segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

“O mito da terra prometida”, por Márcio Lima

Há um projeto de lei do deputado pernambucano Gonzaga Patriota que propõe a criação do estado do Rio São Francisco por separação da Bahia. Em seu trâmite, o projeto mostrou-se inconstitucional em dois momentos. No primeiro, propunha que os gastos com o plebiscito popular seriam de responsabilidade da Bahia. No entanto, a criação de um novo estado é uma decisão de esfera federal, portanto, não cabia a um estado da federação arcar com esse custo. A segunda, mais grave, previa a consulta apenas no Oeste baiano, parte que justamente reclama o desmembramento. Ora, a Bahia perderia parte de seu território, mas a população do estado como um todo não poderia opinar quanto a isso. É bom lembrar que essa proposta seguiria o mesmo caminho que conduziu à criação de Luís Eduardo Magalhães, que foi criado sem que a população de Barreiras tivesse opinado. Por conta disso, LEM correu o risco de voltar a ser distrito barreirense. Barreiras, corretamente, denunciou a operação e exigia de volta o que lhe era constitucionalmente de direito. No entanto, ela pretende ser a capital de um novo estado cujo trâmite seria o mesmo, e que possivelmente seria endossado pelas pessoas que estão à frente do projeto. Sei que essas inconsistências foram resolvidas, mas elas dizem algo sobre o processo em si. Afinal, não é mera coincidência que os trâmites para a criação do estado do Rio São Francisco quisessem seguir o mesmo caminho que criou LEM.

Não quero entrar no mérito da importância da criação do novo estado, se ele vai de fato resolver os problemas da região, se vai melhorar a vida das pessoas e assim por diante. Gostaria, no entanto, de começar algumas reflexões que tentam lançar luz sobre questões políticas que, inevitavelmente, são indissociáveis dos problemas e do discurso de criação do novo estado. Como a questão exige uma reflexão longa, pretendo abordá-la em mais de um post a fim de não escrever textos demasiado longos para o blog.

Há argumentos históricos que supostamente justificam a criação do estado. Voltarei a eles depois; por ora, queria me deter nos motivos que têm mais apelo, sobretudo junto à população. A região oeste é rica, tem um dos municípios que mais crescem no Brasil (LEM), tem uma grande produção levada a frente pelo agronegócio. Enfim, há bases econômicas para realçar a importância da região. Em contraste com isso – não precisa dizer muito –, basta apenas andar nas ruas de Barreias, a principal cidade da região, para ver a discrepância entre as condições reais e a bonança econômica. A culpa dessa “contradição” está no descaso com que a “Bahia” trata a região. Assim, a criação de um novo estado permitiria, enfim, tirar a região do atraso social para atingir as mesmas condições do progresso econômico experimentado por uma parcela.

Como disse antes, não quero discutir essa equação. Meu interesse é questionar por que há problemas gritantes mesmo que as soluções para eles se restringem à esfera municipal. Ou, o que é ainda pior, suas causas são todas locais, e talvez nem a criação de um estado possa resolvê-los. O traçado urbano de Barreiras é um exemplo perfeito disso. Praticamente só é possível se movimentar na cidade pela rodovia BR-242, que corta a cidade ao meio. Dificilmente se vai de um local a outro sem precisar cruzá-la ou mesmo seguir nela. Mas uma coisa que sempre me chamou a atenção é o Bairro Sandra Regina. Deve haver alguma explicação para seu traçado. Uma explicação, porém, não significa uma justificativa. Para quem não conhece, é praticamente impossível, nas ruas paralelas à rodovia, seguir uma rua por duas quadras. Quase todas se limitam a apenas um quarteirão, de modo que se alguém segue da altura da Royal Pneus, por exemplo, em direção à feira, esse alguém vai sentir-se numa espécie de labirinto. Entra-se numa rua, que termina na primeira que a cruza, a qual é preciso seguir à direita ou à esquerda (normalmente é um ziguezague) para depois dobrar à esquerda ou à direita novamente, que também se estenderá por uma quadra, morrendo na primeira que lhe é transversal. Se você, que não conhece, não entendeu nada, recomendo fazer o percurso: é uma verdadeira loucura com método. Por isso, não sei se nesse caso as leis formais do pensamento, expressas na linguagem, dão conta de descrever a realidade.


Exibir mapa ampliado

Passemos a um outro caso que diz respeito também às ruas. Uma cidade que se julga capaz de transformar-se numa capital a qualquer hora não tem – Óh horror – uma definição dos CEPs de suas ruas (são poucas as que têm). E, o que ainda é mais grave, muitas ruas não têm nome. Não posso deixar de lembrar: quem tenha desejado comprar um imóvel sabe da raridade que é encontrar documentação. Assim, saio de Sandra Regina e sigo para a Morada Nobre (se menciono esses dois bairros é porque melhor os conheço). Ali, a maioria das ruas ainda tem a denominação dos lotes, embora muitas delas estejam repletas de “mansões”. O que têm feito os vereadores e o poder público que não nomearam essas ruas, tampouco lhes deram CEP? Qualquer pessoa sabe a dor de cabeça que significa correr atrás de contas que não chegam e de documentos importantes que atrasam. Pergunto: qual a culpa do estado da Bahia nisso? Se você, portanto, quiser comprar um imóvel na morada nobre, prepare-se para encontrar lotes e casas sem documentação, ruas sem nome e sem CEP. Ora, quem vai pensar em nomear ruas e dar a elas CEP quando se tem questões mais importantes, como criar um estado novo?
Por Márcio Lima

Um comentário:

  1. Márcio,
    Muito bom o texto, esclarecedor. Interessante, por exemplo, essa observação sobre o planejamento do Sandra Regina, trata-se mesmo de um labritinto, eu me perdi por lá, tentando encontrar uma imobiliária.
    Abraço,
    Wagner

    ResponderExcluir