terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

"Carta ao Jornal do São Francisco", por Paulo Baqueiro

Na seção “Celebridades” (?!) do Jornal do São Francisco (edição n. 84), fui citado por uma frase minha na qual tecia críticas ao próprio periódico. Na referida seção, foi mencionado um comentário que eu havia feito, se não me engano aqui mesmo no blog, o qual transcrevo exatamente como está posto no jornal: “Paulo Baquero (sic): ‘Não consigo ler esse Jornal (do São Francisco) (sic) não dá pra saber o que quer, se é de esquerda ou direita. As (sic) vezes é contra o agronegócio, outras a favor’”. Esta frase é seguida então de uma réplica escrita por J. Alfredo, que afirma: “É mesmo, professor, é um jornal eclético, aberto a todas as correntes de pensamento”.

Pois bem, diante da situação, me pareceu propício aprofundar um pouco mais este debate, principalmente pelo que está contido nas entrelinhas, tanto da minha afirmação (que infelizmente foi escrita de forma descontextualizada), quanto da resposta de J. Alfredo.

Importante esclarecer que o que seguirá nas próximas linhas foi enviado ao redator do jornal e, portanto, em determinados trechos, direciono o diálogo diretamente ao destinatário. Assim, segue:

Caro redator,

Em resposta a uma citação do meu nome no Jornal do São Francisco, feita na seção “Celebridades”, da edição n. 84, gostaria de fazer os seguintes comentários:

Vivemos uma época estranha e ainda pouco compreendida, que alguns chamam de hipermodernidade, modernidade líquida ou pós-modernidade. Este modus vivendi é irmão siamês do capitalismo contemporâneo, que é marcado, por sua vez, pelo chamado regime de acumulação flexível, este mesmo que fomenta, por exemplo, a inauguração de um escritório da Bolsa de Chicago em Luís Eduardo Magalhães, uma cidade pequena do mundo subdesenvolvido.

Pois bem, uma das principais características deste momento da História é a forte crise de valores, de referências. O capitalismo prevaleceu e impôs valores que estão sempre ligados ao dinheiro. Foi assim, por exemplo, que a célebre foto de Che Guevara passou a estampar camisas de marcas internacionais, como a GAP, para serem vendidas às classes combatidas pelo próprio líder revolucionário (a ironia é também uma marca da pós-modernidade).

O que quero dizer, caro redator, é que, como afirmara o velho Karl Marx, com toda a razão, nos dias de hoje “tudo que é sólido se desmancha no ar”. Vivemos numa sociedade onde tudo se metamorfoseia muito rapidamente, deixando as pessoas atônitas. Estas, sem poderem pensar sobre a sua própria existência na mesma velocidade com que as coisas acontecem, apenas aceitam e seguem...

Nós, formadores de opinião (tanto o professor, quanto o jornalista), temos a obrigação de prover a sociedade de âncoras para que esta possa se sentir segura diante dos acontecimentos que fazem a História do presente. Para tanto, ter posicionamentos firmes e claros sobre o que acreditamos é fundamental. Mas não confundir firmeza de posicionamento com dogmatismo, ortodoxia ou enrijecimento do pensar. O que digo é que precisamos demonstrar nossas crenças com clareza, sem confundir.

Algumas vezes, caro redator, me questiono se o periódico cumpre este papel, daí a minha afirmação, reproduzida na edição n. 84. Por exemplo: quando leio textos em defesa dos mais pobres e carentes em um mesmo veículo de comunicação que exalta o agronegócio como promotor do desenvolvimento em um pretenso estado do São Francisco, fico confuso, pois desconheço o modelo político-econômico já implantado no mundo subdesenvolvido no qual a pobreza tenha sido erradicada (ou mesmo mitigada) através dos esforços emanados pela agricultura de alto rendimento. Afinal, os interesses são outros...

Por outro lado, alguns dizem que os posicionamentos de esquerda e direita já não existem mais, ficaram relegados à condição de curiosidades enciclopédicas do “breve século XX”, como diria Eric Hobsbawm. Mas, ao contrário do que se pensa e ainda que sem a clareza de antes, progressistas e conservadores seguem manifestando suas intenções. O problema é que, com discursos modernosos e reciclados, os militantes de esquerda se parecem cada vez mais com os de direita e vice-versa. Muitos até acendem a mesma vela para “Deus” e para o “Diabo”.

Assim, se o ecletismo é uma marca da estética e da cultura pós-modernas, o mesmo não deveria acontecer, ao menos a meu ver, na forma como disseminamos a nossa visão de mundo, as nossas crenças políticas. Há aí dois riscos: o de confundir a quem nos lê ou nos ouve e o de parecermos neutros diante da realidade, algo que, para o bem ou para o mal, nunca somos.

Espero, enfim, caro redator, ter esclarecido as motivações que me fizeram proferir a frase já mencionada. Espero ainda que as minhas críticas sejam absorvidas dentro do mais livre espírito democrático e sinta-se à vontade, desde já, para discordar delas.

Sem mais,

Paulo Baqueiro (Professor do Curso de Geografia do ICADS/UFBA)

3 comentários:

  1. Poxa, eu ia escrever reclamando que o blog tava desatualizado, mas este artigo salvou a situação! hehe


    Profº Paulo,

    Eu tb não perco tempo lendo esse panfleto "eclético" que chamam de jornal, justamente porque de toda a imprensa impressa local, considero-o um dos piores. E a leitura é insuportável até mesmo para poder criticar depois.

    Além disso, o seu texto me lembrou "os indiferentes" de Gramsci e é preciso afirmar que a falta de posição, a falta de definição (direita, esquerda) e a falta de partido, ou seja, de um lado, é a coisa mais pósmoderna que temos!

    Ecletismo é falta de identidade ou falta de coragem de assumir-se!

    Adorei a carta!

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  2. Parabéns professor Paulo pela clareza das questões..Prof. Lobo

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  3. Efim opiniões de verdade no Oeste da Bahia! Foram muito anos de alienação desde que existe esta cidade. Espero que esse novo horizonte que se abre desperte realmente o interesse do povão, ou pelo menos da galera mais jovem, de modo que seja possível mudar a realidade execrável de TODO o Oeste da bahia!
    Grande abraço.

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