Assim como aconteceu há cerca de um ano quando o bombeiro Paulo César
foi assassinado, muitos estão querendo simplificar a morte cruel do aluno da
UFBA Eliano Bezerra, como algo determinado apenas pelas drogas. É incrível como
Barreiras tem essa capacidade de jogar tudo pra debaixo do tapete: As centenas
de famílias que perderam suas terras pela grilagem, as dezenas de jovens que
“desaparecem” em abordagens policiais, as várias famílias que moram embaixo das
marquises e que nossa “invisibilidade social” nos impede de ver. Tudo é muito
simples por aqui, e todos, inclusive a Universidade, fecham os olhos, e
exercitam o esquecimento como forma de viverem “felizes” e em “paz”, nessa
cidade “grande e medíocre” que é Barreiras.
Desde ontem, logo após a
notícia do desaparecimento, uma pedra de crack já servira de argumento simples
pra ignorar a complexidade da existência de uma figura como Eliano, numa cidade
como Barreiras. Ele representava muito mais, sabia muito mais... não é à toa
que, em cada esquina de Barreiras, ontem tanto se comentava sobre a sua
morte.
Hoje já li e ouvi várias vezes frases do tipo “esse povo chato,
tudo querem associar a racismo, a homofobia. O problema da nossa sociedade é
econômico!”. E o que é o econômico senão um campo onde o cultural, o ideológico
e o político transitam?
Precisamos fazer um esforço para entender melhor,
cuidadosamente, os melindres, as tramas do “ser humano”. Como o racismo se
processa em nossa mente, em nossos atos, de todos nós, que até lutamos pra não
sermos racistas, mas que, por resultado da nossa socialização, reproduzimos o
tempo todo pensamentos e atos racistas, sem, às vezes, sequer perceber. O mesmo
digo sobre a Homofobia: não é porque assistimos Big Brother ou novelas da Globo
que aprendemos a conviver com os homossexuais. Só quem é gay sabe o quão difícil
é “amar”, sentimento e experiência que todos nós desejamos em sua forma plena.
Se uma relação heterossexual, que é normatizada positivamente pela nossa
sociedade, já é supercomplexa e difícil de se estabelecer com completude,
imagine o quanto é uma relação homoafetiva?
As pessoas precisam entender
as formas em que as relações homoafetivas ocorrem. O preconceito faz com que os
homossexuais em busca de uma companhia, seja por amor ou apenas sexo, muitas
vezes tenham que "comprar" parceiros jovens e viris em troca de presentes, e
hoje muito comumente, em troca de drogas. Este parceiro não o ama, muitas vezes
sequer tem prazer físico no ato sexual. Assim o ódio se amplia, dada a sensação
de quebra da pureza "natural" deste parceiro. A linha entre este ódio mental,
esse nojo pessoal, e um ato brutal de violência é muito tênue. Isso é HOMOFOBIA,
e é muito comum casos assim em grandes cidades. A droga, a loucura do seu
efeito, é só um estopim pra isso. Na sequência, esses criminosos buscam roubar
tudo que puderem do parceiro gay, como forma de justificar a verdadeira
motivação de um "michê" (como é chamado) em se envolver com um gay: obter algum
ganho com isso.
Se a nossa sociedade não considerasse a homossexualidade
uma doença, uma coisa inaceitável, os gays não precisariam buscar pessoas assim
"na pista". Haveria mais homossexuais e bissexuais assumidos, que se permitiriam
tranquilamente ser cortejados por um homem, ter uma relação normal, afetiva, com
um gay. O "michê" não é um homossexual, ao menos no sentido próprio do
termo, ele vende seu corpo, e muitas vezes faz isso por uma vida de
miséria.
Eliano era um corajoso, não se importava com o que a sociedade
(a hipócrita Barreiras) pensava. Certamente esse não foi o primeiro, nem o
segundo "monstro" com quem ele se envolveu e que poderia num momento de loucura
(causado pela droga, por exemplo) matá-lo brutalmente, exercitando todo o ódio e
crueldade que muitos desses "michês" carregam por seus "clientes".
Não
vou ignorar os erros que ele cometeu na vida (já ouvi algumas histórias), mas
como me disse ontem um colega "ele não era uma pessoal do mal". Sua malandragem
era o seu "modo de navegação social", e assim como a Virgem Maria perdoou e
acolheu João Grilo em "O Auto da Compadecida", certamente teria feito o mesmo
por ele.
Digo, sem nenhum medo daqueles que hoje o execram, que Eliano
está fazendo falta e que Barreiras fica mais cinza (e obscura) sem a presença
dele.
- por Sandro Ferreira