Caras companheiras, prezados companheiros,
Lembram da "Carta a Dona Lindú”? Frei Betto escreveu-a depois da vitória de Lula, filho de Dona Lindú, nas eleições de 2002. Quantos e quantas se emocionaram e orgulharam com a seguinte passagem:
“Seu filho venceu, dona Lindú. Não porque tirou diploma, ficou rico e famoso. Mas porque construiu o mais combativo e ético partido político do Brasil”.
No entanto, olhando para o Partido dos Trabalhadores de hoje, o citado provoca certo embaraço. Capaz que Dona Lindú virasse no caixão, caso precisasse ouvi-la de novo. O que o filho dela ajudou a construir, apresenta-se hoje como uma agregação altamente arbitrária de figuras e interesses – dos mais nobres até os mais vulgares, sem que o PT os tachasse como tais.
Esta PMDB-zação do PT acontece porque o Partido dos Trabalhadores, com aval do filho de Dona Lindú, vem negligenciar a combatividade e a ética, em prol da excessivamente invocada governabilidade.
Qualquer constrangimento, qualquer contradição em relação ao histórico e aos princípios programáticos do partido recebe respostas do tipo “Nós somos governo”, “Estamos costurando apoios”, “Precisamos ampliar a base”, “Cedemos para somar”, etc.
Sem dúvida, há muitos petistas que vão muito bem assim. Entretanto, o Brasil perdeu. O Brasil perdeu aquela “águia” de combatividade e ética, sobre a qual Frei Betto diz:
“Cortaram as asas da águia, para ela acostumar-se que agora é galinha”.
Reza o Artigo 1º do Estatuto do Partido dos Trabalhadores:
“O Partido dos Trabalhadores (PT) é uma associação voluntária de cidadãs e cidadãos que se propõem a lutar por democracia, pluralidade, solidariedade, transformações políticas, sociais, institucionais, econômicas, jurídicas e culturais, destinadas a eliminar a exploração, a dominação, a opressão, a desigualdade, a injustiça e a miséria, com o objetivo de construir o socialismo democrático.”
Portanto, a razão da existência do PT não é a de governar o Brasil. A razão do ser, pensar e agir do PT é propor um projeto socialista de desenvolvimento que prima pela inclusão social, participação popular, responsabilidade ambiental e solidariedade internacional. Na medida de que o povo aprova a coerência da proposta do PT e enxerga a competência de pô-la em prática, colocará o governo nas mãos do Partido dos Trabalhadores. Governar, portanto, é conseqüência de posições e atitudes - e não preposto delas.
Há vinte anos venho participando das lutas populares na região de Barreiras. Até o ano de 2003, sempre procurei apoiar o PT e ser apoiado por ele. Ser considerado como petista (sem que fosse filiado) me enchia de satisfação. A partir de 2005, comecei a sentir incômodos. Hoje, apesar do meu profundo carinho e apreço por muitos e muitas dos/as filiados/as do PT, temo que a ONG por mim coordenada possa sofrer problemas de reputação caso interaja muito com as ações do Partido dos Trabalhadores.
Contudo, não me conformo com esta situação.
Continuo mantendo a esperança que o Partido dos Trabalhadores - sendo um partido de massa, plural e destituído de espírito sectário - possa achar-se de novo como força combativa e ética.
Diante disto, venho manifestar, com sinceridade e respeito à bandeira petista, cinco desejos (mais um) ao Partido dos Trabalhadores de Barreiras:
1. Volte a ser um partido combativo, posicionando-se diante do crime organizado de Barreiras, denunciando os abusos de autoridade e a desvirtuação de poderes, desmascarando as manipulações e falcatruas com diplomas, habilitações e benefícios sociais, reforçando os clamores nos bairros por condições salutares de vida e convivência, enfileirando-se às marchas contra violência e homofobia, solidarizando-se publicamente com greves de legítimos objetivos, apontando a acumulação desproporcional de riquezas, encarando o debate sobre a criação de um novo estado, reprovando a predominância dos interesses agro-empresariais na região, ...
2. Volte a ser um partido ético que tenha moral a denunciar abusos e desvios, afastando ou ate expulsando filiados/as em funções públicas caso cometerem ilegalidades ou acobertarem as mesmas, primando pela transparência e objetividade na declaração de bens e patrimônio, observando os princípios de objetividade e transparência em processos licitatórios e concursos públicos, recusando amparo partidário para entidades ou movimentos que comprovadamente desobedecem a estes princípios, desautorizando o favorecimento econômico para amigos do partido, expulsando filiados/as que comprovadamente ofendem interesses comuns da comunidade, reprovando prestações de contas de forças aliadas caso constarem irregularidades, rompendo com alianças políticas caso ofenderem os princípios de objetividade e transparência na gestão dos recursos públicos, ...
3. Volte a ser um partido mais modesto, refutando auto-elogios descabidos, ouvindo as opiniões diversas em espaços de aprendizagem, primando por autenticidade no lugar de modismo, buscando o contato pessoal com o povo no lugar de concentrações de massa, marcando presença nos ônibus coletivos, estádios, salas de aula, auditórios de universidades, campos de futebol, romarias, passeatas, forrós nos bairros, evitar o pagamento de taxas para ser estampado/a na mídia, ...
4. Volte a ser um partido mais unido, mantendo uma freqüência regular de reuniões, proporcionando um bom fluxo de comunicação aos/as filiados/as, ampliando a representação partidária em eventos estaduais e nacionais, levando dúvidas e discordâncias para os fóruns internos do partido, evitando fofocas, demonstrando lealdade com a direção do partido, rejeitando a imposição de interesses estratégicos externos sem prévia discussão e aprovação pelo partido local, socorrendo companheiros/as de luta em casos de emergência, prestando solidariedade aos/as companheiros/as em situações de aflição ou luto, ...
5. Volte a ser um partido mais trabalhador(a), enfrentando o pó da estrada, visitando as obras em andamento, vistoriando programas sociais nos bairros e comunidades, agüentando o abafo de auditórios e audiências, pegando a ferramenta para apoiar um mutirão na comunidade, pegando a caneta para escrever uma carta à redação ou um artigo na mídia regional, criando um jornal que seja digna de artigos e comentários sérios sobre o desenvolvimento no Oeste, empenhando-se nas políticas de desenvolvimento regional (Território, Comitê da Bacia Hidrográfica, ...), organizando eventos de distração e lazer sadio para o povo humilde nos bairros e comunidades (forrós nos bairros, “PT Lazer”, serestas tradicionais, ...), mantendo um site atualizado, ...
Avisei que teria mais um desejo. É o mais simples:
Seja um partido menos auto-suficiente. É ridículo gloriar-se a si mesmo e insistir na miserabilidade das demais forças políticas. Bem melhor reconhecer as falhas próprias e procurar consertá-las. Arrogância não combina nem um pouco com o socialismo.
É isso. Nunca é tarde. Pois a luta continua.
Com um abraço forte,
Martin Mayr