terça-feira, 17 de abril de 2012

"A Arte de Pongar(*) na Realização Alheia, em Três Atos", por Paulo Baqueiro

1o Ato
Março de 2010. As chuvas intensas que assolam Barreiras tornam impossível o tráfego de veículos na Estrada da Prainha, uma via não pavimentada que, além de ligar a sede municipal a algumas vilas, serve como acesso principal para o Campus da UFBA. As águas, que caem com intensidade há cerca de um mês e meio, transformam o caminho em um atoleiro sem fim, o que obriga os condutores de carros, ônibus e motocicletas a transitarem sem a menor segurança. A velha ponte, surrada pela torrente que se forma com a cheia do Rio de Ondas, range e ameaça ceder à ação do tempo e da incompetência administrativa de quem deveria mantê-la plenamente trafegável.

Inconformados com o descaso da autoridade municipal, que não responde aos constantes apelos por uma solução decente para a via e para a ponte, a comunidade da UFBA resolve protestar com veemência, paralisando as atividades da Instituição e promovendo atos para chamar a atenção da sociedade barreirense para um problema que é de inteira responsabilidade da Prefeitura. Entre as diversas atividades de protesto, uma ganha retumbante repercussão: a grande caminhada de estudantes e servidores da universidade com destino às portas da Prefeitura como forma de pressionar a gestora municipal a tomar uma atitude que permita a retomada da normalidade no Campus da Prainha.

Infelizmente, a mobilização ganha notoriedade não pelo motivo que a deflagrou, mas pelo seu desfecho: ao invés de receber os manifestantes para abrir um canal de diálogo ou até mesmo para vir a público afirmar a incapacidade de realizar as obras de pavimentação da estrada, a Prefeita se omite. Para completar o quadro, de forma absolutamente desnecessária, a polícia é acionada (sabe-se lá por quem) e o que se segue são fatos que lembram os dias sombrios da nada saudosa Ditadura Militar.

2o Ato
Junho de 2010. Após quase três meses de paralisação, um grupo de professores, escolhidos pela comunidade acadêmica como seus representantes legítimos, é recebido em audiência pela cúpula do Governo da Bahia, em busca da solução que não foi viabilizada pela gestão municipal. Após intensas e frutíferas negociações, chega-se, enfim, a uma constatação e a um resultado prático: fica patente que a Prefeitura é incapaz de honrar com a sua responsabilidade, ao tempo em que a Estrada da Prainha é “estadualizada”, permitindo que o Derba (Departamento de Infraestrutura de Transportes da Bahia) assuma os encargos da obra, que contempla o asfaltamento e a construção de uma nova ponte, de concreto e com via dupla.

Assim, ainda que de forma lenta e aos saltos, a empresa vencedora da licitação aberta pela autarquia estadual assume os encargos da obra e a executa ao longo dos meses que seguem. Isto, é imperativo afirmar, sem qualquer participação da Prefeitura Municipal de Barreiras, que, mantendo a atitude omissa que caracterizou o Executivo local neste longo episódio, executou apenas alguns pequenos e insuficientes reparos na velha e debilitada ponte de madeira.

Enquanto isso, as comunidades que dependem da Estrada da Prainha tentam retomar a normalidade da vida, ainda que os pequenos incidentes envolvendo veículos que insistem em trafegar no perigoso trajeto alertem para a nada fácil tarefa de seguir adiante em um quadro de adversidade.

3o Ato
Abril de 2012. Após meses de espera, uma parte das obras da Estrada da Prainha está concluída: a via recebeu asfalto, sinalização horizontal e vertical e, além disso, Barreiras é contemplada com um pequeno trecho de ciclofaixa, gerando a esperança de que esta cidade possa um dia se tornar plenamente amigável ao usuário de bicicleta. A execução definitiva da requalificação da via, porém, é ainda um sonho, pois só ocorrerá com a construção da nova ponte, uma obra que, espera-se, será concluída dentro em breve.

Assim, mesmo que incompleta, a obra será inaugurada com grande pompa e circunstância, contando com a presença de autoridades as mais diversas, entre as quais a representante máxima da municipalidade. Atitude que incomoda, pelo posicionamento omisso que o Governo Municipal assumiu no processo acima narrado, a presença da Prefeita no ato oficial (apesar de legítima, afinal trata-se da chefe do Executivo local), reflete o jogo político de um ano eleitoral que promete ser dos mais conturbados.

O que mais surpreende disto tudo, enfim, nem é o fato da Prefeita descerrar uma placa de inauguração de uma obra que o município não contribuiu em absolutamente nada. Verdadeiramente intrigante é a retórica dos marqueteiros do Governo “Cidade Mãe”, que se apressaram em fazer uso das armas midiáticas com o intuito de induzir a população de Barreiras a crer que a estrada foi asfaltada por que a chefe do Executivo assim o quis, assim o fez. Desta forma, não sendo verdadeira a narração contida na peça publicitária veiculada nos intervalos do Jornal Nacional, o que se pode inferir é que a Prefeita “ponga” em uma realização alheia para amealhar ganhos políticos.

Epílogo
A classe política brasileira é pródiga em produzir histórias fantasiosas sobre os seus feitos e realizações. Verdadeiros Pantaleões que são, nossos “representantes” tratam de se livrar das responsabilidades que lhes cabem sempre que há risco de serem taxados de incompetentes ou desonestos com a mesma destreza que assumem para si os bônus de um ato, mesmo que este não tenha se tornado realidade pela obra e graça da sua “canetada”.

Isto torna cada vez mais evidente que a política brasileira (a barreirense incluída) não é feita de sujeitos quem tem a capacidade de propagar os seus próprios feitos, mas daqueles que sabem utilizar das realizações alheias para o seu benefício, o que não deixa de ser uma arte. A arte de saber “pongar”.

(*) De acordo com o Dicionário de Baianês, de autoria de Nivaldo Lariú (1991), pongar significa “Pegar carona; embarcar na idéia de alguém; pegar ônibus ou trem em movimento” [Grifo nosso].

- por Paulo Baqueiro

8 comentários:

  1. Ótimo texto Paulo, parabéns, infelizmente a cada dia que passa, me sinto envergonhado pelo país que tem enormes riquezas em geral e é governado por pessoas mesquinhas e sem escrúpulos. Claro que a maior parte disso é feita pelo povo que elege políticos com essas características, mas eu quero acreditar que isso é feito por falta de informação e pelo o que eu vejo, quanto menos informação melhor para os políticos. Esse blog é uma ótima ferramenta para informar mais sobre o assunto, novamente parabéns

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  2. Isso se chama, grosseiramente falando, gozar com o pau dos outros...Bem característico da classe política em ano eleitoral.

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  3. Paulo Baqueiro (o da UFBA)19 de abril de 2012 às 11:19

    Uma correção: os fatos relatados no 1o. Ato ocorreram em 2010 e não em 2011, como foi postado.

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  4. Digníssimo Professor,
    a postagem está bastante interessante, mas ao mesmo tempo chama a atenção para as possíveis leituras políticas dos fatos. Concordo quando o senhor sinaliza para o fato desta ser uma conquista da comunidade da UFBA. Estaria de pleno acordo, se a pavimentação fosse apenas até a entrada da Universidade. Veja professor, o asfalto chega até a ABA. Por que? Foi a universidade que quis assim? Outro detalhe, no projeto incial, havia asfalto até o estacionamento da universidade? Ou como diriam aqueles professores que, no intuito de dar suas "contribuições", disseram que a entrada do campus não era naquela lateral e que portanto, o recurso que seria utilizado ali poderia ser investido na construção de uma ciclovia. Desde a chegada da UFBa, a comunidade de barreiras e região aguarda os frutos de seu trabalho. O que muitas vezes vemos, são professores interessados na promoção pessoal, no discurso hipócrita, na filiação a partidos (apenas para se mostrarem engajados nos debates da época, mas num discurso de massa) ou no aproveitamento do cargo público. Com toda sinceridade, para vocês criticarem esta administração municipal, seria importante que vários de vocês se mostrassem exemplos a esta cidade. Quantos de vocês são eleitores de Barreiras? Quantos de vocês se dedicam aos filhos desta terra, não colocando suas pós-graduações como prioridade, deixando os deveres do professor em segundo plano? Quantos de vocês ficarão em Barreiras após a conclusão dos doutorados? De que adianta criticar o uso do recurso público para no carnaval de Barreiras e colocar um bloco nas ruas com recursos da Administração Municipal, com participação majoritária daqueles que publicam neste blog? Que discurso é este? Apesar do discurso da velha ponte, fiquem atentos, pois uma ponte de madeira dá avisos visuais sobre sua condição, mas uma de concreto, não. Assim, acompanhem a execução da obra, pois vocês possuem engenheiros no quadro de funcionários, com competência para tal.
    Sobre a paralisação. O que vocês realmente fizeram? Quantos não aproveitaram o momento para curtir férias ou resolver problemas particulares? Houve um protesto, mas o que vocês demonstraram à sociedade? Que encaminhamentos foram oficializados? Me lembro de alguns pouquíssimos professores em praça pública, ministrando palestras. Você acrdita sinceramente, que foi a visita da UFBA ao Governo do Estado que garantiu a obra? Não houve diálogo entre o governo local e estadual na mencionada "estadualização"?
    Encerrando o comentário, na pessoa de morador, profissional e pai. Professor, não confunda município com a pessoa da Prefeita. "Perfeita" ou não, ela representa "o município", eleita pela maioria, para governar a cidade dos que votaram ou não nela.
    Se quer mudança, que venha nas eleições. Mas me perdoe, esta conquista não é da UFBA, mas sim, do município de Barreiras, com a colaboração da UFBA. Ao contrário do que o senhor afirma, o município sempre apoiou a UFBA, mesmo não tendo o retorno esperado. Talvez se parte do professores não estivessem interessados apenas nas consultorias, projetos e visibilidade política, nosso cenário seria outro. Gostando ou não, o apoio político é que garantirá o sucesso desse investimento.
    Espero que compreenda parte de minha indignação.
    Apenas relembrando, professor. A paralisação ocorreu em 2010 e não em 2011.

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    1. Paulo Baqueiro (o da UFBA)20 de abril de 2012 às 10:07

      Prezado,

      Suas contribuições me levam ao desejo de fazer uma réplica (ou tréplica, levando-se em consideração que você comenta a partir do que escrevi). Agradeço, desde já, pela leitura do texto, mas acho que há nos seus questionamentos algumas colocações que precisam ser dissecadas, para, enfim, serem esclarecidas.
      Antes de mais nada, o texto tratou única e exclusivamente do fato de uma gestão municipal, com as suas responsabilidades e atribuições, ter utilizado de uma peça publicitária para induzir a população a crer que a obra foi uma dádiva sua, o que, de fato, não é verdade. Será que ainda cabe dúvidas sobre quem executou a obra e sobre quem se omitiu em fazê-la?
      Não desconsidero o fato da obra estar cercada de contradições. São muitas sim, mais até do que as que você cita. Isto, porém, não dá a ninguém o direito de se apropriar do feito como se este fora seu, para angariar benefícios em ano eleitoral. É engraçado ver, por exemplo, que, no discurso oficial da gestão municipal, a obra de saneamento é sempre creditada à Prefeitura, mas o ônus da pavimentação das vias onde o encanamento foi instalado “cai no colo” da Embasa. Ora, muito interessante querer ficar com os louros, mas não com a conta a ser paga (Cotinua...).

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    2. Paulo Baqueiro (o da UFBA)20 de abril de 2012 às 10:07

      Por outro lado, acho equivocado minimizar o papel da comunidade acadêmica na conquista do asfaltamento ou quanto à sua presença na região: veja bem, se houve diálogo entre o governo local e o estadual para que a estrada se tornasse uma “BA” e pudesse ser pavimentada, esse só veio a ocorrer após as manifestações (sintomático, não?). Além disso, afirmar que a UFBA frustra o município quanto ao retorno gerado, convido-o a visitar a universidade, olhando melhor para os detalhes: publicações diversas sobre o município e a região (de professores e alunos), gerando conhecimento novo sobre a nossa realidade, atividades acadêmicas de todo o tipo (eventos, capacitações, extensão, entre outras), a maior biblioteca pública do município, acompanhamento das obras (apesar de você achar que não, há registros disso na TV Oeste), bem como a formação de profissionais que já atuam na região (inclusive em setores muito carentes, como a Educação). Não sei o que você quer afirmar ao mencionar esta suposta frustração, mas, se esperava que a universidade viesse para ser um apêndice técnico-científico do mercado de grãos, está redondamente enganado quanto ao nosso papel. E digo mais: incomodar as “forças constituídas” e desmanchar consensos mal assentados é também um papel da universidade, quer queira ou não.
      Bom, quanto aos professores e a forma como atuam na sociedade barreirense, cada um faz o que quer da sua vida e colabora como achar melhor. Só não me parece legal seguir um caminho de idealização do “professor sacralizado”. Pertencer a um partido político, por exemplo, é legítimo para todo e qualquer cidadão brasileiro. Participar ou não de forma de direta de uma manifestação é um opção. Quanto a isso, prefiro lembrar de Prof. Portella, que foi colocado dentro de um camburão, do Prof. Evanildo, que foi agredido pela Polícia, do coletivo acadêmico, que fez carreta utilizando gasolina comprada do próprio bolso, quando poderia tê-la gastado indo visitar os shoppings de Brasília ou tomar um solzinho nas Três Bocas (ou isto não nos é permitido por sermos professores?) (Continua...).

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    3. Paulo Baqueiro (o da UFBA)20 de abril de 2012 às 10:08

      Não lembro de ter escrito nada que o levasse à conclusão de que não sei a diferença entre Governo (ou Prefeita, como queira) e Estado (na esfera municipal). Essa confusão, ao que me parece, parte muito mais do próprio Gabinete do Executivo Municipal, assim como de você mesmo, notadamente quando tenta deslegitimar o que escrevo citando o bloco de carnaval que alguns professores criaram (eu um deles). Sobre isto, acho bom esclarecer: nenhum dos responsáveis pelo bloco nunca foi à Prefeita (em público ou às escondidas) pedir-lhe absolutamente nada. Tudo que fazemos é pautado por um espírito baseado na institucionalidade das coisas a partir de contatos com o Secretário da Cultura. A verba que o município (e não a Prefeita) libera para o blocos está posto no orçamento e é garantido a qualquer entidade que venha a pleiteá-lo, ainda que eventualmente em um deles um dos seus integrantes escreva textos críticos sobre a gestão municipal. Me pergunto até se efetivamente utilizamos alguma verba, já que, nos dois anos que saímos, fomos convidados a fazê-lo junto com o Bloco da Rola, “otimizando” o tempo, como afirmam prepostos da Prefeitura.
      Quanto à participar da realidade local, além do que a universidade produz (citei acima de modo muito superficial), falarei por mim mesmo em relação a algumas de suas indagações pontuais: (a) sou eleitor inscrito neste colégio eleitoral (e faço questão disto), (b) tenho uma filha que nasceu aqui, a despeito das péssimas condições dos centros de saúde locais, notadamente, pasme, os particulares, (c) gero receita para o município (pois compro e utilizo serviços locais), fruto do trabalho que realizo aqui e (d) participo de tudo que diga respeito à realidade local, desde que me interesse em fazê-lo, lógico. Se nada disso me credenciar a questionar o que ocorre em Barreiras, não sei mais o que devo fazer para conquistar tal direito (Continua...).

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    4. Paulo Baqueiro (o da UFBA)20 de abril de 2012 às 10:08

      Para finalizar, não entendi bem o seu discurso sobre professores fazerem doutorado e os rumos da universidade em Barreiras. Pelo que entendo, o doutorado é uma forma de qualificação do profissional que atua na instituição. Isto é ruim?! Agora, se o sujeito vai ficar ou vai embora, é uma prerrogativa pessoal e que tem a ver, na grande maioria das vezes, com o fato da cidade estar, desde um ponto de vista social e infraestrutural, muito aquém daquilo que se espera dela, infelizmente.
      No mais, agradeço por ter lido meu texto e tenha certeza que, sempre que eu julgue ser salutar escrever sobre algo que me incomode, o farei. Afinal, tenho este direito.

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