Vou descrever brevemente uma saga pessoal em Barreiras, mas que certamente vários leitores deste blog já enfrentaram; depois, uma análise política sobre o caso.
Quando cheguei em Barreiras, já há quase dois anos, uma das minhas primeiras providências foi procurar por uma conexão de internet. A monopolística OI não tinha (e não tem até hoje) nenhuma linha Velox disponível. Amigos me indicaram alguns "particulares" que teriam linhas: rejeitei, por achar um absurdo "contrabandear" uma conexão. Finalmente, assinei um serviço 3G da Vivo, que afirma disponibilizar uma banda de 1MB, mas, na real, funciona a maior parte do tempo como uma conexão discada (56kbps), quando não cai... Esta maravilha do mundo moderno pela bagatela de R$119 mensais!
Pois bem, depois de mais de um ano e meio, desisti da "Morto" (Vivo), de receber um serviço (ao menos) decente, de meus princípios, enfim. Liguei para um "particular" que, supostamente, poderia me ajudar. Ele tem dois "planos de assinatura":
1) Ele mesmo tem uma conexão (comercial, deve ter sido obtida há algum tempo) de 8MB e compartilha, por R$50 mensais, uma banda de 500kbps, por rádio; ou
2) O "particular" tem linhas da Velox/OI para "vender" por R$1.000; neste caso, ele transfere a linha para mim, e eu vou pagar os mesmos R$120 mensais para a OI (por um serviço sem dúvida melhor do que meu atual, mas ainda assim ruim).
E aqui terminam minhas lamúrias e começa a análise política.
Esta situação é herdeira de uma questão histórica no Estado brasileiro: a confusão entre "público" e "privado". Em nosso país, desde cedo, o poder público sempre dividiu seu poder com "particulares", usualmente detentores do poder econômico. Quando nos tornamos um Império, a população ia pedir favores à aristocracia, à realeza, detentora do poder político (e, portanto, público), mas sempre numa relação pessoal.
Ao nos tornarmos República, os altos postos do governo sempre foram ocupados por membros da elite econômica. Isto significou a transposição de um modo pessoal de funcionamento para dentro da burocracia brasileira; por exemplo, os "coronéis" ou usineiros, que exerciam um poder paralelo ao do Estado formal se tornam, eles mesmos ou seus parentes, parte da máquina do Estado e ocupantes de cargos eletivos.
Aqui voltamos ao meu caso com a internet. A Telemar/OI é um quase-monopólio privado resultante da privatização (doação) atabalhoada do antigo monopólio público, na era FHC. Nosso "particular" descrito acima certamente tem relações com antigos funcionários da Tele (ou talvez fosse, ele próprio, um funcionário ou um terceirizado) e, quando da oferta inicial de linhas de internet na cidade, usou desta relação para adquirir várias linhas e, inclusive, um link que nem a UFBA hoje tem disponível. O público, invadido pelo privado, retroage sobre o privado/privatizado: privatiza-se o lucro, mas muito dos custos e as relações continuam iguais, uns coletivizados, os outros "particulares".
Outra - e mais grave - instância da mistura público/privado em Barreiras é o funcionamento da Prefeitura Municipal. Chega-se lá e o que se vê é um amontoado de pessoas ("particulares") indo pedir favores (empregos, em geral); essas pessoas ficam numa sala de espera, e a assessoria da Prefeitura funciona como "ACESSO-ria": escolhe que vai ter acesso à Prefeita.
A Prefeitura, assim, funciona como um balcão onde a "pessoa" da Prefeita vai ouvir os pedidos dos "particulares", em uma relação privada. A Prefeitura, ao contrário, deveria funcionar como um órgão público, o Estado neste Município: uma instância sempre pronta, sim, a ouvir e receber demandas coletivas e atendê-las enquanto instituição, não de maneira pessoal.
Como mudar isso? Esta situação já tem melhorado em outro lugares do país. Mas isso exige controle e pressão populares, conscientização - uma vez que também deve partir da população o abandono de práticas personalistas como estas - e voto. Voto naqueles dispostos a resolver questões da coletividade, e não dados a promessas de caráter individual. Voto naqueles que conseguem agir como pessoas públicas e tratar o Estado como uma instituição de atendimento de interesses públicos - e não particulares.
Vote bem, vote em quem tem propostas para o Município e a região, e não apenas naquele que pode, um dia, te dar um emprego ou outro benefício. (Em tempo: não estou, com este texto, apoiando nenhum candidato, mas, apenas, uma discussão política mais qualificada, que fuja aos lugares-comuns da corrupção, do empreguismo e do personalismo).
Quando cheguei em Barreiras, já há quase dois anos, uma das minhas primeiras providências foi procurar por uma conexão de internet. A monopolística OI não tinha (e não tem até hoje) nenhuma linha Velox disponível. Amigos me indicaram alguns "particulares" que teriam linhas: rejeitei, por achar um absurdo "contrabandear" uma conexão. Finalmente, assinei um serviço 3G da Vivo, que afirma disponibilizar uma banda de 1MB, mas, na real, funciona a maior parte do tempo como uma conexão discada (56kbps), quando não cai... Esta maravilha do mundo moderno pela bagatela de R$119 mensais!
Pois bem, depois de mais de um ano e meio, desisti da "Morto" (Vivo), de receber um serviço (ao menos) decente, de meus princípios, enfim. Liguei para um "particular" que, supostamente, poderia me ajudar. Ele tem dois "planos de assinatura":
1) Ele mesmo tem uma conexão (comercial, deve ter sido obtida há algum tempo) de 8MB e compartilha, por R$50 mensais, uma banda de 500kbps, por rádio; ou
2) O "particular" tem linhas da Velox/OI para "vender" por R$1.000; neste caso, ele transfere a linha para mim, e eu vou pagar os mesmos R$120 mensais para a OI (por um serviço sem dúvida melhor do que meu atual, mas ainda assim ruim).
E aqui terminam minhas lamúrias e começa a análise política.
Esta situação é herdeira de uma questão histórica no Estado brasileiro: a confusão entre "público" e "privado". Em nosso país, desde cedo, o poder público sempre dividiu seu poder com "particulares", usualmente detentores do poder econômico. Quando nos tornamos um Império, a população ia pedir favores à aristocracia, à realeza, detentora do poder político (e, portanto, público), mas sempre numa relação pessoal.
Ao nos tornarmos República, os altos postos do governo sempre foram ocupados por membros da elite econômica. Isto significou a transposição de um modo pessoal de funcionamento para dentro da burocracia brasileira; por exemplo, os "coronéis" ou usineiros, que exerciam um poder paralelo ao do Estado formal se tornam, eles mesmos ou seus parentes, parte da máquina do Estado e ocupantes de cargos eletivos.
Aqui voltamos ao meu caso com a internet. A Telemar/OI é um quase-monopólio privado resultante da privatização (doação) atabalhoada do antigo monopólio público, na era FHC. Nosso "particular" descrito acima certamente tem relações com antigos funcionários da Tele (ou talvez fosse, ele próprio, um funcionário ou um terceirizado) e, quando da oferta inicial de linhas de internet na cidade, usou desta relação para adquirir várias linhas e, inclusive, um link que nem a UFBA hoje tem disponível. O público, invadido pelo privado, retroage sobre o privado/privatizado: privatiza-se o lucro, mas muito dos custos e as relações continuam iguais, uns coletivizados, os outros "particulares".
Outra - e mais grave - instância da mistura público/privado em Barreiras é o funcionamento da Prefeitura Municipal. Chega-se lá e o que se vê é um amontoado de pessoas ("particulares") indo pedir favores (empregos, em geral); essas pessoas ficam numa sala de espera, e a assessoria da Prefeitura funciona como "ACESSO-ria": escolhe que vai ter acesso à Prefeita.
A Prefeitura, assim, funciona como um balcão onde a "pessoa" da Prefeita vai ouvir os pedidos dos "particulares", em uma relação privada. A Prefeitura, ao contrário, deveria funcionar como um órgão público, o Estado neste Município: uma instância sempre pronta, sim, a ouvir e receber demandas coletivas e atendê-las enquanto instituição, não de maneira pessoal.
Como mudar isso? Esta situação já tem melhorado em outro lugares do país. Mas isso exige controle e pressão populares, conscientização - uma vez que também deve partir da população o abandono de práticas personalistas como estas - e voto. Voto naqueles dispostos a resolver questões da coletividade, e não dados a promessas de caráter individual. Voto naqueles que conseguem agir como pessoas públicas e tratar o Estado como uma instituição de atendimento de interesses públicos - e não particulares.
Vote bem, vote em quem tem propostas para o Município e a região, e não apenas naquele que pode, um dia, te dar um emprego ou outro benefício. (Em tempo: não estou, com este texto, apoiando nenhum candidato, mas, apenas, uma discussão política mais qualificada, que fuja aos lugares-comuns da corrupção, do empreguismo e do personalismo).
Por Márcio Carvalho