Gosto muitíssimo da seguinte passagem do filósofo francês Michel de Montaigne: “Todos estão sujeitos a dizer tolices; o mal está em as enunciar com pretensão: ‘Este homem provavelmente vai expor-nos, com ênfase, algumas enormidades (Terêncio)’. Este segundo ponto não me diz respeito, porque não dou maior atenção às bobagens que me escapam. Felizmente para elas, pois as negaria imediatamente se devessem prejudicar-me, ainda que mui ligeiramente. Nada compro ou vendo por preço mais alto do que vale. Escrevo como falo ao primeiro indivíduo que encontro, contentando-me com dizer a verdade” (MONTAIGNE, Michel. Ensaios. “Do útil e do honesto” Tradução de Sérgio Milliet. Col. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1972).
Lembrei-me dela depois de ler as “enormidades” que foram expostas na última edição do Jornal do Estado do São Francisco (Ano I – Edição n. 4, de 25 de setembro de 2010, distribuído junto ao Jornal do São Francisco, Ano V, n. 81). Refiro-me especificamente ao editorial e à apropriação feita de nosso blog. Antes de falar daquele, comento esta. Em tempos de guerra contra a concepção autoral, desconheço as regras para que os meios de comunicação apropriar-se de ideias alheias. Mas o caso é que o Jornal reproduziu um texto meu sem pedir nenhuma permissão. Até aí, tudo bem. O problema é que o periódico não apenas escondeu a fonte, como dá a entender para os leitores que se tratam de reflexões oriundas de um espaço ligado ao Jornal. Está lá estampado no início do texto: “Do Blog”. De qual blog? Assim, o leitor é induzido a pensar que se trata do blog do jornal. Não satisfeito, os comentários deixados no oestemaquia ao longo de seus posts são pescados e lá expostos. Qual a intenção do Jornal em não revelar a fonte de onde ele está tirando o texto? E, mais irônico ainda, as minhas palavras que eles reproduzem contêm justamente uma citação do Jornal do Francisco, que, quando escritas, indicavam a fonte para quem quisesse consultar na íntegra.
Quanto ao editorial, nem sei se posso chamá-lo assim, uma vez que está assinado. Até onde sei, o editorial expressa a opinião do jornal, e não a de um ou outro jornalista particular de seu quadro. Não obstante isso, o texto trata da famigerada criação do Estado do Rio São Francisco. Poucos dias antes, o jornalista João Alfredo participou de um debate sobre o tema, promovido pelos estudantes dos Bacharelados Interdisciplinares da UFBA. E é contra a reflexão de alguns professores – dentre os quais eu – que o Jornal se posiciona em seu editorial. Fato perfeitamente compreensível. São as regras do jogo democrático. Por que as regras do jogo democrático sempre precisam ser lembradas “neste país”? O primeiro ato inconcebível é o nome do professor citado. Eu, Márcio Lima, e Márcio Carvalho temos escrito no blog; ele, além disso, tem participado dos debates sobre a santificação da terra. No entanto, o jornal, referindo-se aos professores da UFBA, menciona um certo Márcio Pinto. Todos os textos escritos e ideias são apresentadas em público, como não poderia ser diferente para quem está num ambiente acadêmico, e se amparam em argumentos, dados, fontes etc. O jornal, no entanto, pretende rebater sem argumento algum. Se o espaço do jornal não é propício à exposição mais rigorosa de ideias, a falta completa delas é um agravante sério. Mas, pior que isso são as afirmações capciosas do editorial para justificar porque, supostamente, somos contra os milagres que São Francisco está disposto a fazer pelo Oeste baiano. Antes de tudo, porque somos forasteiros. Demonstrando o quanto esse forasteiro está imerso nos problemas locais, há pouco tempo aqui, Márcio Carvalho, por exemplo,tem dados sobre a região que os devotos desconhecem, ou fingem desconhecer. Na verdade, milagre não anda bem mesmo com a realidade. Afinal, só é possível esperar pelo milagre se ao mesmo tempo esperar que as leis do real sejam modificadas.
Mas o melhor está por vir. No fim do texto, ficamos sabendo que somos contrários ao novo Estado porque somos aliados do velho carlismo e de seus representantes na região, a saber: Jusmari e Oziel. Aqui, todas as regras do decoro podem ser procuradas no esgoto a céu aberto de Barreiras, pois provavelmente foram jogadas lá. Entende-se também por que o jornal não quis mencionar o endereço do blog. Qualquer um que lesse os textos poderia constatar de imediato a impostura da afirmação. Além do mais, a prefeita e seu marido engrossam o coro dos favoráveis à criação. Se ela está aliada ao governador da Bahia, que é contra, é por mero oportunismo político. Oportunismo, aliás, que está na essência da motivação da maioria que aí está para defender a ideia de criação do Estado. Do ponto de vista político, essa foi a principal hipótese levantada pelo Blog, ou seja, de que a criação do estado serve, em primeiro lugar, para um oportunismo político, e depois para justificar décadas de incompetência administrativa das cidades da região por seus políticos locais. Todavia, o que era hipótese já teve sua primeira comprovação, dessa vez não por parte dos políticos, mas do Jornal do Estado do São Francisco, que de modo oportunista tenta conquistar a simpatia de seus leitores, tentando fazer dos professores os novos vilões da história. Para isso, esconde fonte e distorce ideias.
Se é útil esconder a verdade em prol de uma causa, ainda prefiro estar na companhia de Montaigne. E para que a utilidade não se sobreponha à honestidade, é preciso que a verdade seja dita.
Por Márcio Lima