da população, que pagará o ônus da ilusória verticalização da cidade.
Por fim, saliento ao leitor a necessidade de abordar o tema despido da visão maniqueísta com a qual emitiu sua opiniões, afinal, é absolutamente equivocado pensar que ou temos arranha-céus ou vivemos na “roça”. Em cada um dos extremos (na cidade grande e no campo) e mesmo entre um e outro (nos espaços rururbanos), existem inúmeras possibilidades de reprodução social, múltiplas formas de vida e de interação. Isto sim é salutar e desejável. Quanto aos arranha-céus, tenho cá as minhas dúvidas.
Por Paulo Baqueiro (Professor da UFBA)