1o Ato
Março de 2010. As chuvas intensas que assolam Barreiras tornam impossível o tráfego de veículos na Estrada da Prainha, uma via não pavimentada que, além de ligar a sede municipal a algumas vilas, serve como acesso principal para o Campus da UFBA. As águas, que caem com intensidade há cerca de um mês e meio, transformam o caminho em um atoleiro sem fim, o que obriga os condutores de carros, ônibus e motocicletas a transitarem sem a menor segurança. A velha ponte, surrada pela torrente que se forma com a cheia do Rio de Ondas, range e ameaça ceder à ação do tempo e da incompetência administrativa de quem deveria mantê-la plenamente trafegável.
Inconformados com o descaso da autoridade municipal, que não responde aos constantes apelos por uma solução decente para a via e para a ponte, a comunidade da UFBA resolve protestar com veemência, paralisando as atividades da Instituição e promovendo atos para chamar a atenção da sociedade barreirense para um problema que é de inteira responsabilidade da Prefeitura. Entre as diversas atividades de protesto, uma ganha retumbante repercussão: a grande caminhada de estudantes e servidores da universidade com destino às portas da Prefeitura como forma de pressionar a gestora municipal a tomar uma atitude que permita a retomada da normalidade no Campus da Prainha.
Infelizmente, a mobilização ganha notoriedade não pelo motivo que a deflagrou, mas pelo seu desfecho: ao invés de receber os manifestantes para abrir um canal de diálogo ou até mesmo para vir a público afirmar a incapacidade de realizar as obras de pavimentação da estrada, a Prefeita se omite. Para completar o quadro, de forma absolutamente desnecessária, a polícia é acionada (sabe-se lá por quem) e o que se segue são fatos que lembram os dias sombrios da nada saudosa Ditadura Militar.
2o Ato
Junho de 2010. Após quase três meses de paralisação, um grupo de professores, escolhidos pela comunidade acadêmica como seus representantes legítimos, é recebido em audiência pela cúpula do Governo da Bahia, em busca da solução que não foi viabilizada pela gestão municipal. Após intensas e frutíferas negociações, chega-se, enfim, a uma constatação e a um resultado prático: fica patente que a Prefeitura é incapaz de honrar com a sua responsabilidade, ao tempo em que a Estrada da Prainha é “estadualizada”, permitindo que o Derba (Departamento de Infraestrutura de Transportes da Bahia) assuma os encargos da obra, que contempla o asfaltamento e a construção de uma nova ponte, de concreto e com via dupla.
Assim, ainda que de forma lenta e aos saltos, a empresa vencedora da licitação aberta pela autarquia estadual assume os encargos da obra e a executa ao longo dos meses que seguem. Isto, é imperativo afirmar, sem qualquer participação da Prefeitura Municipal de Barreiras, que, mantendo a atitude omissa que caracterizou o Executivo local neste longo episódio, executou apenas alguns pequenos e insuficientes reparos na velha e debilitada ponte de madeira.
Enquanto isso, as comunidades que dependem da Estrada da Prainha tentam retomar a normalidade da vida, ainda que os pequenos incidentes envolvendo veículos que insistem em trafegar no perigoso trajeto alertem para a nada fácil tarefa de seguir adiante em um quadro de adversidade.
3o Ato
Abril de 2012. Após meses de espera, uma parte das obras da Estrada da Prainha está concluída: a via recebeu asfalto, sinalização horizontal e vertical e, além disso, Barreiras é contemplada com um pequeno trecho de ciclofaixa, gerando a esperança de que esta cidade possa um dia se tornar plenamente amigável ao usuário de bicicleta. A execução definitiva da requalificação da via, porém, é ainda um sonho, pois só ocorrerá com a construção da nova ponte, uma obra que, espera-se, será concluída dentro em breve.
Assim, mesmo que incompleta, a obra será inaugurada com grande pompa e circunstância, contando com a presença de autoridades as mais diversas, entre as quais a representante máxima da municipalidade. Atitude que incomoda, pelo posicionamento omisso que o Governo Municipal assumiu no processo acima narrado, a presença da Prefeita no ato oficial (apesar de legítima, afinal trata-se da chefe do Executivo local), reflete o jogo político de um ano eleitoral que promete ser dos mais conturbados.
O que mais surpreende disto tudo, enfim, nem é o fato da Prefeita descerrar uma placa de inauguração de uma obra que o município não contribuiu em absolutamente nada. Verdadeiramente intrigante é a retórica dos marqueteiros do Governo “Cidade Mãe”, que se apressaram em fazer uso das armas midiáticas com o intuito de induzir a população de Barreiras a crer que a estrada foi asfaltada por que a chefe do Executivo assim o quis, assim o fez. Desta forma, não sendo verdadeira a narração contida na peça publicitária veiculada nos intervalos do Jornal Nacional, o que se pode inferir é que a Prefeita “ponga” em uma realização alheia para amealhar ganhos políticos.
Epílogo
A classe política brasileira é pródiga em produzir histórias fantasiosas sobre os seus feitos e realizações. Verdadeiros Pantaleões que são, nossos “representantes” tratam de se livrar das responsabilidades que lhes cabem sempre que há risco de serem taxados de incompetentes ou desonestos com a mesma destreza que assumem para si os bônus de um ato, mesmo que este não tenha se tornado realidade pela obra e graça da sua “canetada”.
Isto torna cada vez mais evidente que a política brasileira (a barreirense incluída) não é feita de sujeitos quem tem a capacidade de propagar os seus próprios feitos, mas daqueles que sabem utilizar das realizações alheias para o seu benefício, o que não deixa de ser uma arte. A arte de saber “pongar”.
(*) De acordo com o Dicionário de Baianês, de autoria de Nivaldo Lariú (1991), pongar significa “Pegar carona; embarcar na idéia de alguém; pegar ônibus ou trem em movimento” [Grifo nosso].
- por Paulo Baqueiro