quinta-feira, 29 de setembro de 2011

"Como se 'Cria' uma Nação", por Paulo Baqueiro


“Nação Oestina”. Este é um termo largamente atribuído à população do Oeste Baiano quando o tema é a criação do estado do (Rio) São Francisco. Prenhe de um inconcebível ufanismo, a concepção de “nação” é empregada com muito pouca acuidade conceitual, o que pode gerar interpretações extremamente perigosas. Este termo, aliás, nem sequer deveria estar na pauta de discussão sobre a criação da nova unidade federativa, tal é o disparate da sua apropriação como argumento separatista.

Nós, que habitamos a porção do território baiano à esquerda do majestoso “Rio da Integração Nacional”, independente de termos nascido aqui ou acolá, não formamos uma nação distinta do restante dos brasileiros, como sugerem aqueles que fazem uso de tal termo. Dito de outra forma, a tal “Nação Oestina” simplesmente não existe.

O historiador Eric Hobsbawn, na magistral obra Nações e nacionalismo desde 1780, afirma que uma nação corresponde a um quantitativo considerável de pessoas em cujos membros se consideram como membros de uma “nação”. Em outras palavras, para constituir uma nação, um grupo deve ter consciência de tal condição. Assim, é necessário que “os de dentro do grupo”, ou seja, os membros conscientes da sua condição de nação, enxerguem uma dada homogeneidade que os façam se tratarem como iguais e, ao mesmo tempo, os diferencie “dos de fora do grupo”, aqueles que são os demais membros da sociedade da qual fazem parte.

A identificação com elementos materiais e simbólicos que promovem aquilo que Milton Santos chamou de “solidariedade orgânica” é também territorial, pois gera laços entre o grupo e o espaço em que o primeiro se reproduz socialmente.

Para exemplificar, pensemos no Euskadi (País Vasco ou Vasconia, ambos os termos em espanhol), que constitui uma Comunidade Autônoma do Reino da Espanha, mas cujos laços histórico-culturais transbordam para outras comunidades e mesmo para além da fronteira com a França, constituindo um território em dois Estados distintos. O elemento de unidade (que dá sentido à ideia de nação) é o idioma, o euskera (mais conhecido como língua basca). Neste caso, o habitante do Euskadi, pelos valores histórico-culturais que possui, não se vê como espanhol, já que não usa o idioma castelhano. O mesmo ocorre na Catalunha e na Galícia, outras das comunidades autônomas espanholas.

Os palestinos, por sua vez, possuem, além da religião, o idioma e o alfabeto como elementos que os diferenciam dos judeus. Porém, sua ascendência genética – que define a etnia – os aproxima daqueles que expropriam o seu território (os mesmos judeus anteriormente citados). Trago este segundo exemplo para mostrar que, ao contrário do que fazem parecer por meio da propalação do termo em questão nos discursos separatistas do Oeste Baiano, a formação de um sentimento nacionalista é extremamente complexa.

Em outra perspectiva, pensemos nos torcedores de um clube do futebol. Tomemos a mim a aos milhões de torcedores do Esporte Clube Bahia, que nos autodenominamos “Nação Tricolor” como o caso a ser analisado. Todos somos tricolores, é verdade. Mas, antes disto, somos brasileiros, lusófonos, adeptos (ou não) das mais diversas matrizes religiosas existente no Brasil, possuímos identidades territoriais ligadas a bairros ou cidades as mais diversas. Ou seja, não nos distinguimos em nada dos torcedores do Vitória – ou de qualquer outra torcida brasileira – naquilo que importa quando se fala em uma nação.

Portanto, empregar o termo “Nação Tricolor” como um elemento de identificação dos torcedores do glorioso Esporte Clube Bahia serve tão somente para demonstrar a existência de uma coesão que é parcial e momentânea, pois se torna real apenas quando o assunto é futebol.

No caso do Oeste Baiano, que elementos partilhamos, como pretensos formadores da nação, para nos fazermos sentir diferentes dos demais grupos que nos rodeiam? Empregamos um idioma diferente dos demais (gírias e sotaque não contam, por favor!)? Temos uma história regional que se distancia da formação territorial das demais regiões do Brasil Interior? Temos uma formação étnica que nos singulariza diante dos demais brasileiros (e olha que nem deveríamos confundir etnia com nação)? Professamos uma mesma religião? E, por fim, como indivíduos, temos vínculos de unidade, partilhamos os mesmos interesses, nos vemos como iguais?

Não possuímos nenhum dessas especificidades, pois:
  • usamos a mesma língua que os demais brasileiros, com as diversas nuances de sotaque e gírias construídos do contato entre baianos e demais nordestinos, goianos, mineiros e sulistas, bem como da força da mídia, sediada no eixo Rio-São Paulo. Mas, ainda assim, nos comunicamos no bom e velho português;
  • a constituição territorial do Oeste Baiano é parte de um movimento maior da nossa formação geográfico-histórica, resultante da paulatina apropriação econômica do interior do país, iniciada ainda no período colonial;
  • do ponto de vista étnico, somos o resultado eternamente inacabado de diversas misturas, que ocorrem de modo similar em outras partes do Brasil;
  • professamos o catolicismo, o protestantismo, o budismo, o candomblé, qualquer outra religião ou nenhuma delas, do mesmo modo que outras pessoas o fazem pelo restante do país;
  • somos muito diversos nos interesses, desejos, aspirações, classes.


Por tudo isso, somos diversos, heterogêneos, não possuindo o tal elemento de coesão histórico-cultural e territorial que faria de nós, habitantes do Oeste Baiano, uma nação. Assim, ao tratarmos o tema do nacionalismo com seriedade, buscando enquadrá-lo às premissas científicas que o termo merece, a “Nação Oestina” tem tanta validade quanto a “Nação Tricolor”.

A utilização do termo “nação” para designar a população que habita o Oeste Baiano poderá, em um limite extremo, criar cisões que suscitariam extremismos entre os que querem e os que não querem a separação da Bahia. Insistir no uso de tal palavra é, portanto, uma irresponsabilidade. O que sugiro é que, ao invés de celebrarmos a sandice do tal nacionalismo oestino, que nos orgulhemos da diversidade que possuímos, independente destas terras virem a se tornar (ou não, como diria Caetano Veloso) uma nova unidade federativa.

por Paulo Roberto Baqueiro Brandão
Professor de Geografia do ICADS/UFBA