sexta-feira, 3 de setembro de 2010

"O Público e o Privado em Barreiras", por Márcio Carvalho

Vou descrever brevemente uma saga pessoal em Barreiras, mas que certamente vários leitores deste blog já enfrentaram; depois, uma análise política sobre o caso.

Quando cheguei em Barreiras, já há quase dois anos, uma das minhas primeiras providências foi procurar por uma conexão de internet. A monopolística OI não tinha (e não tem até hoje) nenhuma linha Velox disponível. Amigos me indicaram alguns "particulares" que teriam linhas: rejeitei, por achar um absurdo "contrabandear" uma conexão. Finalmente, assinei um serviço 3G da Vivo, que afirma disponibilizar uma banda de 1MB, mas, na real, funciona a maior parte do tempo como uma conexão discada (56kbps), quando não cai... Esta maravilha do mundo moderno pela bagatela de R$119 mensais!

Pois bem, depois de mais de um ano e meio, desisti da "Morto" (Vivo), de receber um serviço (ao menos) decente, de meus princípios, enfim. Liguei para um "particular" que, supostamente, poderia me ajudar. Ele tem dois "planos de assinatura":

1) Ele mesmo tem uma conexão (comercial, deve ter sido obtida há algum tempo) de 8MB e compartilha, por R$50 mensais, uma banda de 500kbps, por rádio; ou
2) O "particular" tem linhas da Velox/OI para "vender" por R$1.000; neste caso, ele transfere a linha para mim, e eu vou pagar os mesmos R$120 mensais para a OI (por um serviço sem dúvida melhor do que meu atual, mas ainda assim ruim).

E aqui terminam minhas lamúrias e começa a análise política.

Esta situação é herdeira de uma questão histórica no Estado brasileiro: a confusão entre "público" e "privado". Em nosso país, desde cedo, o poder público sempre dividiu seu poder com "particulares", usualmente detentores do poder econômico. Quando nos tornamos um Império, a população ia pedir favores à aristocracia, à realeza, detentora do poder político (e, portanto, público), mas sempre numa relação pessoal.

Ao nos tornarmos República, os altos postos do governo sempre foram ocupados por membros da elite econômica. Isto significou a transposição de um modo pessoal de funcionamento para dentro da burocracia brasileira; por exemplo, os "coronéis" ou usineiros, que exerciam um poder paralelo ao do Estado formal se tornam, eles mesmos ou seus parentes, parte da máquina do Estado e ocupantes de cargos eletivos.

Aqui voltamos ao meu caso com a internet. A Telemar/OI é um quase-monopólio privado resultante da privatização (doação) atabalhoada do antigo monopólio público, na era FHC. Nosso "particular" descrito acima certamente tem relações com antigos funcionários da Tele (ou talvez fosse, ele próprio, um funcionário ou um terceirizado) e, quando da oferta inicial de linhas de internet na cidade, usou desta relação para adquirir várias linhas e, inclusive, um link que nem a UFBA hoje tem disponível. O público, invadido pelo privado, retroage sobre o privado/privatizado: privatiza-se o lucro, mas muito dos custos e as relações continuam iguais, uns coletivizados, os outros "particulares".

Outra - e mais grave - instância da mistura público/privado em Barreiras é o funcionamento da Prefeitura Municipal. Chega-se lá e o que se vê é um amontoado de pessoas ("particulares") indo pedir favores (empregos, em geral); essas pessoas ficam numa sala de espera, e a assessoria da Prefeitura funciona como "ACESSO-ria": escolhe que vai ter acesso à Prefeita.

A Prefeitura, assim, funciona como um balcão onde a "pessoa" da Prefeita vai ouvir os pedidos dos "particulares", em uma relação privada. A Prefeitura, ao contrário, deveria funcionar como um órgão público, o Estado neste Município: uma instância sempre pronta, sim, a ouvir e receber demandas coletivas e atendê-las enquanto instituição, não de maneira pessoal.

Como mudar isso? Esta situação já tem melhorado em outro lugares do país. Mas isso exige controle e pressão populares, conscientização - uma vez que também deve partir da população o abandono de práticas personalistas como estas - e voto. Voto naqueles dispostos a resolver questões da coletividade, e não dados a promessas de caráter individual. Voto naqueles que conseguem agir como pessoas públicas e tratar o Estado como uma instituição de atendimento de interesses públicos - e não particulares.

Vote bem, vote em quem tem propostas para o Município e a região, e não apenas naquele que pode, um dia, te dar um emprego ou outro benefício. (Em tempo: não estou, com este texto, apoiando nenhum candidato, mas, apenas, uma discussão política mais qualificada, que fuja aos lugares-comuns da corrupção, do empreguismo e do personalismo).

Por Márcio Carvalho

3 comentários:

  1. Márcio,
    Quando se fala da relação entre público e privado no Brasil, sempre me lembro de mais uma frase genial de Millor, segundo a qual "No Brasil há pessoas que estão na vida pública, quando deveriam estar na privada". Só penso que devemos ter o cuidado para não associar Público com Estatal, pois muitas vezes aquilo que é da competência do estado está tomado de pessoas que só visam a interesses particulares. No caso de nossa telefonia, acredito que, se ainda vigorasse no Brasil o sistema estatal, as capitais teriam uma internet como a de Barreiras, enquanto Barreiras...Bom, nem é preciso dizer. Aqueles nem tão jovens há de lembrar-se como era a telefonia no Brasil antes da privatização. Julgo que esse debate público privado tem mais a ver com uma questão ética e política do que econômica, como se dá entre estado e iniciativa privada, embora as duas esferas não estejam dissociadas.
    Márcio Lima

    ResponderExcluir
  2. Olá Márcio. Só queria destacar que a discussão sobre privatização sempre foi errada em nosso país. Na verdade, não se tratava de "privatizar" a telefonia, mas sim de quebrar o monopólio. Por este motivo, não sei se concordo com você quando que que se vigorasse o sistema estatal, a situação seria pior, pois caímos no monopólio (na prática) privado. Quando o Estado gerar condições de concorrência (por exemplo, cobrando R$35 por uma Banda Larga razoável), quero ver a Vivo cobrando R$120 por um serviço de péssima qualidade. Mas concordo que o fundamento do debate público/privado deve ser o ético/político antes do econômico, usado na primeira parte do texto mais como ilustração. Abraços

    ResponderExcluir
  3. "A Prefeitura, ao contrário, deveria funcionar como um órgão público, o Estado neste Município: uma instância sempre pronta, sim, a ouvir e receber demandas coletivas e atendê-las enquanto instituição, não de maneira pessoal."

    Se um governante agisse assim aqui em Barreiras, certamente não teria muito futuro na política. O povo logo o tiraria de lá e colocaria outro com a mentalidade assistencialista e demagógica que tanto conhecemos. O povão em si, a maioria de votos que coloca o prefeito lá, querem saber é de emprego pros familiares, cestas básicas etc... o despero daqueles que se vêem à mingua à procura de emprego faz com q eles só enxerguem como bom polítco aquele que o satisfaz instantaneamente, seja de que forma for.
    infelizmente,o governo é um reflexo de seu povo sim.

    ResponderExcluir