quarta-feira, 19 de outubro de 2011

"O Circo Chegou... e chegou para ficar", por Paulo Roberto Baqueiro Brandão

No último dia 17 de outubro de 2011, chegou à cidade um circo estranho. Fincou estacas e levantou lona nas imediações da primeira rotatória da BR-242, sentido Salvador-Brasília, no trecho conhecido como Av. ACM, onde, de vez em quando, logo em frente, outros circos e parquinhos mais alegres e multicoloridos também costumam entreter a nada feliz população de Barreiras.

Muitas pessoas curiosas foram ver a trupe, que se chama Circo Casa do Povo. Foi tanta gente que uma turma ficou de fora. Mas até quem entrou sofreu apuros com os apertos e a gritaria incessante dos espectadores, que esperavam a cortina descerrar e o espetáculo começar com tudo o que um circão dos bons costuma oferecer.

O circo era muito estranho. Era monocromático, tocava músicas de uma nota só e os artistas conversavam em uma língua estranha, que só quem fazia parte da comitiva circense era capaz de entender. As atrações, verdadeiras misturas de “vade-retro” com “cruz-credo”, estavam mais para bizarras que para divertidas.

Tinha uns quantos leões, nada dóceis, que não saltavam as argolas flamejantes. Ao contrário, faziam a plateia saltar a cada rugido ameaçador, de um inconfundível sotaque pernambucano. Alguns macaquinhos, estranhamente bem posicionados na arquibancada, assoviavam, gritavam e macaqueavam a cada momento de excitação extrema, quando se anunciava a vinda de um circo ainda maior, que logo vai chegar para ficar.

Havia animadoras. Apenas duas, é verdade. Mas causaram retumbante alvoroço quando desceram glamorosamente as escadas de onde saíam as atrações principais, mandando beijinhos para a plateia no melhor estilo das saudosas chacretes.

Com elas também apareceram os mágicos. Ah, os mágicos!! Aqueles senhores sempre bem vestidos que fazem as coisas sumirem diante dos nossos olhos, sejam pombos, moedas, ou mesmo um grande patrimônio público. Sempre quis saber para onde vai tudo isso que os ilusionistas teimam em fazer desaparecer...

A plateia, ensandecida, gritava e gritava. Uns pediam o dinheiro de volta, pois o circo ia se tornando cada vez mais estranho, com as suas atrações bizarras. Outros, que, junto com os macaquinhos, faziam muito barulho, desejavam mais e mais, exigindo um desempenho de gala dos artistas.

Eis que, em um momento de clímax, as luzes se apagaram e uma das animadoras, sem quê nem pra quê, virou a Monga, a Mulher-Macaco. Ao menos foi isso que pareceu quando as suas atitudes ganharam um tom de ferocidade, berrando e apontando os dedos para todos os lados, como quem está prestes a atacar os incautos espectadores. Encenação, claro. Mas não dá para negar que mete um medo danado!

Antes que alguém pergunte pelos palhaços, é melhor contar logo. Esses estavam espalhados por toda a cidade. Tristes e desiludidos, pois lhes negaram o picadeiro, mais pareciam pierrôs traídos por uma nada elegante colombina que fez promessas melodiosas aos pobres coitados.

Artista de mil habilidades, a colombina, que é animadora, Monga, mas também cantora, entoou uma balada que inebriou os ouvidos dos palhaços, um verdadeiro canto da sereia que agora faz os barcos naufragarem na curva de um rio que já foi grande, exatamente onde vão erguer o novo circo.

Obs.: Qualquer ligação com uma certa audiência pública que ocorreu na mesma data é mera coincidência.

por Paulo Baqueiro (Professor da UFBA)

11 comentários:

  1. Paulo Baqueiro,

    Texto digno de aplausos, não da claque, mas dos tristes palhaços!

    Meus parabéns!

    Prof. Poty Lucena

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  2. Paulo, seu texto me ajuda a retomar a necessária indignação, que de tão adormecida me levou a ignorar ou, pior, até me animar com este circo. Embora acredite que muitos dos críticos, que bravejaram contra a vinda deste grande circo, ao dormirem sonham sorridentes com um passeio nos seus corredores segurando um algodão doce do Bob's e um saco de pipoca do Mac Donalds, espero ter força pra lutar contra esse canto da sereia e como educador ajudar os meus alunos a desfetichizar essa mercadoria. Parabéns.
    Sandro Ferreira

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  3. Texto primoroso. Pena que trate da nossa realidade!
    Francesco.

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  4. Caro Paulo Baqueiro,
    Parabéns pela ilustração textual da realidade vivida pela população de Barreiras. Metáforas devem ser esclarecidas para/pela população. O que estão fazendo com a biodiversidade do Cerrado no circo? Ou essa biodiversidade é exótica? Esse circo além de capturar alguns animais de nossa fauna ainda adestra-os com outros exóticos. O pior é que o circo – é, foi e pode – continuar instalado em lugar impróprio. Lobisomem, pé de garra, mula sem cabeça, mãe do ouro já tinha visto rumores nas áreas de Cerrado. Agora, mulher-macaco é demais... é muito exótico em tempos modernos e pós-modernos
    Ats.
    Valney Dias Rigonato

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  5. Parabéns!!! Eu ainda acredito em pessoas de bom senso, que não comercializam suas opiniões e posicionamentos !!! Abraços.

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  6. Parabéns pelo texto professor Paulo, só fico triste porque condiz com nossa atual situação.

    Andréa Luci

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  7. Paulo, Meus parabens! Seu texto tem circulado por e-mails tambem. Ja recebi por duas pessoas e fiquei feliz por ver que ta tendo uma repercussao, pelo menos no que se refere a atitude de ler e encaminhar pra mais gente. As pessoas precisam mesmo se olhar no espelho e verem que tem uma bola vermelha no lugar do nariz.

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  8. É!
    "Agente não está [ou está?] com a bunda exposta na janela pra passar a mão nela"

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  9. Acorda Barreiras!

    A gente quer comida, diversão e arte!!!

    E não é na "praça de alimentação", é na rua mesmo, na praça de verdade, com livre acesso para todos!!!

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  10. Paulo,
    Seu texto é uma obra-prima de inteligência. À medida eu ia lendo, causavam-me pânico e terror as imagens e metáforas que iam sendo expostas. Algo digno de filmes de David Lynch. Nada poderia ser mais adequado à situação da cidade, onde o caos se instalou de vez graças a qualquer falta de bom senso. Seu texto faz eco à famosa sentença de Goya: "o sono da razão produz monstros".
    Márcio Lima

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  11. Paulo Baqueiro (Professor da UFBA)18 de novembro de 2011 às 09:43

    Soube que a Dep. Kelly Magalhães criticou este meu texto. Até aí, tudo bem. Um direito inalienável que ela tem. Mas o teor da crítica, que teria sido feita através do twitter, é que foi de estarrecer, principalmente vindo de alguém que tem formação em Letras.
    Segundo me informaram, a Deputada postou no twitter um texto onde afirma não ter gostado do fato de eu ter "chamado" a Prefeita de Monga...
    Ora, nobre Deputada, eu utilizei uma linguagem figurada (licença poética?), um recurso muito comum em vários estilo literários.
    Só para deixar claro, não tinham leões, mágicos, dançarinas e, tampouco, um Circo Casa do Povo, no sentido denotativo.

    Paulo

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